Varandas: Quando o uso delas ignora normas e interfere no convívio do condomínio
Muitas situações cotidianas poderiam ser resolvidas se os condôminos conhecessem e aplicasse as normas e o síndico as cobrasse em tempo de evitar atritos e problemas mais graves dentro dos condomínios. Nessa matéria abordamos o uso “inadequado” das varandas das unidades privativas.
Nós, da Revista dos Condomínios, entrevistamos a advogada especialista em direito imobiliário condominial, Tatiana Lima, para conversar um pouco sobre a aplicação das normas nos condomínios e a forma de comunicação ideal para divulgar essas informações, de forma a evitar mal-entendidos, discussões e eventuais desgastes nas relações entre os moradores (incluindo, muitas vezes, o próprio síndico).
Ela, então, nos convidou para fazer uma reflexão “um tanto quanto colorida, mas não menos séria, sobre o cenário multifacetado das varandas em nossos condomínios”. E ela nos explicou o motivo pelo qual escolheu o espaço para analisar o uso. As varandas, essas extensões de nossos lares “que tanto prezamos, representam muito mais do que meros espaços de lazer ou contemplação. Elas são, de fato, um pilar estético e funcional que reflete diretamente na harmonia e valorização do nosso ambiente coletivo” – destaca, logo no início da entrevista, a especialista.
Estilo do condomínio
Para melhor entender a utilização do espaço, ela pede para que se imagine, “se me permitem uma pitada de bom humor, a varanda como aquela peça de roupa favorita que nos defi – ne. Agora, pense no desafi o que surge quando tentamos uniformizar o estilo de um edifício inteiro, porém mantendo a individualidade e o conforto de cada um” – diz, para em seguida completar, depois de pausa para se pensar: “não é tarefa fácil, pois cada um tem uma visão única de ‘estilo’. Daí a importância deste diálogo aberto e construtivo sobre como gerenciar esses espaços preciosos, mantendo a estética e o bem-estar coletivos”.
Estilo individual e eventuais riscos
A personalização das varandas, seja por meio de fechamento com vidro, mudanças na paleta de cores, ou até a instalação de churrasqueiras, apesar de enriquecer o uso individual, pode, sem as devidas precauções, desencadear uma série de complicações. Essas “vão desde a quebra da uniformidade visual até potenciais riscos à segurança e ao conforto dos demais condôminos” – destaca a especialista.
Descoberta e diálogo
Para preservar o equilíbrio entre o direito à personalização e à preservação da estética coletiva que tanto valorizamos em nossos espaços só é possível pelo diálogo e conhecimento das normas. Através de “uma gestão atenta e proativa, podemos garantir que as varandas continuem a ser esse refúgio particular sem comprometer a visão conjunta que define nosso lar comum” – resume a advogada.
Solução compartilhada
Para a especialista a solução vem com um toque de formalidade e leveza da conversa entre os condôminos e síndico. Da parte do síndico é necessário que reconheça a importância de gerenciar com sabedoria e sensibilidade as nuances que envolvem o uso, no caso, das varandas. Afinal, segundo ela, “todos estão a tecer, juntos, o tecido da convivência coletiva, onde cada fio conta e cada cor enriquece o desenho que juntos criamos”.
Convite aos síndicos
Para eles a especialista deixou o convite para liderarem essa “dança delicada entre o individual e o coletivo, fazendo com que cada varanda, em sua unicidade, contribua para a sinfonia visual e funcional do condomínio”.
Situações cotidianas das varandas e o desafio da aplicação da lei pelo síndico: A interpretação do Direito individual sobreposto ao condomínio.
São diversas as demandas de varandas em condomínios, “porque todos nós já ouvimos no mercado condominial a tão disseminada frase de condômino recente: ‘dentro do meu apartamento eu faço o que eu quiser’. Contudo a esse morador o óbvio precisa ser dito e ratificado e confirmado. E não só a esse, mas a todos” – completa Tatiana.
Letra da lei
De acordo com a especialista é importante demonstrar ao novo vizinho e a todos que não entendem que a varanda faz parte da unidade, mas que, ao mesmo tempo, é a apresentação do imóvel ao mundo externo. Logo pode o síndico aplicar a ela as normas condominiais da convenção e inegavelmente a letra da lei.
Panorama
Ao enfatizar a questão nesse nível de detalhes a especialista trouxe, com eles, a realidade do dia a dia condominial, quando por vezes se fez necessário esse cuidado e essas advertências, com a “fundamentação técnica jurídica devida, a fim de respaldar síndicos na mediação conflituosa entre o privado e o comum, da relação ‘antinatural’ que temos nos condomínios como um todo” – resume.
