Inteligência artificial em condomínios
Por que falar de Inteligência Artificial (IA) em condomínios? Esta é uma área da tecnologia que busca criar sistemas e programas capazes de realizar tarefas que, normalmente, exigiriam a inteligência humana. Em outras palavras, é como ensinar um computador a “pensar” e a “aprender” com experiências, assim como fazemos no nosso dia a dia. Você já se pegou afundado em planilhas intermináveis, tentando fechar o caixa do condomínio? Ou tem a sensação de que todo o seu tempo está sendo consumido por uma volume cada vez maior na elaboração de textos (atas, comunicados, informes, e-mails e etc)? Já imaginou ter uma ajudinha virtual trabalhando 24 horas por dia, nos 7 (sete) dias da semana para você?
Para entender melhor o tema, fomos conversar com o professor, contador e palestrante Carlos Chelfo. Ele falou para nosso repórter da REVISTA sobre como a IA pode ser aliada do síndico na gestão financeira e patrimonial do condomínio, sem que ele precise ser um expert em tecnologia. Na entrevista abordou como a IA pode simplificar sua rotina financeira e ainda ganhar tempo e transparência na sua gestão.
Repórter da Revista dos Condomínios: você quer fazer uma observação inicial?
Carlos Chelfo: antes de tudo, vamos contextualizar os desafios. Administrar as finanças de um condomínio não é tarefa fácil, pois tem-se que lidar com a inadimplência de moradores, controlar o fluxo de caixa, elaborar textos infindáveis e planejar um orçamento anual realista são apenas algumas das dores de cabeça do dia a dia do síndico. A boa notícia é que a tecnologia pode transformar esses desafios em processos mais simples e eficientes. E já adianto: não vamos falar “tecniquês”, e sim linguagem clara, com exemplos práticos.
Repórter da RDC: Quais são os maiores desafios financeiros que tiram o sono de um síndico?
Carlos Chelfo: Bom, como já fui síndico por mais de 12 anos, posso listar algumas situações que muitos de vocês vão reconhecer:
Inadimplência de moradores: o caixa fica “furado”, não conseguindo ter um previsibilidade segura do disponível financeiro real do mês;
Fluxo de caixa incerto: entradas e saídas de dinheiro no condomínio nem sempre “casam direitinho”. Por exemplo, as receitas das cotas condominiais são fixas, mas as despesas… essas podem oscilar (uma bomba d’água que quebra, um elevador que precisa de manutenção urgente, uma rescisão de contrato e etc).
Orçamento e prestações de contas: todo ano, o síndico precisa elaborar o orçamento previsional do condomínio e submetê-lo à assembleia. A prestação de contas então, nem se fala – montar relatórios claros, transparentes, que façam sentido para os condôminos, muitas vezes sem ter formação contábil, é um teste de paciência. Muitos acabam apresentando só um “resumão informal”, que nem sempre deixa claro itens importantes como passivos ou inadimplências detalhadas, resultando em possíveis conflitos por falta de entendimento.
É daí que surge a necessidade de profissionalizar e tornar mais eficiente essa gestão – e é exatamente nesses dois pontos que a Inteligência Artificial pode entrar como solução!
Repórter da RDC: Será que eu preciso ser um programador, conhecer tecnologias ou gastar uma fortuna para usar IA na gestão do condomínio?”
Carlos Chelfo: a resposta é não! Hoje existem ferramentas de IA (gratuitas!) super acessíveis que qualquer pessoa com noções básicas de computador consegue utilizar. Vamos explorar algumas, já imaginando como síndicos e gestores podem aproveitá-las na prática, sem precisar de um departamento de informática, sendo elas:
Assistentes virtuais e Chatbots inteligentes: talvez você já tenha ouvido falar do Chat GPT, aquele assistente de texto que conversa e responde dúvidas. Pois é, ele pode ser um grande aliado do síndico! Precisa redigir uma ata de reunião, um comunicado ou carta de cobrança para os inadimplentes? O Chat GPT pode ajudar a escrever um rascunho em segundos. Basta você fornecer algumas informações (por exemplo: “texto cobrando taxa atrasada, com tom educado porém firme”) e ele gera um texto-base. Depois, é só ajustar os detalhes específicos. Isso economiza tempo e ainda melhora a comunicação. Além disso, ele pode revisar textos para evitar erros de português. Em resumo, tarefas textuais repetitivas (e chatas, rs) podem ser automatizadas de forma rápida e eficiente, liberando seu tempo para assuntos mais estratégicos.
