Tarifa de água: a cobrança ilegal nos condomínios
Para entender a questão formulação da tarifa de água em condomínios a Revista dos Condomínios contou com uma entrevista com os advogados condominiais Leandro Sender e Sabrina Bessa.
Repórter da Revista dos Condomínios – Existe muita confusão em relação ao cálculo dessa tarifa. Como ela deve ser calculada de acordo com a lei?
Leandro Sender – Em 2010, o Superior Tribunal de Justiça fixou a tese do Tema 414, estabelecendo que não é permitida a cobrança de tarifa no valor do consumo mínimo multiplicado pelo número de economias existentes no imóvel quando houver um único hidrômetro no local.
Repórter da Revista dos Condomínios – Ou seja, exige uma cobrança do que realmente foi consumido.
Leandro Sender – Diante disso, ficou definido que a cobrança em tal situação deve ocorrer pelo consumo real aferido, ou seja, taxado a partir do que é registrado no hidrômetro como volume de consumo de água.
Repórter da Revista dos Condomínios – Se o entendimento do cálculo é de conhecimento há anos, qual é a causa de tantas discussões e erros na hora do cálculo pelas concessionárias?
Sabrina Bessa – Apesar de o entendimento jurisprudencial estar consolidado há mais de 10 anos, sobre a ilegalidade da cobrança feita através da multiplicação da tarifa mínima pelo número de economias, essa prática ainda segue sendo utilizada pelas concessionárias. Em muitos casos, os valores cobrados chegam até o triplo do efetivamente consumido.
Repórter da Revista dos Condomínios – Ou seja, talvez não seja um erro, mas a preferência por interpretar a lei de forma que as beneficiem.
Leandro Sender – Deste modo, a prática da taxação através da multiplicação da tarifa mínima pelo número de economias, ainda utilizada e defendida pelas concessionárias por não considerar o volume registrado pelo hidrômetro, ocasiona uma cobrança além do utilizado pelo condomínio. Adotando tal prática (irregular), e sem parâmetros de aferição, as concessionárias conseguem transformar o “consumo” em volume muito superior ao real, ganhando literalmente por aquilo que não fornecem.
Repórter da Revista dos Condomínios – Se no condomínio não houver um hidrômetro para cada unidade as provas do consumo real ficam comprometidas. Isso pode vir a gerar um passivo para os condomínios no futuro? Como agir?
Sabrina Bessa – Na realidade não, uma vez que o consumo real pode ser conferido através do hidrômetro único existente no condomínio
Repórter da Revista dos Condomínios – Mas essa forma de agir, sendo tão conhecida e singular, deve obter da justiça uma solução de forma rápida. De qualquer forma, será fácil de solucionar? Será caso a caso?
Leandro Sender – Não tão fácil porque, além dessa manobra, existe outra muito utilizada pelas concessionárias. Trata-se da aplicação da tarifa progressiva, que consiste em um sistema em que o valor cobrado pelo consumo de água aumenta à medida que a quantidade de água consumida aumenta. Geralmente, esse sistema é implementado em etapas ou faixas de consumo, onde cada faixa possui uma tarifa específica.
Repórter da Revista dos Condomínios – E essa forma de agir é baseada em alguma lei?
Sabrina Bessa – É importante ressaltar que não há absolutamente nenhuma ilegalidade na cobrança progressiva, fato este já pacificado pelo STJ, através do verbete sumular 407, que estabelece o seguinte: “É legítima a cobrança da tarifa de água fixada de acordo com as categorias de usuários e as faixas de consumo”.
Repórter da Revista dos Condomínios – Então, onde está o erro?
Leandro Sender – O fato que leva ao erro está nos condomínios onde há apenas 01 hidrômetro – o que é a esmagadora maioria no Rio de Janeiro. Nesses condomínios, as concessionárias de água desconsideram a totalidade de usuários (unidades autônomas) que consomem água no prédio. Sendo assim, contabilizam como se houvesse apenas uma família.
Repórter da Revista dos Condomínios – Em outras palavras…
Leandro Sender – Em outras palavras, as concessionárias tratam o condomínio como se fosse uma única residência, atingindo sempre a faixa de consumo máximo e majorando drasticamente o valor cobrado.
Repórter da Revista dos Condomínios – O que pode gerar um passivo absurdo para os condomínios.
Leandro Sender – Tais manobras são capazes de gerar impacto enorme e representam um aumento exponencial dos custos ordinários, afetando todo o planejamento e a capacidade financeira dos condomínios.
Repórter da Revista dos Condomínios – O que pode ser feito para afastar de vez essa dor de cabeça e possível inviabilização das contas dos condomínios?
Leandro Sender – O Tema 414 será rediscutido nos próximos meses pelo STJ, devido ao grande número de casos sobre a matéria e as decisões conflitantes que vêm surgindo, no intuito de definir questão de direito controvertida tendo como ponto principal a forma do cálculo da tarifa progressiva de serviços de água em unidades compostas por várias economias e hidrômetro único.