“porque todos nós já ouvimos no mercado condominial a tão disseminada frase de condômino recente: ‘dentro do meu apartamento eu faço o que eu quiser…”
“podemos garantir que as varandas continuem a ser esse refúgio particular sem comprometer a visão conjunta que define nosso lar comum…”
Enumerando questões práticas às leis e normas
Cigarro, charuto e muita fumaça
1. Fumo nas varandas de condomínios: essa é uma situação delicada que envolve o equilíbrio entre o direito individual do condômino de usar sua unidade autônoma da forma que desejar e o direito dos vizinhos ao sossego, saúde e bem-estar, a famosa tríade condominial que se busca quando da aquisição.
Referências importantes: A fim de orientar síndicos sobre como aplicar o direito nesta situação, é importante considerar tanto o Código Civil quanto a Lei 4.591/64 (Lei de Incorporações), além do arcabouço jurídico brasileiro relacionado ao direito de vizinhança e ao direito condominial.
No Código Civil (especificamente temos o artigo 1.277), traz que “o proprietário ou possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha”;
Embora não mencione explicitamente o fumo, este artigo pode ser interpretado de forma a amparar ações contra o fumo em varandas que afetem a saúde ou o bem-estar dos vizinhos.
O Art. 1.336, inciso IV do Código Civil que obriga os condôminos a “dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não praticar os atos que impeçam a utilização, por parte dos demais copossuidores, de acordo com a sua destinação”;
Isso inclui a proibição de uso da propriedade de maneira a prejudicar o sossego, a salubridade e a segurança dos demais condôminos.
Ao síndico nesse caso compete, além da aplicação Legal Supra: Consultar a Convenção de Condomínio e o Regimento Interno: Verificar se existem disposições específicas sobre o fumo nas áreas comuns e privativas. Algumas convenções podem já prever restrições ao fumo em varandas devido ao potencial de incomodar os vizinhos, bem como respeitando legislação municipal própria e a legislação federal de fumo em locais cobertos.
Com a análise dos documentos que embasam o condomínio, o síndico pode aplicar as sanções previstas na sua hierarquia podendo fazer sanar a situação, mas antes é primordial que esse se atente a linha tênue entre o Direito de Vizinhança e o Direito condominial, pois em sendo direito de vizinhança, poderá esse agir como mediador sem as aplicações de sanção, sob pena de prejuízo ao condomínio.
Portanto é fundamental que o síndico antes de tudo Promova o Diálogo: Antes de tomar medidas mais drásticas, é recomendável que o síndico promova o diálogo entre os condôminos envolvidos, buscando uma solução amigável que respeite os direitos de todo, visto que possivelmente a situação se trata de direito vicinal e não condominial, a não ser que o cigarro esteja afetando a mais de um vizinho.
Festa e crianças desacompanhadas
2. Barulho excessivo proveniente das varandas: seja por festividades, atividades lúdicas infantis, ou mesmo a presença desacompanhada de crianças nesses espaços, destaca-se como uma questão de particular sensibilidade. Este cenário não apenas afeta a harmonia e a tranquilidade condominiais, mas também suscita preocupações com a segurança, especialmente no que tange aos menores de idade.
Conforme delineado pelo Código Civil, em seus artigos 1.277 e 1.336, IV, há uma clara orientação sobre a necessidade de cessar interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos habitantes, além de proibir práticas que comprometam a utilização das unidades conforme sua destinação. Estas disposições são complementadas por regulamentações municipais específicas, conhecidas como “Leis do Silêncio”, que estabelecem limites de ruído em diferentes horários, aplicáveis ao contexto condominial.
Além do aspecto do barulho, a presença de crianças desacompanhadas em varandas suscita uma preocupação substancial com a segurança. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 5º, destaca a obrigação de proteger crianças e adolescentes de qualquer forma de negligência, situação que pode ser interpretada como incluindo a supervisão inadequada em espaços que representem riscos potenciais.
Frente a essas questões, é imperativo que os síndicos adotem uma postura proativa, iniciando com campanhas de conscientização destinadas a esclarecer sobre os impactos do ruído excessivo e a importância de supervisionar crianças em áreas como as varandas. Além disso, é aconselhável uma revisão e, se necessário, uma atualização da convenção do condomínio e do regimento interno para refletir de forma explícita as normativas relativas a ruídos e a segurança de crianças em varandas.
Antenas na fachada e dentro da varanda
3. Instalação de antenas e equipamentos: o uso indevido de equipamentos e o cultivo excessivo de plantas nas varandas, cada um trazendo consigo implicações específicas para a estética, segurança e harmonia do condomínio.
A legislação brasileira, através do Código Civil e da Lei de Incorporações (Lei 4.591/64), junto às normativas municipais e técnicas, oferece um norte para a abordagem destas questões. A instalação de antenas e outros equipamentos nas varandas, por exemplo, encontra limitações claras nos artigos 1.336, III e IV do Código Civil, que vedam alterações na forma externa da fachada sem a devida aprovação da assembleia de condôminos. Esta precaução legal visa preservar a integridade estética e estrutural do edifício, aspectos fundamentais para a valorização do imóvel e o bem-estar dos residentes.
