VAGAS DA DISCÓRDIA
ELAS SÃO UM DOS ESPAÇOS MAIS DESEJADOS PELOS MORADORES E UMA DAS MAIORES CAUSAS DE CONFLITOS
De tão apertadas, algumas delas colocam à prova até os melhores motoristas. Sempre muito disputadas, as vagas geram desentendimentos. Um dos mais frequentes diz respeito à utilização do espaço como depósito, prática comum em condomínios com unidades cada vez menores. Ali, há quem guarde de tudo, menos carros. Móveis, bicicletas, eletrodomésticos fora de uso, cadeiras e barracas de praia. Os brinquedos da criançada. “Notoriamente, as garagens são alvo de discussão. Do tamanho do carro aos limites de cada vaga, da permissão para guarda de motos ao uso dessas áreas como depósito, entre outros pontos polêmicos. Ao síndico compete administrar o condomínio e, entre outras atribuições, zelar para o cumprimento das normas internas, incluindo o respeito ao uso do espaço”, pondera Cristiano de Souza Oliveira, advogado e consultor jurídico condominial há mais de 25 anos.
Também mediador judicial e privado, cadastrado perante o Conselho Nacional de Justiça e o Tribunal de Justiça de São Paulo, Cristiano começa por explicar alguns conceitos, como o uso da área da vaga para outros fins, que não guardar veículos automotores. “Se a área comum e privativa faz parte da propriedade do condômino, nos termos do art. 1.331 do Código Civil, e a garagem podem ser tanto comum (quando em vagas não demarcadas) ou privativa (quando identificadas na matrícula imobiliária com uma fração ideal), qual o problema de se colocar o que seja do condômino na sua vaga ou no espaço a ele destinado? Essa questão encontra resistência inicialmente na proteção da edificação, uma vez que a guarda de objetos que não sejam veículos nas garagens pode alterar o grau de risco do condomínio perante o seguro, com maior potencial de acidentes”, pontua ele, que segue em sua explanação.
“A questão passa pelo uso irregular das áreas definidas em especificação e, consequentemente, em convenção, o que por si só acaba afrontando os próprios direitos dos condôminos, bem como seus deveres, nos termos dos artigos 1.336 e 1.335 do Código Civil. Por fim, poderia gerar ao síndico, cujas atribuições legais abrangem cumprir as normas internas e diligenciar na conservação e guarda das partes comuns (art. 1.348, IV e V do Código Civil), uma administração não conveniente aos demais condomínios, passível assim de um processo administrativo de destituição do cargo”, alerta nosso entrevistado, vice-presidente da Associação dos Advogados do Grande ABC e presidente da Comissão de Direito Condominial da 38ª Subseção da OAB/SP (Santo André/SP), além de autor do livro ‘Sou Síndico, E agora? Reflexões sobre o Código Civil e a Vida Condominial em 11 lições’.
Mas como os síndicos devem lidar com tais condições, quando efetivamente ocorrem? “Nossos tribunais se dividem pelo país”. Ora aceitam que, dentro dos limites da vaga, o condômino possa colocar, além do carro, alguns objetos sem incômodo à coletividade. Ora, de forma legalista, os julgadores recusam os excessos e restringem a utilização das áreas. É certo, no entanto, que toda atitude da coletividade é reflexo, inicialmente, da forma de comunicação que o síndico possui, também em razão do empoderamento e do engajamento transferido aos condôminos pela administração. Não basta saber que possui a propriedade.
“Deve a coletividade entender, por meio da administração, que a sua propriedade está inserida no contexto de um instituto maior, denominado condomínio”, ressalta Cristiano de Souza Oliveira.
Para Cristiano, a vida condominial requer harmonização. E, para se atingir esse objetivo, é crucial que cada condômino entenda o que possui e seus limites. “Isso faz a diferença, onde, para se manter a ordem no coletivo, o individual precisa respeitar e exercer sua parte no todo, participando e respeitando as regras que somente são impostas pelas suas próprias escolhas conscientes. Assim, antes de exigir, esclareça. Antes de esclarecer, conheça. “Para conhecer, participe e faça participar, pois o bem viver somente será atingido com o pleno exercício da democracia, qual seja o exercício de ser condômino e assim auxiliar na administração fazendo o que é correto”, conclui.
No que diz respeito ao tamanho das vagas, o Código Civil determina que o condômino deve utilizar as áreas comuns de forma a não prejudicar a utilização de terceiros. As dimensões são reguladas pelo Código de Obras de cada município. O morador deve acomodar seu veículo dentro do limite da sua vaga, o que nem sempre é fácil, num mercado cheio de picapes e SUVs de grande porte. Se o limite for ultrapassado, o condômino poderá trocar a vaga assim que possível com algum vizinho, ou ainda tentar conseguir uma vaga maior no sorteio. E até buscar uma solução mais radical, como locar sua vaga original e alugar outra cujo tamanho comporte seu automóvel. Mas vale reforçar: de forma alguma, deve-se manter o veículo de tamanho maior em vaga menor, prejudicando os demais. Se isso ocorrer, caberá ao síndico coibir a situação, aplicando advertência e multa, se for o caso.
Em relação às construtoras, a comercialização de imóveis com vagas fora das especificações legais poderá gerar a obrigação judicial de indenizar o consumidor, que poderá, inclusive, desfazer o negócio. Algumas construtoras insistem na prática de ‘vagas presas’, em que o veículo depende da ausência de outros para se movimentar. Nestes casos, a solução dos conflitos está com os moradores, que podem deixar o veículo sem estar engrenado ou com freio de mão acionado para que possa ser empurrado, ou disponibilizarem uma chave reserva para o vizinho. Nos casos em que os veículos precisem ser deslocados, o condomínio pode avaliar a contratação de um manobrista.