Qual limite do decoro e bons costumes?

Abusar dos hábitos pessoais, vestir trajes de banho em áreas impróprias e até andar nu à vista dos vizinhos. Há como regular esse convívio polêmico?

ANDERSON MACHADO

Em janeiro deste ano, no calor do verão, um morador insistiu em tomar sol de sunga na área do estacionamento, num condomínio no Distrito Federal. O fato causou muito incômodo e conflitos entre vizinhos. O síndico, então, o notificou e alertou de que a reincidência poderia resultar em multa. Mas, afinal, quais são os limites de hábitos particulares em áreas comuns de prédios? Circular com roupas íntimas pelos corredores e roupas de banho por áreas que não sejam a piscina ou a sauna… Esse tipo de norma deve constar do Regimento Interno ou ser discutida em assembleia? Há legislação que normatize essa questão de hábitos – quase – íntimos?

“Primeiramente, cabe esclarecer que não existe na redação das leis, decretos e resoluções normas que tratem de forma direta sobre essa temática. Porém, existem alguns limites que, dependendo do caso, devem ser analisados. Como sabemos, há nos condomínios inúmeras ocorrências que, em casos mais extremos, são tipificadas pelo ordenamento jurídico brasileiro para determinados tipos de infrações, como o crime de ato obsceno, artigo 233 do Código Penal. Tem como tipo penal ‘praticar ato obsceno (aquilo contrário à decência ou ao pudor; aquilo que é indecente; desonesto; torpe; lascivo) em lugar público, aberto ou exposto ao público’. Simples atos realizados não podem ser considerados como obscenos, assim como atitudes demasiadamente obscenas não podem ser consideradas liberdade de expressão”, explica Anderson Machado.

Advogado especialista em Direito Imobiliário e Condominial e presidente da Comissão Nacional de Direito Condominial da ABA, ele destaca um ponto que deve ser analisado em relação às condutas dos moradores: as regras de boa convivência devem estar redigidas de forma clara no Regimento Interno e, se for o caso, na Convenção do Condomínio, a fim de normatizar as proibições. Mesmo assim, nem tudo estará contido nesses documentos e, por isso, cada caso deve ser muito bem analisado e ponderado pelo jurídico do condomínio, síndico e conselheiros.

“O condomínio, na pessoa dos seus administradores, deve tomar muito cuidado no caso de estabelecer normas em relação às vestimentas para os moradores, inclusive nas áreas comuns, visto que, no caso de uma decisão em aplicar uma advertência ou multa não observando de forma clara os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, pode até submeter o condomínio ao ajuizamento de ações de indenização por parte do morador ofendido”, pontua o especialista, também membro da Comissão de Direito Imobiliário e Condominial da OAB/DF.

“Não é tarefa fácil abordar moradores, dependendo da exposição. Por isso, toda cautela é pouca para esse tipo de situação, e jamais deve haver qualquer tipo de exposição da parte infratora pela administração. Importante que os moradores de condomínios se atentem para os excessos que devem ser evitados a qualquer custo. O bom senso deve sempre prevalecer! Outra questão importante são as situações de exposições vexatórias nas unidades privativas, gerando dissabores graves entre os vizinhos. Daí surgem os seguintes questionamentos: até que ponto pode o síndico intervir nas unidades privativas? E o morador pode fazer o que bem entender na sua casa?”, questiona Machado.

Segundo ele, infelizmente, muitos acreditam que, dentro das unidades, podem fazer tudo da forma que bem entendem, pois usam a premissa do direito de propriedade, que está previsto no artigo 5º da CF/88, inciso XXII, para justificar a sua privação arbitrária, sem observar o processo legal e por ter garantia constitucional. “Mero engano! Devo informar que existem os direitos de vizinhança que não estão previstos de forma direta na CF/88, e sim no Código Civil/02. Conforme artigo 1.277, ‘o proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha’.

“Além disso, há que se observar outros direitos da vizinhança, visto que se trata de um conjunto de normas que têm por fim harmonizar os conflitos entre proprietários e vizinhos, respeitando o convívio social. A criação e a manutenção dos direitos de vizinhança estão na necessidade de se preservar a privacidade, havendo uma condição de subordinação de seu uso a respeito da propriedade de terceiros, isto é, deve haver uma constante verificação do indivíduo na utilização do seu imóvel para que essa forma jamais ultrapasse os limites que possam afetar, de alguma forma, o direito de um terceiro.

“Por fim, cada situação deve ser bem analisada, prevalecendo os bons costumes. Não se pode impor aos demais condôminos o convívio com vizinhos nocivos e desrespeitosos, pois o direito coletivo está acima do direito individual”, conclui.