Animais comunitários em condomínios
Giovana Poker
Com o aumento do número de famílias com animais de estimação em condomínios, surgem desafios relacionados à formulação de políticas adequadas, infraestrutura apropriada e um registro claro das responsabilidades dos tutores. A advogada animalista Giovana Poker destaca a importância de regras equilibradas e de conscientização para garantir uma convivência harmoniosa entre os moradores e seus pets. Seu conhecimento especializado foi dividido com a repórter da Revista dos condomínios e oferece insights valiosos sobre como os condomínios podem se adaptar a essa nova realidade multiespécie.
Repórter da Revista dos condomínios: Existem condomínios que possuem uma política voltada para esse “tipo de família”?
Giovana Poker: Com certeza! Esse tipo de instituição familiar é chamada de “família multiespécie”, que é aquela composta pelos tutores humanos e seus animais de estimação. De acordo com a revista Forbes, o Brasil é o terceiro país com mais pets no mundo, sendo que o setor de mercado pet fatura R$52 bilhões anuais. Portanto, empreendimentos petfriendly são crescentes, visando incluir e acolher da melhor forma as famílias multiespécie e aproveitar esse mercado que possui crescimento exponencial.
Repórter da RDC: Quais são os serviços oferecidos aos pets? Esse tipo de serviço está recebendo demandas vindas do mercado? Esse tipo de serviço aumenta o valor das unidades?
Giovana Poker: Os serviços para pets mais comuns oferecidos dentro dos condomínios são os Petplaces – áreas planejadas para o bem-estar animal e a interação entre os animais e tutores. Neste ambiente é possível encontrar circuitos e brinquedos para que o pet possa se exercitar livremente. Muitas construtoras também já estão incluindo piscinas específicas para animais nos petplaces, de forma que toda a estrutura de lazer oferecida aos moradores humanos também seja oferecida aos moradores de outras espécies.
A demanda é crescente e muitos tutores estão saindo dos condomínios onde moravam em busca de espaços que atendam melhor às necessidades de uma família composta por animais. Com a alta da procura, os preços também são aplicados de acordo. Esse diferencial pode sim aumentar significativamente o valor das unidades.
Repórter da RDC: Quais são as políticas atuais do condomínio em relação à guarda de animais de estimação?
Giovana Poker: A maioria dos condomínios ainda não está preparada para receber animais, resultando em ilegalidades e até mesmo em atos de discriminação por parte dos síndicos e administradores. São inúmeros os casos de processos judiciais movidos por tutores que são proibidos de acessar as áreas comuns ou até mesmo o elevador com os seus animais de estimação, o que acaba gerando prejuízos para todas as partes envolvidas. É necessário que haja uma maior atenção em relação à convenção e ao regulamento interno para adequar as regras condominiais a esta nova realidade social, na qual os pets são tratados como membros da família.
Repórter da RDC: Quais são os principais desafios enfrentados pelo condomínio ao permitir a presença de animais domésticos?
Giovana Poker: O principal desafio é desenvolver regras internas que sejam capazes de coibir abusos praticados pelos tutores, sem, contudo, impedir a presença dos animais. Também é necessário promover a devida fiscalização para que certas obrigações sejam cumpridas, sob pena de notificação e multa. Exemplos: manutenção da limpeza das áreas comuns, providências do tutor para amenizar a quantidade de latidos, uso obrigatório de coleira e guia durante os passeios, manutenção da higiene da unidade autônoma para evitar odores, etc.
Repórter da RDC: Como os proprietários de animais são responsabilizados por quaisquer danos ou inconveniências causados por seus animais de estimação?
Giovana Poker: Assim como qualquer outro morador que provoque um dano à coletividade de moradores: por meio da aplicação de notificação e multa. Caso seja causado um prejuízo material ao condomínio, o tutor também pode ser compelido a ressarcir os custos com a reparação.
Repórter da RDC: Você acredita que regras mais rígidas em relação a animais domésticos em condomínios são necessárias? Por quê?
Giovana Poker: Não. O que é necessário é a criação de regras mais adequadas, capazes de garantir a ordem e a harmonia na vida condominial, sem impor algum tipo de tratamento discriminatório em relação às famílias multiespécie que vivem ali. Um problema muito recorrente nos condomínios é o impedimento de circulação dos animais nas áreas comuns.
