Audiência aberta para apresentação de sugestões de alteração do Código Civil na parte de condomínios
Com a abertura da audiência e possíveis indicações para promover sugestões de alteração do Código Civil na parte de condomínios, um repórter da Revista dos Condomínios foi ouvir Vander Andrade, advogado especialista no setor.
1. Revista dos Condomínios: Quais as expectativas e principais mudanças demandadas pelo mercado da sindicatura?
Vander Andrade – A expectativa é a de que os especialistas especialmente designados para realizar a atualização do Código Civil brasileiro atentem para as dissonâncias normativas e as lacunas legislativas que se encontram presentes no atual Código e que, de alguma forma, não regem adequadamente o instituto jurídico do condomínio edilício. Para tanto, não basta reunir e designar uma “comissão de notáveis” para criar normas aplicáveis aos condomínios.
2. Revista dos Condomínios: Aí é que entra a importância de uma audiência aberta, pública?
Vander Andrade – Instrumentos de consulta popular, tais como as audiências abertas, são fundamentais para se coletar dados e impressões do que se faz necessário para disciplinar adequadamente os condomínios nos dias atuais. Instituições públicas e privadas tais como cursos, escolas, universidades, associações e organizações da sociedade civil devem igualmente serem consultadas, se pretendemos ter um corpo normativo atualizado e adequado às reais demandas dos condomínios edilícios nos dias atuais.
3. Revista dos Condomínios:
A atual legislação aplicável aos condomínios atende adequadamente às demandas do setor?
Vander Andrade – O Código Civil brasileiro é a atual lei de regência dos condomínios edilícios e grandes temas de relevo constam de seu texto – mais precisamente entre os art. 1331 a 1358. Houve assim a preocupação em disciplinar a administração condominial, o temas das obras e benfeitorias, alguns quóruns importantes, as competências do síndico e da assembleia geral, o condomínio de lotes, a multipropriedade, dentre outros grandes temas. Contudo, restam ainda ausentes alguns assuntos importantes como a questão das sanções aplicáveis ao condômino antissocial, os limites do poder disciplinar do síndico, a revisão das normas condominiais e o necessário diálogo com a lei de locação de imóveis urbanos.
4. RDC – O estabelecimento de direitos e deveres para o Síndico seria uma delas?
Vander Andrade – A nosso ver o rol de competências do síndico já se encontra bem delineado no Código Civil, nada impedindo que a convenção ou o contrato celebrado particularmente com “síndico profissional” amplie o rol de deveres e de responsabilidades do gestor de condomínios. Já uma relação mínima de direitos seria bem-vinda, eis que o diploma civilista, quando se referiu aos condôminos, previu tanto os deveres como os direitos. Já em relação com o síndico, o legislador houve optar por um “silêncio eloquente”, com isso dando a entender aos intérpretes mais apressados que o síndico não tem direitos, quando isso não é verdade.
5. RDC – Quais são alguns dos direitos do síndico que deveriam estar expressos no Código Civil brasileiro?
Vander Andrade – O síndico tem um complexo de direitos e de prerrogativas. Dentre elas podemos citar os direito de:
• Exercer a plenitude da gestão, atuando como o “poder executivo” dentro do condomínio;
• De exercer o poder disciplinar, frente à identificação de transgressão por condôminos ou demais moradores às normas condominiais;
• De renunciar ao cargo, imotivadamente, se assim o desejar;
• De não ser destituído, exceção às hipóteses previstas em lei;
• De inspecionar unidades, sempre que o interesse coletivo o exigir;
• De fiscalizar o cumprimento das normas;
• De representar o condomínio, onde tal se fizer exigido;
• Ao respeito, à imagem e à honra – dentre outros direitos da personalidade.