E, relembrando: o Superior Tribunal de Justiça no dia 05 de outubro de 2023, promoveu audiência pública para discutir a revisão do Tema 414, contando com a participação de 25 advogados, representantes dos órgãos públicos e entidades privadas.
Ao convocar a audiência pública, o ministro Paulo Sérgio Domingues, responsável pelos recursos que serão analisados pela Primeira Seção, mencionou a existência de três possíveis abordagens para calcular a tarifa: (1) o consumo global real; (2) o consumo presumido individual e o (3) consumo fracionado real.
De acordo com o Ministro, a realização da audiência pública é justificada pela significativa relevância social, econômica e jurídica do assunto, assim como pela importância desse debate para manter o equilíbrio nos contratos de concessão dos serviços públicos de saneamento básico.
Repórter da Revista dos Condomínios – O que você pode dizer em relação às três abordagens?
Leandro Sender – No que se refere a primeira metodologia citada, pelo consumo real global, leva-se em consideração o condomínio como único usuário, havendo, a partir daí o enquadramento do consumo efetivo nas faixas de consumo estabelecidas pela prestadora do serviço. Em relação à segunda metodologia, considera-se o cálculo através do consumo individual presumido. Ou seja, é considerado cada unidade como um usuário potencial do serviço, enquadrando-se na primeira faixa de consumo. Por fim, a terceira tese, refere-se ao cálculo de tarifa de acordo com consumo real fracionário, tendo como base de cálculo o consumo registrado no hidrômetro.
Repórter da Revista dos Condomínios – O que defenderam as concessionárias na audiência?
Leandro Sender – Durante a audiência as concessionárias defenderam a imposição da multiplicação da tarifa mínima pelo número de economias, pretendendo estabelecer uma cobrança compulsória para os condomínios, modalidade esta que não leva em consideração o volume registrado pelo hidrômetro.
“as concessionárias tratam o condomínio como se fosse uma única residência, atingindo sempre a faixa de consumo máximo e majorando drasticamente o valor cobrado”
“É importante ressaltar que não há absolutamente nenhuma ilegalidade na cobrança progressiva, fato este já pacificado pelo STJ”
Repórter da Revista dos Condomínios – Algo descolado em relação ao próprio serviço prestado. E o que pleiteia a Abadi?
Leandro Sender – A Associação Brasileira da Administradora de Imóveis (ABADI) defende a importância de serem mantidas as regras já consolidadas, afirmando que os condomínios e a sociedade em geral serão extremamente prejudicados com a aplicação de uma tarifa de água abusiva, acarretando transtornos expressivos.
Repórter da Revista dos Condomínios – Mas… e se for aprovada a alteração?
Leandro Sender – Se aprovada a alteração, o argumento apresentado pela Abadi, é de que as consequências serão trágicas para todos os Estados do Brasil, porém os condomínios mais prejudicados serão os do Rio de Janeiro, em que a tarifa de água poderá aumentar em até 700%, segundo tal associação.
Repórter da Revista dos Condomínios – Gostaria de somar algum comentário ao que foi exposto até aqui?
Leandro Sender – Ainda existe o dano ambiental decorrente dessas práticas, em razão da total ausência de incentivo ao uso racional e sem desperdício do recurso hídrico, visto que a utilização do recurso com racionalidade e economia nos condomínios não resultará na redução do preço pago pelo serviço.
Repórter da Revista dos Condomínios – Para terminar algum outro comentário?
Leandro Sender – Por fim, é importante destacar que a ABADI (Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis e Condomínios) e o SECOVI- -RJ (Sindicato da Habitação) se manifestaram nos recursos especiais repetitivos (REsp nº 1.937.887/RJ e nº 1.937.891/RJ) que decidirão de vez as controvérsias relacionas à tarifa de água, defendendo a aplicação da tarifa pelo consumo medido, levando em consideração a progressividade pelo número total de economias.
Mediante a atuação da ABADI e do SECOVI-RJ, a OAB do Rio de Janeiro, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro e o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro também se manifestaram pela aplicação da tese defendida pelos condomínios. Nos resta, portanto, aguardar a conclusão do Julgamento para entendermos a definição da modalidade de cobrança.
Leandro Sender
Sócio do Escritório Sender Advogados, Associados, Pós-graduado em Direito Imobiliário pela ABADI. Professor de Direito Imobiliário, Palestrante, Autor de diversos artigos jurídicos, Presidente da Comissão de Direito Condominial da ABA/RJ, Coordenador da Obra Coletiva “Condomínio: Aspectos Práticos da Cobrança de Cotas e Inadimplência”, Diretor de Relações Institucionais do NEED – Núcleo de Estudos e Evolução do Direito, Líder da Comissão de Leilões Judiciais e Extrajudiciais de Bens Imóveis da ABAMI, Membro da Comissão de Direito Imobiliário do IAB, Membro das Comissões de Direito Imobiliário e Condominial da OAB/RJ, Coordenador do Núcleo Imobiliário de Arbitragem da Cames.
Sabrina Bessa
Advogada, formada pela Universidade Veiga de Almeida (UVA) e advogada associada do Sender Advogados Associados.