Relacionamento: a força do imediatismo desumanizando as relações no ambiente dos condomínios e com os síndicos
Acredito que este assunto seja o calcanhar de Aquiles de muitos síndicos: a sociedade contemporânea condominial está cada vez mais permeada pelas tecnologias digitais, presentes na maioria das atividades da administração condominial. Essas atividades vão desde as respostas às reclamações, pedidos de orçamentos, manutenções prediais entre outros.
Muitas atividades do cotidiano e mesmo da gestão condominial podem ser podem ser realizadas a partir da palma de nossa mão. Empregando-se um smartphone, podemos assistir a um vídeo de como está nosso condomínio, participar de uma assembleia ou reunião de conselho, pagar nossas contas, alugar um espaço nas áreas condominiais e assim por diante. Isso cria um senso de imediatismo, pois com algumas poucas operações, ou etapas, a partir do nosso smartphone, temos acesso a um mundo de serviços. É para falar dessa cultura do imediatismo, dessa experiência prática no dia a dia dos relacionamentos nos condomínios que o repórter da Revista foi ouvir a advogada e síndica profissional, Amanda Accioli.
Qual o papel do síndico diante dessa mudança de cultura, atropelada pela tecnologia?
Neste cenário efervescente, discute-se qual é o papel do síndico, tanto pela perspectiva do usuário quanto pela do responsável por aquele cliente-condomínio. “Tomemos como exemplo um condômino que quer fazer uma reclamação via internet. Após a descrição do ocorrido, ele espera uma resposta quase imediata e irritando-se caso isso não ocorra. Do outro lado, o síndico, que esmera- -se para atender o condômino sempre que possível e no menor intervalo de tempo” – expõe a situação, Accioli.
Como alinhar as expectativas?
Contudo, pondera ela, “nem sempre as expectativas e possibilidades se alinham ou coincidem. Daí, o síndico recebe uma reclamação, via aplicativo ou whatsapp. As tecnologias digitais viabilizam o acesso direto do condômino ao síndico; e esse elo de conexão, cada vez mais forte, é criado dentro de paradigmas bem diferentes dos existentes até há bem pouco tempo – lembra a advogada.
Relacionamento: pelo menos dois lados e pontos de vista
Do lado do condômino existe a expectativa de excelência operacional e uma resposta quase imediata. Por parte do síndico, a intenção de atender com qualidade, de modo quase imediato, dentro das limitações e possibilidades, ao pedido do condômino, uma vez que o síndico: almoça, janta, descansa, dorme e tem finais de semana – sejam com suas famílias ou não” – completa, ironizando a situação, que nada tem de hipotética e faz parte do cotidiano de um síndico atualmente, como ela mesma afiançou para esse repórter.
A tecnologia nos aproxima ou nos distancia?
Se de um lado as tecnologias digitais aproximam universos distantes, por outro lado cria demandas que nem sempre podem ser atendidas prontamente. “Tais demandas não podem ser atendidas porque nem todas as atividades humanas são automatizadas e não serão pela própria natureza. Além disso, muitas vezes dependem da disponibilidade de tempo, contratação de algum serviço, verificação in loco etc.” – argumenta Accioli.
Comunicação pelas tecnologias: novos hábitos
Portanto, as tecnologias digitais têm criado paradigmas, uma verdadeira cultura do imediatismo na relação entre condômino morador e síndicos que, “em muitos casos precisam ser revistos, pois, no final, todos pagam a conta em decorrência da perda de eficiência” – vaticina a especialista.
Que tal uma etiqueta de comunicação pelos meios?
A maior eficiência e sustentabilidade das práticas, decorrentes desse novo modo de relação, requer novas regras de mercado e o estabelecimento de novos hábitos de relacionamento, algo como a estruturação de uma etiqueta de comunicação pelos meios. “A revisão dos nossos hábitos passa também pela própria necessidade do ser humano de estar consigo mesmo, de cuidar de si e dos pequenos afazeres do dia a dia, como tomar seu café da manhã com sossego, poder dormir um sono tranquilo, caso não haja urgências. E assim, dessa forma, poder atender as demandas sem o imediatismo autoritário de alguns moradores. Somos pessoas e precisamos de cuidados da alma e do corpo para não cairmos na alienação que as tecnologias têm nos conduzido” – alerta e confirma a advogada.
Amanda Accioli
Síndica profissional, advogada condominialista (OAB/SP 158.128) Diretora Nacional da Sindicatura da Associação Nacional da Advocacia Condominial (ANACON) e é membro da Comissão de Direito Condominial da OAB/SP