Bullying e Cyberbullying: nova lei, novos crimes identificados e novas punições
vander ferriera de andrade
O crime de intimidação sistemática, aplicado aos condomínios edilícios, analisado por especialista em condomínios, resume os cuidados que os síndicos devem ter a parti r da nova lei. Recente alteração no Código Penal brasileiro identificou um novo crime e, com isso, passou a denominar a conduta delituosa com a rubrica de “crime de intimidação sistemática”, mais conhecido por bullying e cyberbullying.
A inovação legislativa encontra a sua origem no Projeto de Lei n° 4224 de 2021, da autoria do deputado Osmar Terra (MDB-RS) e altera o diploma criminal, criando um tipo penal no art. 146-A do códex.
Texto da lei
A nova lei prevê como crime de bullying a conduta típica de intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação, ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais.
Para saber mais sobre a lei e entender melhor quais as implicações dela para as comunidades e os gestores (síndicos) a Revista dos Condomínios procurou o advogado Vander Andrade, especialista em direito condominial. De acordo com ele a pena pode ser de multa, caso o comportamento do sujeito ativo não se apresente como um delito de maior gravidade. O texto legal se apresenta no momento em que “diversos países trazem para o bojo de suas legislações penais a criminalização dessa conduta, que deixa de ser um mero ato antissocial, passível de reprimendas mais brandas, para se apresentar com o caráter de um crime”. Ou seja, um ilícito que passa a deter um entendimento de maior reprovabilidade para o comportamento.
Cyberbullying
Por sua vez, o “cyberbullying” é apresentado com a mesma conduta típica, desde que praticada no ambiente virtual. Sendo efetivado por meio da rede mundial de computadores (internet), rede social (Instagram, Facebook, Whatsapp), aplicativos, jogos on-line ou transmitida em tempo real, “a pena será aumentada, passando a ser de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa, se a conduta não constituir crime mais grave” – lembra Andrade. Uma relevante fonte de consulta do legislador foi a lei que estabelece o ‘Programa de Combate à Intimidação Sistemática’ (Lei n° 13.185 de 2015), a qual define o ‘bullying’.
Entretanto, essa lei não estabelece qualquer tipo de sanção a quem venha praticar a conduta típica em exame. Contudo, “representa um importante avanço no cenário legal brasileiro, pois passou a considerar como indesejável toda forma de intimidação reiterada que importe em constrangimento, vexame, humilhação ou redução da alta estima” – analisa o especialista.
Caracterização
Na realidade dos condomínios, a prática o bullying haverá de se caracterizar por meio da prática reiterada de condutas empregadas com o objetivo de afirmar dominação de um morador sobre outro ou de um grupo de pessoas sobre determinado condômino. “Esses comportamentos antijurídicos,sobretudo, virão acompanhados de abuso físico, assédio verbal ou de coerção” – destaca
Andrade.
Outras formas de prática criminal
Outras formas de cometimento de crime “poder ser: por meio da adoção de apelidos de cunho pejorativo, insultos pessoais; comentários desabonadores, ameaças verbais, escritas ou praticadas por quaisquer formas; manifestações discriminatórias ou preconceituosas; isolamento social deliberado e direcionado, pichações com conteúdo ofensivo ou até mesmo piadas de tom difamatório praticadas sob a forma presencial ou virtual” – lista Andrade.
Motivos
De acordo com Vander Andrade, os motivos para a prática do crime podem estar associados a diferenças de gênero, classe social, interesses “políticos” (próprios dos “interesses condominiais”), orientação sexual, origem ou procedência, raça ou profissão de fé, aparência, conduta social, reputação ou personalidade. “É relevante notar que a legislação brasileira acertou ao não exigir para a configuração da infração penal, um motivo ou razão determinada para o cometimento do ilícito” – destaca Andrade.
Nova lei: a relevância para os ambientes comunitários
Apesar das sérias críticas incidentes sobre os gravíssimos erros de técnica legislativa presentes no novo texto de lei (dentre eles o “pleonasmo jurídico” de falar em “intimidar…por meio de intimidação”, “sistematicamente…e repetitivo”, “de modo intencional”, cuidando-se de um crime doloso por natureza, dentre outras não conformidades técnicas), “não tem como não notar a importância que a prevenção e a repressão a tais comportamentos antissociais representa para a sociedade – e de forma destacada a que vive em espaços comunitários de convivência, como é o caso das escolas, dos clubes e dos condomínios edilícios” – avalia Andrade.
