Como deve ser a circulação dos pets nas áreas condominiais?

Animais de estimação ganham cada vez mais direitos e regalias na esfera condominial, e este novo cenário exige cuidado das pessoas ao redor

Hugo Costa

Atualmente é difícil você encontrar uma pessoa que não tenha algum animal doméstico. Partindo dos mais comuns, como cães e gatos até outros mais exóticos, como pássaros raros, tartarugas, entre outros. Afinal, o Brasil é uma verdadeira potência no assunto pet. O país está apenas atrás dos Estados Unidos e de todo o Reino Unido, com um número imponente.

De acordo com dados levantados pelo Instituto Pet Brasil, juntamente com informações apresentadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de animais em território nacional chega quase à marca dos 140 milhões. E seguindo essa crescente, inclusive do ponto de vista mercadológico, as leis precisam se adequar aos nossos amigos de estimação. Em edições anteriores, já tratamos do que síndicos e gestores precisam fazer em relação aos animais que causam problemas dentro dos apartamentos e de como alguns edifícios já possuem espaços específicos para que os animais possam brincar supervisionados.

Agora, a REVISTA DOS CONDOMÍNIOS buscou dois especialistas para falar a respeito da circulação dos pets nas áreas comuns. Podem transitar livremente? Existem áreas que não podem entrar? Essas foram algumas das perguntas que fizemos para Hugo Costa, secretário-geral da Comissão de Direito Ambiental e de Defesa dos Animais da OAB.

Para ele, a lei deve ser respeitada, afinal, quando os pets estão circulando pelas áreas comuns, a segurança, não apenas para os condôminos, como também para os próprios animais, é fator importantíssimo. “Os pets estão cada dia mais presentes nos condomínios. Sendo assim, é inevitável o trânsito dos mesmos por algumas áreas comuns dos condomínios. Contudo, eles precisam estar acompanhados pelo seu tutor, uma vez que essa figura é o responsável pelo animal, cabendo a esse o dever de garantir a segurança de todos e até dos próprios pets, de acordo com o artigo 936 do Código Civil e a Lei nº 9.605/98, bem como o trânsito do pet não pode embaraçar o uso das áreas comuns conforme o artigo 10 da Lei nº 4.591/64, e artigos 1.277, 1.335 e 1.336, IV da Lei nº 10.406/02”, orienta.

Mas, não apenas a segurança precisa ser levada em conta. O especialista também faz alusão a questões de saúde. Animais, especialmente cães e gatos, soltam pelos, por isso é preciso ter um bom senso em relação à presença deles em locais específicos. De acordo com Hugo, não existe na legislação um hall taxativo das áreas comuns que devam estar fora do alcance dos pets, mas ele faz uma lembrança importante. “Com base no Código Civil, na citada ‘Regra dos 3S’, prevista no Artigo 1.277 do Código Civil, devemos analisar se a presença do pet no local vai trazer algum prejuízo ou risco à saúde dos condôminos e até mesmo do animal. Como, por exemplo, não é salubre ou recomendado deixar os animais entrarem em ambientes como brinquedotecas, piscinas, saunas, salões gourmet e qualquer outro que possa incomodar ou limitar o uso da área comum pelos moradores, especialmente pelo risco de os pets ocasionarem alergias e contaminações, especialmente quando não é feita a higienização adequada no local ou se o tutor não limpa as necessidades fisiológicas do seu bichinho”, informa.

Direitos e deveres dos tutores de pets

Direitos

Deveres

Williane Guimarães

Restrições e regras aos animais devem passar por assembleia

Williane Guimarães, diretora adjunta da Associação Nacional de Advogados Condominiais e Consultora Jurídica e Empresarial especializada em negócios e gestão patrimonial imobiliária, esclarece um caso recente no qual pedimos sua opinião e análise. Neste ano, no Distrito Federal, um condomínio proibiu os pets de circularem em sua área verde. Ela nos informa que a definição de restrições e regras que são relacionadas aos animais precisa passar por análise e deliberação dos condôminos em assembleia de forma obrigatória, ou seja, o condômino que passou por situação parecida pode usar essa informação para reivindicar os direitos do seu bichinho.