6. RDC – Quais mudanças poderiam facilitar o exercício da função (em sua opinião?)
Vander Andrade – Entendemos que o Código Civil deve estabelecer alguns contornos mínimos para o exercício da função de síndico, tais como preparo técnico e idoneidade atestada por certidões emitidas pelo Poder Judiciário dentre outros órgãos públicos congêneres. Todavia, a escolha do síndico deve continuar recaindo sobre o coletivo de condôminos, sendo admissível que este venha a estabelecer ainda mais exigência, tais como tempo de experiência, referencias de sua atuação profissional em outros condomínios, seguro de responsabilidade civil, dentre outras que se encontrem em sintonia com o princípio da razoabilidade.
7. RDC – Como se deve efetivar a investidura do síndico no cargo de gestor condominial? Deve ser por eleição, contrato ou por outro modo?
Vander Andrade – O síndico deve seguir sendo escolhido pelo voto, em assembleia especialmente convocada para esse fim. Essa é a tradição do direito e da administração de condomínios no Brasil, o que inclui, por certo, o respeito ao princípio democrático ou da participação dos condôminos.
8. RDC – E a contratação?
Vander Andrade – O contrato deve ser admissível, uma vez que versa sobre ato lícito, conquanto não peremptório, mas facultativo, como ocorre atualmente, sobretudo quando se trata de firmar mais deveres ao denominado “síndico profissional”.
9. RDC – Na sua forma de entender, a figura do Síndico Profissional precisa ser melhor estabelecida?
Vander Andrade – Dada a tendência de mercado, parece-nos relevante que se estabeleça alguma menção ao síndico profissional, para lhe conferir ainda maior legitimidade. No entanto, no plano fático-jurídico, convém deixar patenteado que inexiste diferença entre síndico orgânico e síndico profissional quando se trata de atribuir responsabilidades, direitos ou deveres.
10. RDC – Você acredita que pode ou deve ser criada a profissão de Síndico Profissional por lei?
Vander Andrade – Eu defendo a tese de que não há necessidade de regulamentação dessa profissão. A tradição dessa função no Brasil é a da livre investidura, sem amarras com Conselhos de Classe. Aliás, sobre esse tema o Supremo Tribunal Federal (STF) já se pronunciou a respeito, indicando que somente atividades de grande repercussão social devem ser regulamentadas. Este é o caso dos médicos, dos engenheiros, dos advogados e dos contadores. Já o síndico, no nosso entendimento, não deve ter uma profissão regulamentada, pois se trata de uma função ou atividade exercida restritivamente no âmbito dos interesses privados.
11. RDC – No caso de ser possível criar a profissão, quais os impactos de tal medida?
Vander Andrade – Há aspectos positivos como a criação de um Código de Ética e a previsão de sanções aos que se conduzirem irregularmente. A extirpação do mercado de síndicos que atuam à margem da lei seria uma medida muito benéfica para o setor. Porém o lado negativo é a reserva de mercado, pois somente determinadas capacitações (como a de administrador de empresa) tenderiam serem aceitas no caso da regulamentação da profissão. A nosso ver, tal medida não nos parece salutar para o exercício desta relevante ocupação.
12. RDC – Caso isso ocorra, pode vir a impor uma formação mínima para ser exercida?
Vander Andrade – Existem projetos de lei que caminham nessa direção e apontam para as áreas de gestão. Daí porque defendo a formação específica, no mínimo como um “tecnólogo em administração de condomínios”. Não como exigência absoluta ou imperativa, mas como diferencial de competitividade.
13. RDC – Quais outras questões enxerga que podem ser levantadas e sanadas a curto, médio e longo prazo?
Vander Andrade – O Novo Código Civil deveria obrigar a revisão das convenções a partir de 5 (cinco) anos de vigência, uma única vez, com quórum de maioria simples. A partir desta revisão do texto, toda e qualquer modificação deveria ocorrer somente por meio de quórum qualificado. Vantagens da revisão: ajustamento às características do condomínio que não são contempladas por ocasião de sua instituição e instalação.
Vander Ferreira de Andrade - Advogado, mestre e doutor em Direito, pós-graduado em Direito Imobiliário, vice -presidente da J. Reuben Clark Law Society e presidente da Associação Nacional de Síndicos e Gestores Condominiais.
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