Embora “a lei atual não tenha determinado aos condomínios a imediata adoção de medidas preventivas em relação ao cometimento deste crime, recomenda- -se que estas sejam realizadas por meio da afixação de cartazes, por comunicados em assembleias, em quadros de aviso, em aplicativos de contato e por outras formas análogas de comunicação” – aconselha Andrade.
Síndico: Obrigação de comunicar os limites impostos pela nova lei
Isso porque a lei que ensejou a criação crime de bullying e que criou o “Programa de Combate à Intimidação Sistemática” (Lei n° 13.185 de 2015), afirma que estabelecimentos de convivência comunitária “têm a obrigação e o dever de assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate ao bullying, de modo que, por via de consequência, os espaços de convivência comunitária ou coletiva (como é o caso dos condomínios) não deverão ser responsabilizados civilmente quando forem identificados esforços possíveis no sentido de fazer cessar as ofensas ocorridas à possível vítima de bullying” – ensina Andrade.
Nesse sentido, a própria jurisprudência pátria (referindo-se às escolas) já registra decisões nesse sentido:
‘’APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – FATO OCORRIDO EM ESTABELECIMENTO DE ENSINO PARTICULAR – “BULLYNG”. Restando devidamente comprovado que o educandário fez o que estava ao seu alcance para reduzir o sofrimento da Autora, constata-se que não restaram preenchidos os requisitos para configuração da responsabilidade civil. (TJ-MG – AC: 10210150029317001 MG, Relator: Marcos Henrique Caldeira Brant, Data de Julgamento: 30/08/2017, Câmaras Cíveis / 16ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 13/09/2017)’’.
Ganho social
Com efeito, discorrer sobre bullying implica em abrir uma oportunidade para considerar um fenômeno que acontece com muita frequência nos mais diversos espaços de convivência humana, no qual os condomínios estão exemplarmente inseridos. Ao ver do especialista, há um ganho social com o advento da previsão do novo crime, na medida em que a lei passa a sinalizar para a sociedade que comportamentos intimidatórios reiterados, associados às mais diversas formas de violência física ou psicológica são absolutamente inadmissíveis.
Mais responsabilidade para os síndicos
A partir de agora, mesmo nos espaços de convivência residencial ou laboral, como é o caso dos condomínios edilícios, “todos aqueles que possuem cargos de gestão precisarão atentar para que ilícitos como os descritos na lei passem a ser responsabilizados, tanto os que possam ocorrer na esfera da unidade privativa como os que possam ocorrer nas áreas comuns ou nos meios de comunicação virtuais” – destaca Andrade.
Distinção: conflito e perseguição sistemática
É verdade que outras gerações viram no bullying uma hipótese de mero conflito, muitas vezes restrito ao ambiente próprio a crianças ou adolescentes. Contudo, “a distinção entre a intimidação sistemática e um conflito próprio da convivência, é o fato de que o bullying encontra a sua base de ocorrência na agressão a seres humanos, na intimidação vexatória praticada não somente perante crianças e adolescentes, mas igualmente a pessoas de todas as faixas etárias, especialmente os mais vulneráveis, como pessoas idosas, de baixa escolaridade, os mais pobres e as pessoas com deficiência” – explica o especialista.
Espaços de intimidação
Exemplificando, o condômino que é “intimidado sistematicamente”, seja no ambiente de uma “assembleia presencial, seja no espaço virtual dos “grupos de Whatsapp”, seja em áreas de convivência ou comuns (playgrounds, espaços teenager, bibliotecas, quadras de esporte, piscina, salão de festas, dentre outros espaços comuns próprios de condomínios) pode se sentir humilhado e aviltado, tornando-se vítima do novo crime, agora tipificado” – detalha o especialista.