Planilhas inteligentes e análise de dados simplificada: sabe aquela planilha Excel ou Google Sheets que você já usa para controlar as contas? Ela pode ficar “turbinada” com um pouco de IA. Muitos softwares de planilha hoje têm recursos de análise automática. Por exemplo, com poucos cliques é possível criar gráficos de fluxo de caixa previsto ou usar modelos prontos de previsão de gastos mensais. Algumas ferramentas oferecem insights do tipo: “este mês suas despesas com energia estão 20% acima do habitual” e criar sinais de alerta visuais – parecidos com o sinal de trânsito: verde, amarelo e vermelho. Não precisa programar nada – a própria ferramenta faz a análise e te mostra. Existem também complementos que utilizam Machine Learning (gratuitas) para prever tendências (como consumo de água ou probabilidade de inadimplência) a partir dos históricos. É quase como ter um consultor financeiro analisando seus dados em segundos.
IA na comunicação com moradores: além das finanças, a IA pode facilitar muito a interação diária no condomínio. Chatbots no WhatsApp ou no site da administradora podem responder dúvidas comuns dos condôminos automaticamente (qual o valor do boleto deste mês, como reservar o salão de festas, etc.), sempre respondendo com base na Convenção e Regimento Interno de cada condomínio. Assim, em vez de o síndico atender ligações a toda hora para as mesmas perguntas, um assistente virtual faz esse primeiro atendimento 24/7. Isso melhora a comunicação de forma fluida e libera tempo do gestor para focar em assuntos mais complexos.
Como vimos, não falta ferramenta acessível: de um chatbot conversando com moradores até uma planilha fazendo mágica com seus números. O importante é saber que a IA pode, sim, ser usada por qualquer síndico ou gestor, sem mistério. Muitas dessas soluções têm versões gratuitas ou já fazem parte dos programas que você usa, como Chat GPT, Copilot e Gemini.
Repórter da RDC: acredito que seria interessante explicar o que é Machine Learning…
Carlos Chelfo: Ok. Machine Learning, ou aprendizado de máquina, é uma área da inteligência artificial que ensina os computadores a aprender com dados, em vez de serem programados passo a passo para realizar uma tarefa. Em termos simples, o computador vai “aprendendo” sozinho a tomar decisões ou prever resultados com base no que já viu. Essa tecnologia já está presente em diversas aplicações do nosso dia a dia, como em recomendações de filmes, filtros de spam no e-mail e até em sistemas de reconhecimento de voz, como os assistentes virtuais.
Repórter da RDC: “Ok, mas como isso funciona na prática? Onde, de fato, a IA vai me ajudar no dia a dia do meu condomínio?”
Carlos Chelfo: Vamos ilustrar mais alguns cenários comuns e ver a IA em ação.
Cobrança de inadimplentes inteligente: imagine que 5 (cinco) moradores estão atrasados neste mês. Normalmente, o síndico ou a administradora envia cartas ou cobraria via telefone, o que consome tempo e nem sempre é eficaz. Com IA, você pode priorizar e personalizar a cobrança. Um sistema inteligente pode analisar o histórico e perfil de cada devedor e apontar qual abordagem tende a funcionar melhor: Fulano sempre paga após o segundo lembrete, Sicrano responde melhor a um contato telefônico, Beltrano talvez precise de um acordo parcelado. Além disso, ferramentas podem disparar lembretes automáticos por e-mail ou WhatsApp assim que o boleto vence, com linguagem cordial. Resultado: redução da inadimplência ao longo do tempo e menos esforço manual. O síndico ganha tempo e o condomínio melhora o caixa (isso é bom demais!).
