Síndico, profissão perigo?
Agressões verbais e físicas contra administradores de condomínios revelam o crescimento da intolerância no pós-pandemia. Casos devem ser sempre combatidos. E denunciados
Mauren Gonçalves
O síndico de um edifício de Águas Claras, no Distrito Federal, foi agredido, em 17 de março último, com um soco no rosto por um personal trainer, após uma discussão por causa do alto barulho causado por um saco de boxe, que gerava reclamações entre moradores. O administrador do condomínio chegou a ficar seis dias internado em um hospital particular, onde passou por uma cirurgia para tratar dos ferimentos. O caso teve grande repercussão na mídia e entre os condôminos, que se mobilizaram para expulsar o vizinho agressor. Intolerância e episódios de violência contra síndicos são mais comuns do que pensamos? Como evitá-los? O que esse profissional deve fazer quando for vítima de ataques verbais ou mesmo físicos? Ou simplesmente quando sentir-se ameaçado? De que instrumentos legais dispõe para proteger a si mesmo e a sua família, além de garantia a continuidade de sua administração?
“São bastante comuns os casos de agressões verbais pois, em virtude de ter que manter a ordem do condomínio, principalmente nas áreas comuns, o síndico acaba sofrendo ofensas, pois as pessoas estão mais estressadas que o normal, desde o início da pandemia. Então, qualquer reclamação ou advertência aplicada aos infratores vira alvo de retaliação. Os condôminos acabam se rebelando nos meios de comunicação do condomínio, gerando debates acalorados nos grupos de WhatsApp e, muitas vezes, tudo acaba em agressão física. Até mesmo cobrar inadimplentes, dependo da forma como é feita, promove a agressividade por parte desse grupo, que posta comentários denegrindo a imagem do síndico e fazendo ofensas”, conta Mauren Gonçalves, síndica profissional no Rio Grande do Sul, e atuante no mercado há 36 anos.
Fundadora Benemérita da Assosíndicos RS e CEO do Papo Condominial RS, ela garante que a boa comunicação é a alma da atuação do síndico, também para evitar esses conflitos. “Estamos em tempos de aprimorar cada vez mais as formas de comunicação. Evitar tratar pessoalmente de qualquer tipo de transtorno e cercar-se de profissionais habilitados para resolver os casos mais graves. É necessário ter cautela. Evitar comunicados que possam gerar desconforto e desgaste nas relações condominiais. Devemos ser suaves e dizer o que é necessário. Mas, para isso, é necessário estar bem emocionalmente e trabalhar a chamada CNV – Comunicação Não-Violenta. Assim, garantimos a prosperidade nesse universo, refletindo sobre nossas crenças e atitudes”, pondera ela, atualmente à frente da VRM Síndicos Profissionais.
Mas qual deve ser a reação do síndico diante de agressões ou ameaças? “Ele deve ter provas das agressões verbais, fazendo uma ata notarial para dar mais peso, e pode entrar com uma ação de danos morais, por injúrias, difamação e abalo moral. No caso de agressão física, fazer um Boletim de Ocorrência imediatamente, relatando a cronologia dos fatos de forma clara, indicando o nome do agressor. E tem até seis meses para representar criminalmente e fazer exame de corpo e delito. No caso de ameaças, também deve imediatamente fazer um BO”, aconselha ela, que nos conta uma experiência pessoal.
“Eu mesma fui ameaçada por um morador que teve uma ação de ‘prestação de contas’ e foi condenado, num processo anterior à minha gestão. A partir do momento em que dei ciência das ações do condomínio em assembleia, começaram as provocações e ameaças. Tendo em vista esse cidadão já ter cometido um crime, matando uma jovem a pauladas e tentando sempre intimidar os inquilinos, o estresse só aumentou. Consegui administrar a situação por quatro anos. Mas, por fim, ele me ameaçou pelo WhatsApp e achei melhor renunciar ao cargo. É claro, fiz um BO e representei criminalmente. O síndico deve sempre acionar a polícia e pode advertir e até multar o condômino agressivo, conforme dispõe o artigo 1.337 do Código Civil. Pode ainda levar o assunto para a assembleia, e pedir à Justiça medidas cautelares protetivas e indenizatórias, por danos morais”, resume.
