Abuso infantil: tolerância zero nos condomínios

É de responsabilidade de todos, incluindo síndicos e condôminos, zelar pelo bem-estar e segurança de crianças e adolescentes. Omitir-se constitui crime. E pode levar à detenção

Verônica Lins

A legislação federal e dos estados é farta no que diz respeito à obrigatoriedade de os síndicos denunciarem à polícia casos de maus-tratos a animais e de violência doméstica. Mas, e em relação ao abuso infantil? Como síndicos e condôminos devem se comportar diante da suspeita ou constatação de casos de agressão, assédio ou mesmo violência sexual contra crianças e adolescentes? O que diz o Estatuto da Criança e do Adolescente a respeito? Quais medidas efetivas podem e devem ser tomadas, em casos de flagrantes como o que, recentemente, levou o ator José Dumont à prisão? Nos casos de omissão ou acobertamento, quais penalidades podem ser aplicadas ao síndico ou ao próprio condomínio?

Advogada no estado da Bahia, focada na prevenção e solução de conflitos, Verônica Lins é taxativa. “A obrigatoriedade de os síndicos e condôminos denunciarem à polícia casos de violência doméstica e maus-tratos de animais deve ser aplicada também em casos de abuso infantil. Assim, havendo suspeita ou constatação de casos de agressão, assédio ou mesmo violência sexual contra crianças e adolescentes, o síndico ou administrador deve se reportar à autoridade policial. O Art. 70 do ECA determina que é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente. E, entre as medidas efetivas que podem e devem ser tomadas, está justamente a comunicação imediata à polícia.”

Ela própria passou por uma experiência traumática. “Num condomínio onde eu era síndica orgânica, o porteiro foi preso em flagrante com imagens de crianças no celular. Ele havia esquecido o aparelho na guarita ao terminar o turno, e o colega que o substituiu acessou o celular e viu umas imagens. Logo interfonou para mim, e fui até a portaria ver do que se tratava. Diante dos fatos, levei o aparelho para a Delegacia Especializada na Repressão ao Crime contra Criança e Adolescente e relatei o ocorrido à delegada. A criança em questão era enteada dele que, quando voltou ao condomínio para pegar o celular, foi preso pelos agentes policiais. Uma situação terrível.  Ele foi demitido, houve um processo criminal, que seguiu seu curso normal. Soube depois que ele foi condenado, teve acompanhamento psiquiátrico… E que a vítima e a família também tiveram atendimento e seguiram a vida.”

Gracilia Portela

Uma obrigação legal de toda a sociedade

“A Constituição Federal expressa, em seu artigo 227, parágrafo 4º, que a lei irá punir de maneira severa o abuso, a violência e a exploração sexual de crianças e adolescentes. Nesse sentido, o ECA possui uma série de dispositivos de combate a esse tipo de crime. Aponta que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. E, ao mesmo tempo, que é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, bem como prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos seus direitos”, afirma Gracilia Herminia Amorim Portela, graduada em Direito pela Faculdade Candido Mendes e doutora em Ciências Sociais e Jurídicas pela UMSA, Buenos Aires, além de presidente da Academia Brasileira de Justiça Filosófico Sistêmica.

A entrevistada lembra que a Organização Mundial de Saúde (OMS) registra como importante fator de mortalidade e morbidade de crianças e adolescentes a violência em suas várias interfaces. São alguns exemplos de violências praticadas contra crianças e adolescentes as agressões físicas; o abuso psicológico; a negligência e o abandono, além da violência sexual. Segundo Gracilia, os síndicos são cidadãos civis como outros quaisquer, e cabe a eles, nesta condição, e não porque são meramente síndicos, obedecerem ao que preceitua a Constituição Federal e o ECA, e zelarem pela dignidade de menores, sejam eles moradores de uma massa condominial que possam estar sendo submetidos a riscos desta espécie, ou não.

“É dever de todos da comunidade e sociedade zelar pelos menores de idade, e evitarem riscos de toda espécie que possam estar comprometendo a saúde, moral, sobrevivência, dignidade e respeito de crianças e adolescentes. Sendo assim, uma vez observado numa comunidade condominial riscos desta ordem em relação a menores, devem os gestores, assim como também cabe aos moradores, comunicarem o fato à delegacia, obviamente com indícios mínimos do que tenha acontecido, inclusive eventuais testemunhas, para que a polícia, em conjunto com o Ministério Público, possa tomar as medidas necessárias no caso, que poderá ser tratado nos Conselhos Tutelares ou Juizados de Menores.”

O abuso sexual abrange qualquer toque ou carícia imprópria, incluindo comportamentos como incesto, molestamento, estupro, contato oral-genital e carícia nos seios e genitais. Além do contato sexual, a violência pode incluir outros comportamentos abusivos como estimular verbalmente de modo impróprio uma criança ou adolescente, fotografar uma criança ou adolescente de modo pornográfico ou mostrar-lhe esse tipo de fotos, expor uma criança ou adolescente à pornografia ou atividade sexual de adultos. Alguns possíveis indicadores de abuso podem não constituir necessariamente prova de que uma criança esteja sendo abusada ou negligenciada. Devem servir, entretanto, como sinais de alerta no sentido de se observar a situação, e procurar ajuda, para saber se a criança precisa ou não de auxílio. Confiar nos instintos pessoais é um fator primordial para identificar se uma família ou criança está em apuros e, assim, proceder a comunicação dos fatos aos Conselhos Tutelares, Juizados de Menores e ou Delegacias Especializadas.

“Por fim, é bom que se alerte que poderá estar incurso nos crimes de omissão capitulado no art. 135 do Código Penal, qualquer cidadão, inclusive síndicos e moradores de condomínios, que se omitam no socorro e na não assistência ou auxílio de alguma autoridade pública (polícia ou bombeiros, por exemplo) ao se deparar com uma situação em que uma criança ou adolescente se encontra em circunstância de iminente perigo. Além de multa, pode ser aplicada a detenção, inicialmente, de um a seis meses. O abuso sexual já envolve contato sexual entre uma criança ou adolescente e um adulto ou pessoa significativamente mais velha e poderosa. As crianças, pelo seu estágio de desenvolvimento, não são capazes de entender o contato sexual ou resistir a ele, e podem ser psicológicas ou socialmente dependentes do ofensor”, conclui Gracilia Portela.

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