Ela acrescenta um ponto relevante. “A jurisprudência dominante é no sentido de que o condomínio não pode proibir a circulação dos animais nas áreas comuns, mas pode criar restrições estipulando regras em prol do bem-estar da coletividade. Importante frisar que tais regras não podem ser abusivas como, por exemplo, criar a obrigatoriedade de o tutor andar com o animal no colo ou usar escadas. É importante também conscientizar os tutores para que tenham a sensibilidade de compreender que nenhum direito é absoluto, e que determinadas restrições individuais visam a salvaguardar direitos da coletividade na qual estes também estão inseridos”, disse.

Retornando à questão da segurança, o tutor precisa ficar ciente do que pode acontecer caso seu animal de estimação esteja envolvido numa situação em que um terceiro acabe se ferindo. Williane conta que lei e regimento interno andam de mãos dadas. “O regimento e a lei se complementam, o regimento servirá para aplicação da penalidade cabível dentro do âmbito interno do condomínio. Porém, o síndico deve se atentar também em relação à sua responsabilidade legal no sentido de, a depender da situação, requerer à autoridade policial a lavratura de um Termo Circunstanciado de Ocorrência – TCO em caso de lesão corporal a terceiros, causada pelo animal por negligência do tutor. Inclusive, o art. 31 da Lei de Contravenções Penais prevê uma pena no caso de omissão de cautela na guarda ou condução de animais”, explica.

A entrevistada ilustrou o assunto com um episódio que viveu em 2019 quando perguntamos sobre a proibição dos pets dentro dos próprios apartamentos. Na ocasião, ao apresentar um programa de televisão no Rio Grande do Norte (Conselho Pet RN), foi abordada a tese de que os condomínios não poderiam proibir que os animais de estimação circulassem pelas áreas comuns caso fosse comprovado que a sua presença não oferecesse nenhum risco comprovado à saúde, segurança e sossego dos moradores. Contudo, esse debate acabou funcionando como uma fagulha para uma mudança maior.

“No mês seguinte, no mesmo sentido do meu posicionamento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a convenção de condomínio residencial não pode proibir de forma genérica a criação e a guarda de animais de qualquer espécie nas unidades autônomas quando o animal não apresentar risco à segurança, à higiene, à saúde e ao sossego dos demais moradores. O Senado aprovou um projeto de lei classificando os animais como sujeitos de direitos e não mais como coisas, o animal deixa de ser tratado como coisa e passa a ser tratado como ser senciente dotado de emoções, e, portanto, ligado às relações de afeto, carinho, cuidado”, completa.

Saúde geral deve vir em primeiro lugar

Hugo finaliza o tema abordando novamente o aspecto da saúde. Afinal, os pets não estão acima dos “3S”. É imprescindível que o bem-estar dos condôminos seja preservado, por isso, o tutor e toda comunidade condominial precisam fiscalizar se o bichinho apresenta algum sinal de doença, porque as zoonoses (doenças transmitidas para nós por meio dos animais) podem gerar situações gravíssimas e, caso necessário, o Centro de Controle de Zoonoses deverá ser ativado.

“O profissional realizará uma vistoria na unidade na qual o pet está localizado para averiguar as condições de higiene e de vacinação dos animais. Sendo que normalmente é concedido um prazo para a solução de eventuais problemas e irregularidades, por isso sempre recomendamos adoção de um “Cadastro Pet”, no qual cada unidade do condomínio que possua algum animal deva apresentar os dados de identificação do mesmo, bem como seu cartão de vacina atualizado, sob pena de multa, a qual deve ser inserida na convenção do condomínio”, conclui.

Vale lembrar que essa discussão é a respeito apenas dos animais que estão sob tutela de uma única pessoa, porque existe um outro debate quando o assunto muda para os “animais comunitários”. Williane lembra desse assunto ainda pouco discutido, mas também já abordado em outra edição da REVISTA DOS CONDOMÍNIOS.

“Atualmente, é muito comum nos condomínios a presença de gatos que são alimentados pelos moradores e vão se reproduzindo de maneira desenfreada, causando enorme conflitos internos. Nesses casos, é importante que os condôminos que têm o hábito de alimentar esses animais compreendam que ao fazê-lo estão criando um vínculo afetivo do animal com o condomínio, e que esse vínculo traz consigo inúmeras responsabilidades, uma vez que o condomínio está assumindo a tutela jurídica daquele animal, e deve, portanto, zelar por sua integridade física, inclusive podendo o síndico responder criminalmente conforme a legislação penal ambiental”, finaliza.

Contatos

Hugo Costa

@sabercondominial

Williane Guimarães

@meninadoscondominios