Lei: Apoio aos perseguidos
Até então, o condômino intimidado sistematicamente por determinada pessoa ou por um grupo de moradores, pouco podia fazer, até porque, a lei civil existente não lhe conferia a possibilidade de recorrer ao aparato estatal de apoio. “A partir de agora, a vítima desse crime poderá ingressar com um processo de responsabilidade civil (na medida em que todo crime gera dever de indenizar) e com medidas de ordem policial que poderão levar o autor do delito à barra dos tribunais, fazendo com que este tenha que arcar com pesadas multas ou até mesmo com aperda de sua liberdade” – explica o advogado.
Origem do termo
Não acidentalmente, a palavra bullying encontra a sua definição na língua inglesa (Estados Unidos) para designar a prática de “atos de agressão entre pessoas”; no Reino Unido, os denominados “bullies” são reconhecidos como os “valentões”; já na língua portuguesa, “intimidar” possui dois significados: a) provocar medo, valendo dizer, amedrontar, assombrar, aterrorizar, inquietar, atemorizar ou terrificar, e b) provocar constrangimento, significando inibir, constranger, envergonhar, embaraçar ou vexar.
Intimidação sistemática ou assédio cotidiano
A intimidação sistemática possui um elemento intrínseco sempre presente que é o assédio cotidiano, que pode, doravante, erigir como crime, a título de exemplo, os abusos praticados pelo síndico ou pelo zelador em face de funcionários do condomínio ou terceirizados, o conhecido “assédio moral”, até então, um delito restrito à esfera civil ou trabalhista.
Elemento importante:
agressões intencionais e consecutivas
Outro componente endógeno do novo delito de bullying é a prática de um conjunto de agressões intencionais e reiteradas, cometidas, por vezes, por um grupo de pessoas, concentradamente dirigido a um único indivíduo, seja na esfera presencial, seja no plano virtual, como é o caso do grupo de conselheiros que passam a intimidar um condômino inadimplente, de forma pública, reiterada e invasiva.
Bullying: processo de agressão em grupo.
Relevante observar, ainda, que o bullying é um processo grupal, muitas vezes materializado a partir da conduta de pessoas cumpliciadas, como é o caso de arranjos coletivos em grupos de whatsapp. Verifica se que em alguns condomínios, determinados moradores tendem a formar agrupamentos por afinidades de atitudes e interesses comuns.
Pequenas comunidades: “nichos de interesse”
É nesse contexto que surgem as “microcomunidades” diversas como o grupo dos que são populares, o dos esportistas, o dos que entendem que devem “dirigir” o condomínio, etc. Cada morador escolhe e adota um grupo de pessoas a quem passa a se solidarizar. Novos moradores, por sua vez, serão analisados, para verificar se “preenchem os requisitos” para serem aceitos pelo coletivo dominante.
Rejeição
Ser rejeitado por esses grupos de domínio a partir de práticas de bullying pode gerar isolacionismo e compartimentação de informações, privilegiando grupos de moradores em detrimento de outros. A consequência mais imediata é a criação de grupos de confronto e a formação de uma grande massa, alheia ao que se delibera ou decide na ante sala das assembleias.
Condomínios: prática corrente do cyberbullying
Em condomínios dos mais diversos, verifica-se a prática corrente do cyberbullying. Imagina-se que tal aconteça pela facilidade de acesso às redes sociais e aos grupos de whatsapp, criados muitas das vezes de maneira informal, mas que culminam por se tornarem palcos para agressões verbais e morais diversificadas.
Cyberbullying: o ônus da existência das redes
É possível que isso ocorra porque atualmente, se apresenta extremamente facilitado a todos o acesso às cibertecnologias bem como o fato dos moradores muitas vezes se encontrarem indoor, isso é, dentro de espaços fechados, como é o caso dos condomínios de casas e apartamentos residenciais. Desse modo, eles praticariam mais cyberbullying por não estarem envolvidos em outras atividades, principalmente as que acontecem no âmbito da convivência condominial.
Cyberbullying: não é brincadeira
Importante registrar que não se trata de uma simples brincadeira que acontece vez ou outra, que de per si já seria censurável pelo mal gosto pela opção comportamental, como dizer de forma iterativa que a pessoa está “comendo demais”, “sou eu que pago o seu salário”, ou que “você está aqui para fazer o que eu mando”.
