Relações condominiais e as alternativas para evitar conflitos de forma extrajudicial
Nos últimos tempos muito se tem falado sobre os atos de violência ocorridos diuturnamente dentro de condomínios, além das soluções pela via da seara criminal e cível que levam a soluções que parecem mágicas, mas são apenas supostas e falsas soluções.
Temos visto apresentação de soluções que, invariavelmente, passam por uma espécie de pacificação condominial onde, por meio de ações judiciais criminais e cíveis, colocam o infrator, morador de um determinado condomínio no “lugar dele” – dentro das normas de convivência social. Contudo, na realidade do dia a dia, não acontece bem assim. O processo é complexo.
Para entender de forma mais aprofundada a questão a Revista dos Condomínios enviou repórter para ouvir duas especialistas experientes sobre o assunto: Iêda Lopes e Gracília Portela.
Celeridade da Justiça
Nesse campo “sempre ficamos com indagações diversas, acerca da possibilidade da efetiva prestação jurisdicional célere e hábil o suficiente, para inibir ou coibir atos de violência e trazer a verdadeira paz e segurança no âmbito condominial” – apresenta a questão, Iêda Lopes, ao que completa Gracília Portela: “sim, e invariavelmente as respostas a estes questionamentos, é no sentido de que a judicialização pouco ou nada ajuda na solução real. Questões como essas são frequentes e, na maioria dos casos, a resposta é inadequada”. Na prática diária a especialista Lopes, enxerga que cada vez mais “vemos que soluções desse tipo, não resolvem, e às vezes sequer chegam a tempo de evitar um mal ainda maior, como assassinatos, vandalizações e atos de extrema violência entre condôminos” – elenca.
Filosofia sistêmica
Na qualidade de advogada especialista na filosofia sistêmica em condomínios há vá – rios anos, Portela vê que tal questão, dentro de edificações, não mais se resolvem de forma efetiva no judiciário, “até porque, os ajustes in – ternos de uma comunidade, que visem melhorar as atitudes comportamentais de seus moradores, bem como as relações de violência entre vizinhos, passam direta – mente por reordenar os ditames educacionais de um grupamento” – esclarece.
Mais adiante ela completa: “e também não leva as pessoas a um nível melhor de consciência, de modo que cada um possa exercer, dentro da edificação, um relacionamento frutífero e harmonioso”.
Instalando comissões
Pensando nisso, ela vem instalando nos condomínios em que realiza a gestão, “Co – missões Comportamentais Sistêmicas Internas”, que são organismos criados dentro das edificações, chancelados até dentro dos regimentos internos e/ou convenções, com vistas a trabalhar de forma alternativa o comporta – mento dos atores condominiais de cada comunidade, “não só do ponto de vista hierárquico, mas também observando cada comunidade e trazendo, para cada edificação, o modelo exato que servirá para dirimir conflitos diversos e de comportamentos internos” – explica Portela.
Comissões: conselhos pro – fissionais
Tais comissões funcionam como uma espécie de conselho consultivo do prédio, só que “diferencialmente, conta com profissionais multidisciplinares, que podem ser terapeutas ou psicólogos contratados, e com especialidade em coordenação e direção de conflitos sociais, que operam auxiliados por advogados” – detalha Portela.
Advogados especializados
Esses advogados também têm formação no âmbito das soluções adequadas dos conflitos, para que assim consigam “de uma melhor maneira restringir as demandas, para que estas sejam solucionadas de forma extrajudicial, evitando-se que cheguem de fato ao judiciário” – indica a especialista. E caso essas demandas cheguem, a expectativa é que já estejam bem delimitadas quanto as possíveis soluções, atendendo assim, “ao princípio da efetividade e celeridade” – indica Lopes.
Comissões previstas em convenção
Essas citadas comissões comportamentais sistêmicas internas, que podem ser previstas, como já citado, dentro das convenções e nos regimentos internos de uma edificação “tem, entre as suas funções, a de minimizar os comportamentos violentos e inadequados que possam estar ferindo as próprias leis internas ou gerais que regulam tais matérias” – aposta Lopes.
