Síndico profissional: A importância da formação para lidas com as mais diversas situações
O dia a dia do síndico ou dos advogados especialistas na área condominial pode ser, às vezes, muito complexa, pois envolve gerenciar relações. E algumas pessoas, por falta de conhecimento, de educação ou má índole, podem tornar o dia dessas funções muito difícil e mesmo conturbado.
O caso relatado a seguir, relatado pela advogada Luíza Miccoli, é real e trata de um simples aparente caso de entrega das chaves por uma inquilina ao proprietário do apartamento. Acontece que o imóvel havia sido arrematado por ele há algum tempo e a ex-proprietária queria o ativo de volta. O relato colhido pelo repórter da revista, a seguir, é o resultado da entrevista.
Falta de informação acaba com dia aparentemente produtivo
Era uma terça-feira em um fevereiro bem quente, daqueles dias que você já acorda sabendo que fará dele um dia produtivo e irá conseguir cumprir a agenda que, como sempre, está cheia. Entre tantos compromissos, o mais importante seria às 16h30 para o recebimento das chaves do apartamento em favor do cliente, pela saída da ocupante (uma inquilina). As tratativas caminhavam muito bem e a mudança por ela já tinha sido concluída. Logo, seria mais um caso simples e rápido de entrega das chaves pelo parceiro da Região – a minha única demanda com o caso era a intermediação dos contatos e confirmação mais perto do horário à distância. Oba!!!
Iniciei o dia e o cabelo já estava com aqueles coques presos no alto da cabeça – para ter mais sensação de produtividade, sabe? A agenda estava revisada, as urgências dos processos já separadas para providências, os e-mails verificados e respondidos. Pense, maravilhoso!!!
Tudo estava bem, mas aí o celular tocou
Por volta das 9h30 da manhã o meu celular tocou. Era um cliente desesperado de São Caetano do Sul (SP), pois havia recebido uma ligação do síndico dizendo que a ex-proprietária do imóvel, então por ele arretado, tinha invadido o local e mais, o cliente estava indo para lá acompanhado da polícia. Desliguei o celular, pensei, “caos!”.
Caos
De imediato, liguei para o corretor parceiro, pedindo que fosse até o prédio, sem demora, a fim de tentar resolver o problema segurando o cliente, já muito aflito. Passei as orientações necessárias e encaminhei, via mensagem direta, todos os documentos relativos ao leilão do imóvel.
Na sequência, liguei para o síndico e enquanto a chamada não era atendida, pensei, “por que não me ligou? Sou a advogada do caso, tem o meu contato, não deveria se comunicar direto com o cliente”. Cabia ali, “um presta atenção”, mas me atendia de forma tão tranquila e serena, que achei melhor retardar, ou seja, evitar mais um problema naquele dia.
Aproveitou entrega dos Correios e invadiu o condomínio
Me contou o ocorrido, dizendo que a então ex-proprietária tentou entrar no condomínio, mas todos os acessos estavam bloqueados porque os dados do cliente foram passados para a Administradora há meses, quando feita a comunicação sobre a arrematação. Porém, quando os Correios passaram a entregar as correspondências, ela se aproveitou da situação e adentrou na área comum do prédio de forma resoluta.
Polícia, síndico, cliente e invasora
Por volta das 10h o circo já estava armado: a ex-proprietária, o síndico, o cliente, o Parceiro e a polícia. Ao longo de horas, os policiais lá presentes tentaram, por todos os meios, fazer com que a ex-proprietária fosse embora do local. Mas ela se mantinha intransigente. Ela permanecia na área comum do condomínio, e o apartamento do cliente seguia intacto e vazio, aguardando pela entrega das chaves às 16h30 pela ex-inquilina.
O corretor me mantinha informada o tempo todo sobre a situação no local
A ex-proprietária exigia a apresentação do Mandado de Imissão na Posse, expedido em favor do meu cliente, em uma desesperada tentativa de reverter a situação e impedir a posse do apartamento pelo então arrematante.
Síndico, sem formação, perdido na história
Por sua vez, o síndico – certamente perdido no contexto, passou a exigir o respectivo Mandado de Imissão na Posse em favor do cliente, mesmo sabendo do acordo realizado com a inquilina e cogitou ainda que o meu cliente fosse para a Delegacia lavrar um Boletim de Ocorrência – uma sucessão de inversão de problemas digna de uma novela.
Situação simples versus falta de informação, ignorância e má-fé
E eu pensava comigo: “só o que me faltava era essa inquilina precisar mudar a data de entrega de chaves”. Mandei uma mensagem para a advogada do ocupante e a entrega das chaves estava confirmada. Expliquei a situação, mas não havia possibilidade de adiantar o horário de recebimento das chaves. Tudo bem!
Lá fui eu, novamente, ligar para o corretor e síndico e formalizar tudo, via mensagem direta de aplicativo, explicando a ausência do Mandado de Imissão na Posse, haja vista o acordo celebrado e cum prido pela ocupante do apartamento (a inquilina), quem era a detentora da posse do imóvel. A situação era fácil demais, mas estavam querendo complicar os entendimentos de uma forma…
Os advogados da ex-proprietária: o que disseram?
Entrei no processo judicial, achei a petição da ex-proprietária (então executada), e liguei para os seus advogados. Claro que durante a chamada da ligação ainda não atendida só pensei, “por favor, não seja um colega de profissão com uma postura diferente sobre tamanho ab surdo”.