O crime de intimidação sistemática vai além disso, e se materializa por meio de comportamentos associados ao emprego de contato físico ou expressões verbais maturadas, por meio de ações calculadas, sopesadas, previamente elaboradas, perpetradas de forma reiterada contra um mesmo alvo.
Consequências psicológicas
As vítimas desse crime, por força da intimidação, maus tratos, atemorização, humilhação, achincalhe e desprezo a que são submetidas, culminam por suportar intenso sofrimento e dor, “o que pode acarretar graves traumas e distúrbios de ordem psicológica, que poderão afetá-los por um longo período, quiçá por toda a vida” – considera, por experiência profissional, o advogado.
Direito comparado: auxílio à análise
Recorrendo ao direito comparado, sabe-se que no Reino Unido, o delito em exame exige para a sua conformação a presença de condutas delineadas com a qualidade de agressões dolosas e habituais, sempre com uma vítima escolhida como foco.
Legislador brasileiro: visão ampla
Por seu turno, no Brasil, não ocorreu de o legislador delimitar o sujeito passivo do delito apenas às crianças ou adolescentes, mas permitir o enquadramento como vítimas as pessoas de qualquer idade, sexo, orientação sexual, gênero, cor, origem, raça ou religião. A partir de agora, gestores condominiais deverão estar mais atentos à prática deste tipo de conduta típica, seja na esfera privada (no âmbito das unidades privativas ou na seara familiar), onde haverá de se impor o dever de denúncia do cometimento de tais crimes às autoridades, seja no relacionamento com condôminos, demais moradores, visitantes, empregados ou prestadores de serviço.
Responsabilidade penal
Não esquecendo que, para além da responsabilidade civil, inerente ao cometimento de tais ilícitos, temos agora a possibilidade da responsabilidade penal, de todos aqueles que venham a intimidar pessoas, num plano de elevada censurabilidade e reprovabilidade social. Com isso “estamos afirmando que surge a possibilidade da aplicação de uma pena privativa de liberdade, especialmente quando o crime for praticado por meio da internet. Já na hipótese do bullying presencial, o apenamento criminal se fará por meio da aplicação de uma pena de multa” – explica o especialista.
Responsabilidade do síndico
Como afirmado, deve o síndico zelar para que o condomínio possua uma atmosfera de respeito mútuo, cortesia e cordialidade, bem como uma ambiência de tolerância para com a diversidade que reside ou trabalha em estruturas condominiais. Para tanto, cartazes, avisos, recados, campanhas educativas, espaços para alertas em meio às assembleias condominiais, devem o quanto possível serem empregadas visando o bem-estar de toda a coletividade.
Síndico: Após o conhecimento do fato
No entanto, caso tenha o síndico conhecimento da ocorrência de casos de intimidação sistemática (bullying ou cyberbullying), tanto no âmbito das unidades privativas, como no espaço das áreas comuns, “deve ele levar o conhecimento dos fatos às autoridades policiais, preferindo-se acionar o advogado condominialista para a formalização de eventual denúncia” – destaca Andrade.
Síndico: Dever de comunicar, conscientizar
Da mesma forma, deve o síndico conscientizar “os moradores e todos os demais atores do ambiente condominial para os deveres que se impõem àqueles que escolheram viver ou trabalhar em espaços coletivos ou comunitários” – lembra Andrade, que exemplifica: como é o caso dos condomínios edilícios, os quais incluem a obrigação legal e moral de não silenciar diante do conhecimento de práticas censuráveis ou reprováveis, como é o caso do bullying ou do cyberbullying nos mais diversos espaços das estruturas condominiais.
Mudança de cultura
Campanhas educativas poderão gerar o engajamento necessário e apto a criar uma cultura de respeito mútuo no âmbito dos condomínios, com isso estabelecendo uma atmosfera de profilaxia contra comportamentos e consequências indesejáveis – ensina o especialista. Fazendo isso, “o gestor condominial prevenirá a ocorrência de ilícitos de tal natureza e logrará evitar que o condomínio possa ser responsabilizado na hipótese de inercia ou de negligência de seus representantes legais” – adverte.
Vander Ferreira de Andrade - Advogado, mestre e doutor em Direito, pós-graduado em Direito Imobiliário, vice- -presidente da J. Reuben Clark Law Society e presidente da Associação Nacional de Síndicos e Gestores Condominiais.
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