As mudanças sugeridas ao Código Civil
Com ou sem domínio condominial?
Após 21 anos de vigência do atual código civil, que no assunto de condomínios introduziu uma nova filosofia à matéria com pilares conceituais de autorregulamentação, temos agora, a partir do trabalho de uma comissão de 38 juristas, uma nova proposta de alteração do código civil – que foi entregue em abril, ao Senado Federal. Em sua exposição de motivos a comissão do anteprojeto alega que se valeu da “análise da jurisprudência e da doutrina, em especial nas Jornadas do Conselho da Justiça Federal e na jurisprudência do STF e STJ, para proceder à correção de falhas redacionais e para inserir novos dispositivos adequados à realidade constitucional atual”. No assunto do Direito das Coisas, Livro que é introduzido os Condomínios, a exposição de motivos justifica as alterações no seguinte sentido: “Atualmente, vige a Lei nº 10.406/2002, que instituiu o Código Civil, a qual, pela proposta, continuará em vigor com os primados da socialidade, operabilidade e eticidade, tão bem defendidos e explicados pelo jusfilósofo Miguel Reale, mentor da Codificação Civil vigente. Assim as sugestões de atualizações se restringem àquelas que, ao viso da Comissão de Juristas, se mostraram absolutamente fundamentais, para acompanhar o progresso social, econômico e tecnológico da sociedade brasileira. A mesma, alega preservar os conceitos originais introduzidos na sociedade brasileira pelo Prof. Miguel Reale no código civil vigente, mas acaba por se preocupar mais com interpretações jurisprudenciais e conceitos doutrinários, os quais no campo condominial, ainda possuem uma grande ranço da lei 4591/64, trazendo assim à proposta, no campo condominial, a velha ideologia de engessamento pelo regramento padronizado, que tanto Reale combateu.”
Diz ainda quando trata de condomínios:
Na relevante temática do condomínio edilício, é sugerida profunda atualização, com a definição de um regulamento firme e transparente para as garagens, com o reconhecimento da personalidade jurídica do condomínio edilício sempre que esta se mostrar necessária para a consecução de um fim de interesse da comunidade de condôminos, com o combate à inadimplência no pagamento da dívida, decorrente da previsão de multa de dez por cento (10%), e não os atuais dois por cento (2%), com a possibilidade excepcional de cessão de espaço comum para o atingimento dos melhores fins da vida condominial e, por outro lado, com a possibilidade excepcional de exclusão judicial do condômino antissocial.
As sugestões trazidas têm o propósito de tornar a vida condominial a mais harmônica possível, observada a participação democrática dos condôminos nas deliberações em assembleia e previsão na convenção de condomínio. Exemplo digno de nota é a previsão de que o condômino, nos condôminos residenciais, não pode usar a sua unidade para fins de hospedagem atípica, seja por intermédio de plataformas digitais, seja por quaisquer outras modalidades de oferta, salvo autorização expressa da convenção ou da assembleia
Mas seria isso verdadeiro no assunto condomínios?
Tenho para mim que o Congresso precisa melhor avaliar as alterações sugeridas ao tema Condomínios, senão vejamos:
Algumas sutis alterações do texto atual, com intuído de melhor adaptá-los à realidade, acabarão trazendo novas discussões, uma vez que se apresentam hoje sedimentados no entendimento do Direito condominial e advogados condominialistas. A infeliz tentativa de buscar uma segurança jurídica à personalidade jurídica do condomínio, introduzindo no texto a ideia da personalidade “ser atribuída para práticas de atos de seu interesse”, acabam por causar mais debates e ajustes interpretativos pelos terceiros que lidarão com o condomínio (Receita Federal, Bacen, Cartórios, entre outros) por não haver no próprio Código Civil uma alteração com inclusão dos condomínios no rol estabelecido no art. 44 da própria lei (que define quem seria as pessoas jurídicas no Brasil).
Outra ideia completamente fora do entendimento doutrinário e jurisprudencial, é dar validade das convenções condominiais para novos adquirentes, somente se a mesma estiver registrada no Cartório de Imóveis.
A redução dos quóruns qualificados com base na totalidade para apenas os presentes em assembleias, salvo obras e convenção, faz o assunto de penalidades administrativas serem preocupantes e poderem ser usados cada vez mais de forma a prejudicar e não educar.
Estabelece funções a figura do subsíndico, como substituto natural do síndico, retira a autonomia da coletividade de estabelecer em convenção a forma da administração, pois muitas vezes outra figura está prevista como substituto do síndico, exemplo: presidente do conselho.
A restrição de ir e vir de pessoas, as proibições vagas de “hospedagem atípica” sem revogar a locação por temporada da lei de locação, e os tramites para não só aplicação de multa ao antissocial, mas sua “expulsão”, não observando conceitos constitucionais e do próprio código civil, demonstra sugestões, data máxima vênia, eivadas de falta de iluminação ao direito condominial, carregadas de conceitos arcaicos e motivadas por demandas midiáticas, sequer observando a jurisprudência contemporânea e luz da conterrânea doutrina do direito condominial aplicado na pratica.
Mudanças para a questão de inadimplência e restrição de procurações, ainda que não claras também foram feitas, porém com expressividade menor.
As sugestões não contemplam, valorizam ou respeitam as filosofias apresentadas inicialmente pelo Prof. Miguel Reale, bem como o princípio da autorregulamentação dos condomínios, engessando ou provocando a massa condominial a se posicionar de forma a descartar a sociabilidade.
As mudanças, ainda que poucas em questão de quantidade de artigos, são suficientes para bancar grande número de ações judiciais futuras, se mantidas, e mais, capazes de gerar grande discussão sobre sua constitucionalidade.
Cristiano Souza
Consultor condominial há mais de 33 anos, sendo 28 como advogado condominialista. Mediador Judicial e Privado cadastrado perante o CNJ. Integra o quadro de Câmaras de Mediação e Arbitragem no campo de Direito Condominial. É Vice-Presidente da Associação dos Advogados do Grande ABC, Membro do Grupo de Excelência em Administração de Condomínios – GEAC do CRA/SP, palestrante e professor de Dir. Condominial, Mediação e Arbitragem. É autor do livro “Sou Síndico, E agora? Reflexões sobre o Código Civil e a Vida Condominial em 11 lições” (Editado pelo Grupo Direcional em 2012). Sócio-diretor do Grupo DS&S. Diretor do Instituto Educacional Encontros da Cidade – IEEC. Já foi Presidente da Comissão de Direito Administrativo da 38ª Subseção da OAB/SP – Gestão 2016-2018; presidente da Comissão de Direito Condominial da 38ª Subseção da OAB/ SP – Gestão 2019-2021; ex-membro na Comissão de Direito Condominial do Conselho Federal da OAB e da Comissão da Advocacia Condominial da OABSP –2022.