Embora tal medida tenha como justificativa evitar o aparecimento de dejetos, ela pode ser entendida como inconstitucional, pois impõe uma condição desigual para os tutores de pet em relação aos demais moradores e restrição ao direito de ir e vir, pois eles ficam privados de acessar espaços pelos quais eles também contribuem financeiramente para manter e usufruir. O ideal é que haja uma política de conscientização e fiscalização sobre a limpeza, punindo-se exclusivamente os tutores que não respeitarem a higiene do condomínio.
Repórter da RDC: Quais são os direitos dos proprietários de animais de estimação em comparação com os direitos dos não proprietários de animais em um condomínio?
Giovana Poker: Os tutores de animais de estimação devem ter igualmente assegurados todos os direitos dos demais condôminos, inexistindo no Código Civil e na Lei do Condomínio qualquer fundamento legal que permita um tratamento diferenciado em relação aos tutores de pets dentro das áreas condominiais.
No entanto, as restrições são cabíveis quando restar comprovado, no caso concreto, que a permanência do animal em determinado ambiente esteja provocando prejuízos à segurança, à saúde ou ao sossego dos demais moradores. Exemplo: o condomínio não pode obrigar, de forma genérica, o uso de focinheira para todos os animais. Porém, no caso de animais comprovadamente agressivos, é possível impor essa obrigação ao tutor em específico.
Repórter da RDC: Como os proprietários de animais de estimação podem garantir que seus animais não perturbem outros morado
res do condomínio?
Giovana Poker: Se atentando em relação ao bem-estar desse animal, garantindo atenção, alimentação adequada e exercícios diários para evitar latidos ou miados excessivos. Cuidando da saúde do animal para evitar a proliferação de doenças e parasitas e, também, zelando pela segurança, com a utilização de coleira e guia durante os passeios, que devem ocorrer apenas na presença do tutor e com uso de focinheira para os cães comprovadamente agressivos. No caso dos gatos, o tutor deve providenciar telas nas janelas, evitando a circulação do animal desacompanhado.
Repórter da RDC: Em sua opinião, quais são os benefícios de permitir a presença de animais de estimação em um condomínio?
Giovana Poker: Na verdade os condomínios não têm mais a opção de permitir ou não animais nas unidades autônomas. Existe entendimento pacificado pelo STJ de que é ilegal a convenção condominial que proíbe de forma genérica a guarda de animais de estimação pelos moradores, mesmo porque, tal proibição incide sobre o direito de uso do imóvel, que não pode ser restringido por determinação condominial. Portanto, os benefícios são: a adequação à realidade jurídica e social sobre os pets em condomínio e uma melhor estrutura para receber as famílias multiespécie, que representam um setor crescente de mercado.
Repórter da RDC: Quais são as preocupações comuns dos moradores em relação à presença de animais de estimação no condomínio e como elas são resolvidas?
Giovana Poker: Uma das principais preocupações é em relação à disseminação de zoonoses, o que pode ser facilmente resolvido por meio de uma boa administração Petfriendly. É recomendável a criação de um cadastro pet, para controle da população de animais no condomínio, bem como a exigência da comprovação periódica de vacinação e vermifugação dos animais que residem ali, garantindo a higidez do ambiente e o atendimento à segurança sanitária.
Repórter da RDC: Você acha que existem certas raças de animais que devem ser restritas em condomínios? Por quê?
Giovana Poker: De forma alguma. O condomínio não possui discricionariedade para limitar raças, sendo que já temos diversos julgados permitindo a guarda de Pitbulls e de outras raças de grande porte que estavam sendo “barradas” pelas regras condominiais. Cabe ao tutor zelar pela segurança e bem-estar do animal dentro do condomínio, não havendo que se falar em restrições genéricas, sem que haja comprovação de algum prejuízo grave e concreto que o animal esteja causando à coletividade de moradores.
Giovana Poker – Advogada animalista, mestra em Direito com foco em Dignidade Animal e fundadora do escritório de advocacia Giovana Poker – Direito Animal.
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