Anderson Machado
Confinamento, medo, ansiedade e insegurança alteraram as dinâmicas de relacionamento
Anderson Machado, advogado especialista em Direito Condominial e Imobiliário, atua no Distrito Federal, região em que ocorreu o episódio relatado no início desta matéria. Ele também foi procurado pela REVISTA DOS CONDOMÍNIOS. “Nos últimos tempos estamos observando inúmeros casos de agressões entre moradores e síndicos, que acarretam situações de agressões graves nos condomínios. Cabe esclarecer que, apesar de ainda não existirem muitos dados disponíveis que liguem a pandemia a um aumento dos problemas de comportamento, alguns estudos recentes apontam para um impacto significativo no processo de ressocialização, refletindo no cotidiano das relações. Confinamento, medo, ansiedade e insegurança alteraram as dinâmicas de relacionamento até no âmbito familiar. E, claro, nas relações entre vizinhos, não poderia de ser diferente”, acredita.
De acordo com pesquisa sobre Saúde Mental feita pela Pfizer Brasil, em parceria com o Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec), com dois mil brasileiros, a reação de irritação ficou em segundo lugar (38% dos entrevistados), empatada no mesmo percentual com a insônia, no rol de sintomas mais sentidos durante a pandemia da Covid-19. Só ficou atrás da tristeza (apontada por 42%). A conclusão dos especialistas é que todas as alterações comportamentais afetam diretamente a irritabilidade das pessoas, e os problemas emocionais causados pela pandemia exacerbaram a intolerância. “Ainda que a intolerância venha em uma onda crescente no Brasil e no mundo, como nós já víamos antes da Covid-19, ela acabou por ser um catalisador e potencializou, em muito, a intolerância dos brasileiros”, pontua.
Anderson Machado destaca que o síndico tem também o papel de mandatário, uma vez que foi eleito para a administração do edifício em Assembleia Geral Ordinária dos condôminos. Ele representa ativa e passivamente o condomínio, em juízo ou fora dele, respondendo pelos atos necessários à defesa dos interesses comuns. Importante lembrar também que o síndico, diferentemente do que muitos acham, não é empregado do condomínio, nem locador de serviços, mesmo que receba remuneração por desenvolver suas funções. Por isso, não se aplicam a ele as normas da legislação trabalhista, nem aquelas estabelecidas pela locação de serviços.
“Ele tem um importante papel na resolução de conflitos no condomínio. Entretanto, todo cuidado é pouco! Deve o síndico observar três importantes pontos que devem ser colocados em prática no dia a dia das relações com os moradores, mas aviso que não é fácil. O primeiro deles é saber gerir conflitos por meio da comunicação não violenta e, se possível, com práticas de mediação. Em segundo lugar, aumentar a eficiência da comunicação com os moradores, fazendo uso de circulares e comunicados. E, por fim, além de evitar problemas de cunho pessoal, principalmente, ter documentos sempre atualizados… Refiro-me aqui à Convenção e ao Regimento Interno, para que sejam colocados para conhecimento geral, e em prática para todos os moradores”.
Além de ligar para 190 (Polícia Militar), em caso de atos de violência ou atividade suspeita, o síndico ainda pode acionar o número 100, para realizar denúncias de violação dos Direitos Humanos, sempre de maneira gratuita e confidencial. Nesse caso, o número atende a casos envolvendo também crianças, adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, casos de discriminação étnica ou racial, entre outros, sendo sempre papel do síndico denunciar tais agressões. Pode ligar 180, na Central de Atendimento à Mulher, para denunciar casos de violência doméstica. “Ainda que a vítima prefira não realizar a denúncia, é importante que o síndico não se omita e siga o procedimento para que a situação não se agrave. Além disso, deve manter sigilo e discrição sobre a ocorrência, evitando fazer comentários, a fim de evitar a exposição da vítima e o agravamento da situação.
Anderson finaliza acrescentando que, naturalmente, a massa condominial diverge em inúmeros pontos de vista e assuntos, e o síndico tem que administrar os conflitos com base nos interesses de cada morador. Esse é um papel que exige maestria. Portanto, a fim de evitar que essas pessoas tão diferentes entrem em conflito, ele precisa promover a harmonia e o bem- -estar da coletividade, e para que a relação entre todos naquele ambiente seja saudável – e a vida em comunidade, agradável. Num mundo em que até a cerimônia do Oscar foi marcada por uma agressão física e verbal – os xingamentos e o tapa desferido pelo ator Will Smith contra o humorista Chris Rock, devido a uma piada infeliz –, é fundamental ressaltar a importância do diálogo como forma de solucionar conflitos. Seja na privacidade de um condomínio ou numa transmissão mundial para milhões de espectadores.
TELEFONES DE EMERGÊNCIA (nacionais)
Polícia Militar – 190
Direitos Humanos – 100
Central de Atendimento à Mulher – 180
Corpo de Bombeiros – 193
Defesa Civil – 199
Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – Samu (pronto-socorro) – 192
Procon – 151
Defensorias Públicas – 129
Ouvidoria do Ministério Público – 127