Os limites e os direitos na convivência condominial
carlos gabriel feijó
Entre as discussões que permeiam a vida condominial temos alguns temas considerados relevantes pelo especialista da área condominial, o advogado Gabriel Feijó, que são: O abuso de direito no condomínio, ou seja, “a forma pela qual, determinados direitos, são exercidos e que podem ocasionar na extrapolação do limite do que é tolerável; e, nas questões diretamente ligadas ao direito, é importante falar: da pessoa que faz um acordo para votar em
assembleia; do Airbnb e multipropriedade nos condomínios; uso abusivo de procurações”.
Em resumo, Feijó discute situações que “a princípio podem ser consideradas normais, mas que caso sejam exercidas, administradas de maneira equivocada, se exercidas para além da finalidade econômica e social, caracterizam abuso de direito e podem resultar em graves problemas para o síndico, com o consequente questionamento tanto judicial quanto administrativo” – considera. O repórter da Revista dos Condomínios ouviu o especialista sobre esses temas.
Veja abaixo o bate-papo.
Repórter RDC – Quando é que o número de procurações ou a procuração, em si, pode ser considerada como abusiva?
Gabriel Feijó – O uso abusivo de procuração é um tema espinhoso. Como a gente reconhece o uso abusivo de procurações? Primeiro, na forma de aquisição dessas procurações. A informação que eu estou passando para quem está dando as procurações é uma informação correta? Eu estou, efetivamente, pedindo aquela procuração para o fim a que se destina? Porque a procuração, normalmente nos condomínios, ela é genérica. Então, você tem lá uma assembleia com sete (7) itens. E aí eu me dirijo aquele condômino e falo: Me dá uma procuração. Eu vou votar dessa forma e detalho os itens.
O processo de aquisição da procuração, por mais que a entrega seja feita por confiança, é preciso saber se a informação que está sendo passada condiz com a realidade do voto, da posição verdadeira de quem está pegando a procuração. Então, procurações genéricas, em grande volume, em matérias que aquele procurador tenha interesse de voto, elas podem ser questionadas por abusividade. Tanto com base no Código Civil, quanto por analogia com a lei das SA. Mas isso depende muito da análise do caso concreto. Não é possível criar uma fórmula mágica. A análise é caso a caso.
RDC – E em relação a questão da multipropriedade?
Gabriel Feijó – A multipropriedade em condomínio até recentemente ela não tinha regulamentação. Ela foi regulamentada em 2018 e aí, criou-se uma estrutura. E a multipropriedade de bens de condomínio, o próprio Código Civil, ele estabelece a necessidade que o condomínio se organize para receber a multipropriedade – que nada mais é do que você fracionar o direito de propriedade por período de tempo. Então, cada pessoa vai ter um tempo para gozar a propriedade daquele imóvel do condomínio. Seja para uso próprio ou para terceiros.
RDC – Nesse caso, aumenta muito o número de pessoas transitando dentro do condomínio, que não são conhecidas, o que pode afetar a segurança dos condôminos como um todo, correto? Se cria um problema de controle de acesso e trânsito, não é mesmo?
Gabriel Feijó – A grande discussão que a gente tem hoje envolvendo Airbnb e multipropriedade em condomínio é se aquele condomínio está vocacionado ou não para aquele tipo de uso. Ele tem estrutura operacional para receber aquele fluxo de pessoas? Juridicamente a estrutura da convenção dele é apta para receber a modalidade de uso? Vou dar um exemplo prático, que a gente vê muito: Uma pessoa quer fazer o Airbnb no condomínio. Então, ela estrutura esse Airbnb, pois está querendo alugar.
E, a partir daí, ela começa a usar o porteiro do próprio prédio para receber seus convidados. Isso é irregular, porque o porteiro não atende individualmente os condôminos. Só que isso vai se transformando em um grande problema quando passamos de uma unidade para um número superior de alugueres. Aí, exige uma estrutura para dar conta de uma demanda mercantilizada. Nesse momento, você começa a ter prejuízo da estrutura do próprio condomínio que fica com seu
serviço condominial interno penalizado. Aí, é necessário coibir.