Churrasqueira adaptada
4. Equipamentos que possam gerar ruído (ou representar riscos à segurança, como churrasqueiras em espaços inadequados) é restringido pelas normas de segurança do Corpo de bombeiros, PPCI, AVCB da edificação. Não é crível que a unidade visando o bem-estar individual coloque em risco toda a coletividade.
Quando a varanda é um quintal
5. Cultivo de planta: embora enriqueça o ambiente com um toque de natureza, requer moderação e cuidado para não transgredir os limites de peso e estética definidos nas normas condominiais e técnicas, como a NBR 16280. Este cuidado não apenas assegura a manutenção da beleza e integridade do condomínio, mas também previne riscos estruturais e de segurança.
Piscina e hidromassagem na varanda
6. Sobrepeso: colocação de piso sobre piso, alinhamento de pisos entre a parte interna e a varanda; a instalação de piscinas plásticas ou hidromassagens portáteis nas varandas, entre outras situações causam prejuízo e problemas estruturais à edificação também devem ser objeto de atenção do síndico.
Nesses casos, especificamente, o Direito condominial age sem a provocação de um condômino, age para precaução de danos à solidez e segurança da edificação e também prevenindo a responsabilidade de problemas futuros ao condomínio.
Essas pequenas alterações e uso para divertimento que causam sobrepeso na laje, podem parecer bobagem e perseguição ao ver do condômino, contudo o síndico precisa se atentar e postular quando da verificação o cumprimento da NBR 16280 em toda a sua extensão, não com mera apresentação de ART (Anotação de Responsabilidade Técnica).
Ainda, mesmo que haja a ART, em determinados casos, não é possível fazer tais alterações, visto que ultrapassam o peso a legalidade do memorial descritivo, planta e estrutural da edificação, como exemplo temos que as convenções preveem comumente o peso de 150kg por m².
Se eu instalo uma hidromassagem na minha varanda de 1000litros e ela possui capacidade de uso de 02 a 04 pessoas, quantos quilos eu tenho por metro quadrado nessa situação? Será mesmo que o engenheiro fez os cálculos adequados de permissão de uso nessa unidade? Certamente não. O mercado condominial diariamente nos ensina a questionar todas as atuações, questionamentos necessários e indispensáveis para manutenção da tríade condominial de saúde, sossego e segurança.
Poder do síndico
Nessa mesma toada de alterações estruturais e de fachada, trago a necessidade do poder do síndico de gerir assembleias com formalidade e atingimento das pautas que se busca, principalmente contendo aspectos como os aqui previstos, como alteração da fachada das varandas, necessário atendimento do quórum contido em assembleia de 2/3 de todas as unidades, conforme os quóruns contidos no artigo 1341 do Código Civil, sendo o mesmo para aprovação de projeto para fechamento com vidro ou quaisquer outros materiais. Indispensável no segundo caso, contudo, projeto de engenharia e ART e cumprimento com cumprimento da NBR 16680 por parte de cada condômino que elaborar a obra.
Conselho ao síndico
Enfim, como atuante no dia a dia condominial, sabemos que tudo é possível de acontecer, inclusive em uma varanda. É preciso que o síndico esteja preparado e bem alicerçado com a legislação básica para respostas imediatas, como as contidas no presente artigo, sendo o Código Civil, a Lei de incorporações que foi Derrogada pelo Código Civil, mas segue aplicável naquilo que o códex silencia, nas normas técnicas de edificações, nas leis orgânicas dos seus municípios, na questão plena e cumprimento sobre a segurança contra incêndios.
Ao síndico oriento sempre que tenha seus apoios, seja ele o indispensável que é o administrativo, de engenharia, contábil e primordialmente o jurídico, pois mesmo que o jurídico do condomínio possa dar instruções contrárias à sua interpretação de atuação, esse sempre o resguardará via reflexa na defesa dos interesses do condomínio e, com isso, ambos – jurídico e síndico – com seu trabalho valorizam as propriedades daqueles que representam.
Além disso, atualmente, ao síndico cabe, além de conhecimentos técnicos gerais de engenharia, manutenção, elétrica, administração, direito, contabilidade, ter amplo poder de comunicação, de gestão de pessoas e de escuta ativa. O poder da mediação, unido com o jurídico alicerçado, atualmente consegue enfrentar as batalhas do dia a dia condominial.
Todos os dias cabe ao síndico aprender uma habilidade nova de atuação para enfrentar as batalhas das varandas ou dos tão temidos “c”s condominiais (criança, cachorro, carro, cano, cocô, cuspe etc.), mas que com muita generosidade aceitam o desafio com intuito e certeza de que exercerão, durante o mandato, fazer o melhor em prol das comunidades que representam.
Tatiana Lima
Advogada Especialista em Direito imobiliário Condominial. Diretora da ANACON – Associação Nacional da Advocacia Condominial – do Rio Grande do Sul. Palestrante. Escritora.