Muito atenciosos e receptivos ao telefone, pensei com aquela esperança certa: “Vão tirar a cliente de lá, problema resolvido”. Contudo, a advogada acabou com a minha alegria em poucos instantes: – “Dra. renunciamos ao patrocínio, estamos apenas pendentes com o protocolo nos autos. Era impossível a relação, a cliente é muito com plicada”. Que notícia ótima!!! (com alto tom de ironia), pensei comigo.
Mal começou o dia e já o cansaço batendo
Lá pelas 12h eu já estava acabada, destruída e a minha voz já estava rouca; a programação do dia tinha ido rio abaixo; o caos seguia no Condomínio em São Caetano do Sul (SP); e aplicativo de mensagens parecia milho de pipoca na panela, apitando em todos os grupos que eu não precisava naquela terça-feira. Parecia que todos os clientes tinham a mesma ideia de me escrever. Um daqueles dias que, no início do dia, já parece ser 18h, fim de expediente e a gente está destruído., ainda sem entender qual foi o caminhão que passou por nós.
Síndico “exporta” o problema
Paralelamente, também estava irritada com o sr. síndico que entendeu que todo o problema do dia, que era dele, havia sido transferido para mim. Os policiais já tinham ido embora do local, já que não poderiam tirar a ex-proprietária sem autorização judicial para tanto.
Petição
Sem levantar da cadeira, fui até a pasta do caso no drive e fiz a petição necessária em menos de 10 minutos para a expedição de um Mandado de Imissão na Posse em caráter de urgência, para cumprimento pelo Oficial de Justiça de Plantão naquele dia. O protocolo foi feito em instantes e liguei direto no telefone da Serventia. Talvez, por acaso do destino, a escrevente que me atendeu perguntou a razão da urgência e já aproveitei a oportunidade e “despachei” ao telefone com ela, explicando toda a situação.
Despachando online e via telefone
Ela me disse: – “Dra. processo encaminhado à conclusão e anotado para repassar para a juíza a urgência. Porém, ela chegará ao Fórum por volta das 14h30, peço que acompanhe”. Retornei as ligações para o corretor e para o cliente, expliquei tudo e as providências que tínhamos iniciado. Tudo estava entendido entre nós, mas precisávamos aguardar. Não tínhamos alternativa. Levantei da cadeira e a sensação era de estar no piloto automático, esperando a decisão com o deferimento do pedido e o problema – do condomínio, ser resolvido.
Que falta faz uma formação… mas tudo bem, eu explico novamente a situação
Às 14h00, o meu celular tocou novamente. O cliente que estava com o síndico no viva-voz. Ambos com perguntas tão aleatórias que a minha vontade era de perguntar se eles não tinham entendido tudo que eu estava explicando desde as 09h30 daquele dia. Não era possível – a paciência tem limite!
Contei até 10 e expliquei a situação. Aproveitei o momento para deixar bem claro ao síndico que o problema era do condomínio e havia sido transferido para o arrematante. Não deixei de perguntar (com aquele tom afirmativo), se o jurídico do condomínio estava ciente da situação e já havia lhe instruído em como proceder sobre a invasão de uma estranha na propriedade privada.
Necessito de mandado? E o invasor, precisa de quê?
Ele argumentou sobre a necessidade do mandato, claro, tentando se esquivar da culpa e da responsabilidade – mas sem levantar um dedo para tentar resolver. Mudei o tom da voz na conversa e reiterei pela última vez, deixando evidente o coleguismo da nossa parte para 11 resolver o problema alheio, já que a ex-proprietária não estava no apartamento do cliente, apenas na área comum do condomínio e se lá ela fosse se manter por dias, o problema não era do arrematante – o que também ficou nítido não ser entendido como problema do condomínio, já que não houve qualquer providência da parte dele para solucionar.
Mandado expedido
No meio da tarde o mandado foi expedido, encaminhado para a Central de Mandados e impossibilitado de distribuição por erro no documento. O mandado foi devolvido, foi retificado e distribuído para a Sra. Meirinha Ana.
Com o contato em mãos, disquei o número da oficial e pedi “por favor, não seja indiferente ao problema de hoje. Só quero resolver”. A ligação foi atendida: Que surpresa boa!!! Uma profissional extremamente ativa, prestativa e educada.
Não precisa mais de mandado…
O mandado foi cumprido no final da tarde e o problema do condomínio, resolvido por nós – como ela mesma afirmou para mim. No mesmo momento, recebi outra ligação do cliente dizendo “a ex-proprietária foi embora”. Juro que achei ser mentira ou alguma brincadeira. Pensei: “mas não é possível que ela resolva ir embora nessa altura do campeonato! Tudo bem, paz para mim”.
Perto das 17h a inquilina entregou as chaves e logo a senhora Oficial de Justiça chegou ao local, atestando o apartamento vazio e a emissão em favor do cliente.
Missão cumprida! Ah, e o síndico? Não soube, não vi, não sei!!
Luíza Miccoli
Advogada, palestrante e escritora. Especializada em leilões imobiliários desde 2016. Fundadora e gestora da empresa de assessoria No Leilão. Presidente da Comissão de Leilões da Região Sudeste pela Associação Brasileira de Advogados, e Coordenada do Grupo de Estudos da Comissão Nacional de Leilões. Membro do Imobi por elas, da Comissão de Leilões da OAB Jabaquara/SP, da Comissão de Direito Notarial e Registral da ABA. Associada ao Secovi/SP e IBRADIM.