RDC – Seria o caso do condomínio cobrar cota extra e, desse modo, ter alguém para recepcionar os hóspedes, direcionar em relação ao uso das instalações, normas e regras em geral e, por fim, tomar conta desse volume maior de pessoas transitando dentro do condomínio? Pela sua experiência isso daria certo?
Gabriel Feijó – Cobrar, não. Porque o condomínio não pode fazer essa cobrança, porque ele não pode prestar esse serviço a um condômino. Então, na realidade, ou é uma situação de coibir em definitivo ou estabelecer uma normativa específica para lidar com essa questão.
RDC – Qual a normativa que seria possível? Porque em um caso como esse exija colocar um modelo extra de portaria para
estar oferecendo esse tipo de serviço, concorda?
Gabriel Feijó – Exatamente isso. Vou dar um exemplo: A gente está aqui na Barra da Tijuca. Ali, na praia, têm alguns prédios
que nosso escritório presta serviços advocatícios para alguns deles. Neles, existe uma portaria para hóspedes. Eles já são prédios pensados operacionalmente para ter um grande número de pessoas que vão ficar naqueles apartamentos. Diversas convenções, aqui na Barra também e, em geral, em regiões turísticas, tem dentro da sua estrutura um serviço chamado de “pool hoteleiro”, que é exatamente a administração de certos apartamentos, de certas unidades autônomas para atender a hóspedes. Então, é uma questão de organização normativa. Agora, se não fizer essa organização normativa, o condomínio cobrar por esse serviço, a princípio não pode, porque estaria violando a finalidade do condomínio.
RDC – E o terceiro ponto que você referiu como importante para destacar?
Gabriel Feijó – Sim. O abuso de direito em geral. Um recorte importante é em relação ao inadimplente e, portanto, está devendo, por exemplo, 10 cotas condominiais. E ele quer votar na assembleia. Aí vem a pergunta: Esse devedor pode votar? Ele tem o direito de buscar a melhor maneira de cumprir com as suas obrigações sem que prejudique os demais. Mas essa pessoa está em condições de votar? A resposta a princípio é não.
RDC – Esse direito para ser exercido, de participar da assembleia e votar, tem que estar previsto no estatuto para ser possível desse condômino votar?
Gabriel Feijó – O direito de voto em assembleia está previsto no artigo 1335, do Código Civil. O direito de votar em condição de acordo, esse sim, precisaria estar devidamente organizado – previsto. Desse modo, o condômino que tem um acordo judicial ou extrajudicial em curso. Então, esse morador era devedor de dez (10) cotas, fez um acordo e está pagando em dia o acordo. Essa pessoa, do ponto de vista do direito de voto, não está adimplente com as suas obrigações, porque ainda existe um débito aberto. E, aquele acordo que foi feito não substituiu a dívida anterior. Simplesmente, foi uma forma de prorrogar, de dar uma moratória, de estruturar melhor aqueles pagamentos dentro do que esse condômino tem condição de arcar economicamente.
Essa pessoa tem o direito desse acordo? Tem, mas ela não pode exercer o direito de voto, porque não está adimplente em normalidade de condição com os demais condôminos adimplentes. Agora, para que essa pessoa pudesse votar, isso deveria ter uma previsão dentro da convenção. Vou dar um exemplo: Alguns condomínios de Shopping Center, aqui da Barra (da Tijuca, Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro), têm uma previsão específica dizendo: “Quem estiver em curso com acordo pode votar em assembleia”. Por que? Porque a organização daquele condomínio entendeu que o acordo atendia àquela necessidade (no caso, de votar).
RDC – Então, dentro da convenção, se tiver previsto essa possibilidade de voto durante o pagamento de montante em atraso, conforme acordo de estruturação e pagamento de dívida, nesse caso, apenas, será possível o voto desse condômino, correto?
Gabriel Feijó – Correto. Se não tiver nada na convenção a esse respeito, a princípio não pode votar.
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