Orçamento anual e controle gerencial: chega final do ano, hora de fazer o orçamento do ano seguinte. Muitos síndicos ainda fazem isso com papel, caneta e calculadora, tentando prever inflação, reajuste de contratos, etc. Com IA, esse processo ganha um upgrade: plataformas podem sugerir um orçamento base considerando o histórico do condomínio e índices econômicos. Por exemplo, analisando que nos últimos 3 anos a média de aumento da conta de água foi 8%, de energia 5%, e que o salário dos porteiros deve subir conforme dissídio, o sistema projeta automaticamente um esboço de orçamento já com esses acréscimos. Claro que o síndico pode ajustar dados (alguma obra planejada, por exemplo), mas já começa com um rascunho inteligente, em vez de partir do zero. Depois, durante o ano, o mesmo sistema vai comparando o orçado vs. realizado e alertando onde há desvios: “atenção, já usamos 80% da verba de manutenção em agosto” – talvez indicando necessidade de controle ou complemento. Essa gestão proativa evita sustos e facilita a prestação de contas, pois tudo fica documentado e explicado. Os moradores, ao verem um relatório, entendem claramente onde o dinheiro foi gasto versus o que estava planejado.
Todos esses exemplos têm algo em comum: a utilização da IA facilita a vida e traz mais precisão na gestão. E quando o síndico tem essas ferramentas na mão, ele consegue se dedicar mais à estratégia e ao relacionamento com os condôminos, em vez de “apagar incêndios” operacionais o tempo todo.
Estamos caminhando para um novo patamar de gestão condominial, unindo tecnologia e práticas eficientes. A Inteligência Artificial não vem para substituir o síndico ou o gestor – vem para potencializá-los. Aquilo que é repetitivo, maçante ou complexo demais vira rotina da máquina; e aquilo que exige julgamento, bom senso e decisão continua com os humanos, agora munidos de melhores informações.
Para síndicos e gestores, o recado é: não tenham medo de inovar. Você não precisa entender de algoritmos, apenas estar aberto a experimentar essas ferramentas acessíveis que apresentamos. Comece aos poucos: automatize uma planilha aqui, use um chatbot ali, e logo verá os ganhos em produtividade.
Repórter da RDC: Você poderia falar um pouco sobre o que é algoritmo…
Carlos Chelfo: Posso sim. Imagine que um algoritmo é como uma receita de bolo. Ele é um conjunto de passos ou instruções que você precisa seguir para resolver um problema ou realizar uma tarefa. Assim como em uma receita, onde você tem instruções claras – “misture os ingredientes”, “leve ao forno por 30 minutos” – um algoritmo diz ao computador exatamente o que fazer, passo a passo, para chegar ao resultado desejado. Em resumo, algoritmos são as regras que guiam o comportamento do computador.
Seu tempo é valioso
Repórter da RDC: Como pode ser utilizado? Carlos Chelfo: Pode ser usado pensando em melhorias para o prédio, projetos comunitários, valorização do imóvel, ao invés de ficar caçando erro de cálculo em balancete. E ao adotar essas soluções, você também engajará os moradores, pois verá que a participação aumenta quando as coisas são bem comunicadas e transparentes. Encerrando, vamos reforçar alguns insights estratégicos que ficaram deste artigo:
Tecnologia acessível é aliada, não bicho de sete cabeças – ferramentas de IA já estão ao nosso alcance e podem reduzir custos, melhorar a comunicação e embasar decisões. Basta dar o primeiro passo e aprender usando na prática do dia a dia.
Inovação e Transparência – traga o tema para as conversas do condomínio. Que tal promover uma pequena apresentação na assembleia sobre inovação na gestão? Ou sugerir um treinamento rápido para os colaboradores sobre como utilizar a IA nas atividades condominiais? Envolver a todos gera apoio e compreensão.
Repórter da RDC: E aí, gostou do tema? Você está pronto para levar seu condomínio para a era da IA? Lembre-se: começar pequeno é melhor do que não começar. Talvez amanhã mesmo você possa testar uma dessas dicas. Quem sabe usar o Chat GPT para redigir aquela circular sobre utilização dos espaços comuns do condomínio ou orientar sobre o horário de mudanças e obras etc. – e sentir a diferença no uso da IA.
Carlos Chelfo
Síndico por mais de 12 anos, ele é autor de diversas obras contábeis, gestão e Inteligência Artifi cial. É pós graduado em Perícia Judicial, em Gestão, em LGPD, Segurança e Privacidade de Dados, além de MBA em Inteligência Artificial, Mestrado em Ciências Contábeis. É professor nos Conselhos Regionais de Contabilidade, na Associação de Peritos; de pós-Graduação em Perícia Judicial e palestrante em diversos eventos nacionais sobre a aplicação da IA na prática diária.