É Portela quem completa: “é importante dizer que, nas comissões, serão utilizadas formas de enquadramento de litígios diversos que, em um primeiro momento, serão conduzidos por profissionais multidisciplinares, que atendam aos regulamentos internos de cada comunidade, bem como as possibilidades de cada edificação”.
Para ambas as especialistas, é necessário que se tenha um olhar sob o ponto de vista do direito natural para os dramas internos ao condomínio, sem abandonar a filosofia sistêmica, cada vez mais presente e possível na sociedade.
Comissão: medida terapêutica
O que vem se mostrando uma medida “até terapêutica na solução dos problemas dentro de um condomínio, até porque a massa condominial é uma pequena reprodução da sociedade” – destaca Lopes, ao que é complementada por Portela: “e se a sociedade está carregada de mazelas e dramas psicológicos graves, por óbvio que o condomínio reproduzirá cada vez mais, e em maior escala, as loucuras e desestruturações sociais”.
Poder Judiciário: sem solução para problemas práticos e volumosos
De acordo com Lopes, infelizmente, o Poder Judiciário tem sido alvo de observações cada dia mais fora do contexto jurídico, e hoje, “sinceramente, se quisermos nos ater somente aos aprendizados clássicos, feitos numa universidade de direito, não estaríamos mais encontrando de fato as soluções para problemas condominiais, já que as leis frias não concedem mais efetividade aos problemas existentes”.
Mas qual é a solução?
Desse modo, pensa Portela, que a solução caminha “por se olhar o drama condominial de forma geral, filosófica, sistêmica e terapêutica, observando o que gera aquele conflito dentro daquela massa condominial, quem são os atores envolvidos e o que, de fato, eles querem”.
O problema no detalhe
E é Lopes quem formula as seguintes perguntas, em complemento: “qual será a dor que carrega um condômino quando tem problema em atender às ordens impostas? Será que um movimento de uma síndica pode causar em um vizinho uma ira tal que o tire do sério a ponto de querer espancá-la? Já pararam para pensar que desobedecer a ordens, muitas das vezes, é condição inerente a quem tem dificuldade com autoridades”?
Não se trata de terapia condominial
As duas especialistas, em tempo, apresentam a seguinte ressalva: obviamente que não estamos aqui sugerindo terapia condominial em grupo, mas em determinados casos, reuniões condominiais sistêmicas, nas quais se possibilite aos envolvidos serem ouvidos e, assim, tratarem das possíveis “formas de diminuições de zonas de atrito contribuindo, desta maneira na efetiva solução de dramas que muitas vezes são tidos como insolúveis” – lembra Lopes.
Pacificação do conflito
O mundo com certeza seria melhor se o trabalho em sociedade acolhesse os problemas sociais, com a observação da autorresponsabilidade de cada um como condição prévia. De acordo com as especialistas, “com toda certeza, as soluções para a violência condominial não estão na judicialização de casos que abarrotam o sistema do Poder Judiciário, mas sim na pacificação do conflito, com técnicas humanizadas, que diminuam os atritos sociais” – pondera Lopes.
A solução pode ser não judicializar
Pela visão das especialistas é possível concluir que o conhecimento nessa área será um diferencial para o advogado que queira realmente solucionar dramas condominiais sem judicialização. A dica, em acordo com o que confiam as duas especialistas, é: nem sempre o melhor advogado será aquele que busca o Judiciário para dirimir o tema. “Às vezes o melhor advogado é aquele que leva o cliente à consciência da solução, sem a necessidade de terceirizar seu drama” – conclui Portela.
Gracilia Portela
Advogada condominialista sistêmica e presidente da ABJFSis – Academia Brasileira de Justiça e Filosofia Sistêmica, diretora da Ghap – Gerenciamento de conflitos condominiais.
Ieda Lopes
Advogada, Consultora em Proteção de Dados e Palestrante. Pós-graduada em Direito Imobiliário e Direito do Consumidor e LGPD. Membro da Comissão de Direito Imobiliário e Condominial da OAB Méier e da Comissão de Direito Digital da ABA/RJ.