Consequências e desdobramentos de uma violência descabida

Síndico do DF agredido por condômino ainda enfrenta sequelas, após internações e cirurgias. Saiba como lidar e responder a episódios de violência gratuita, sob o ponto de vista da Lei e da Psicologia

WAHBY KHALIL

Em março deste ano, um caso de violência gratuita envolvendo um síndico, ocorrido em Águas Claras, no Distrito Federal, ganhou as manchetes e repercussão nacional. Wahby Khalil, 41 anos, foi agredido por Henrique Paulo Sampaio Campos, de 49 anos, morador do condomínio que administra. A razão da agressão, que o levou a ficar internado na UTI do Hospital Santa Lúcia, na Asa Sul, beira o inacreditável. Procurado pela reportagem da REVISTA DOS CONDOMÍNIOS, é o próprio Khalil quem descreve o episódio, com riqueza de detalhes.

Ele relata as consequências do ataque sofrido, que ainda limitam suas atividades e o colocam em situação de risco. E faz um alerta de que a escalada de violência que toma de assalto os brasileiros, incluindo aí o ambiente condominial, não pode prosseguir impune. E tampouco ser ‘normalizada’. Veja o absurdo:

O sr. Henrique reclamou do saco de box, que estaria tendo problema na fixação à sanca de gesso. No dia 17 de março, fui até a academia acompanhado de um funcionário da manutenção predial. Chamamos o mesmo para participar da vistoria. Ao chegarmos, foi verificado que o problema exigia uma intervenção, com a mudança de local da instalação do equipamento. Ao falarmos com o sr. Henrique que o tema, talvez, devesse ser discutido em assembleia, para definição desse novo local de fixação, ele ficou nervoso e me deu um soco, que me levou a nocaute. Reanimado, segui até a delegacia, onde foi constatado que precisaria de cuidados médicos. Uma tomografia revelou hemorragia cerebral, traumatismo craniano e deslocamento facial do maxilar do lado esquerdo, na parte superior. Essa última lesão levou à perda de um dente e à necessidade de implantes”, conta ele.

O síndico, também jornalista, ficou sob cuidados por dez dias na UTI. Um mês depois, em 15 de abril, deu entrada novamente no hospital em Brasília, com novo quadro de hemorragia grave, estando, nesta ocasião, com o lado direito do corpo totalmente paralisado. “Esse quadro ocorreu pela alta pressão sanguínea no cérebro, com risco de morte súbita. Passei por uma cirurgia de emergência para retirada do sangue e contenção da hemorragia. Hoje, ainda vivo em condições de risco de sofrer nova hemorragia. Por isso, sigo sempre atento aos sinais, com restrições ao trabalho e fazendo tomografias regulares”, descreve ele, que fala das medidas legais tomadas até aqui e da importância do apoio recebido, em especial, por parte dos condôminos e da categoria dos síndicos, em especial.

“Em 24 de maio, o Ministério Público apresentou inquérito ao juiz substituto, que atendeu ao apelo ministerial. Assim, Henrique vai responder, inicialmente, por agressão corporal grave. Mas o juiz também entendeu que eu deveria ter uma medida protetiva, de afastamento. Ele não pode se aproximar de mim, do subsíndico ou de funcionários do condomínio do qual, acredito, deverá se se mudar. Além do processo penal, ele responderá no campo civil, por danos morais coletivos – em razão de o condomínio ter sido exposto a situação vexatória – e danos materiais, pois estou afastado pelo INSS e acumulando gastos extras”, afirmou, para concluir.

“Quero agradecer ao apoio de todos os síndicos do país, que se sensibilizaram com minha situação, e aos jornalistas. Tenho recebido apoio não somente local, mas de pessoas de todo o país. Sem falar na solidariedade irrestrita dos condôminos que, sensibilizados, logo se uniram para me dar total apoio. E, uma vez que continuo praticamente afastado das minhas atividades, eles têm me ajudado na administração, têm tocado o condomínio nas questões cotidianas. Me impressionou o apoio dos síndicos e de Brasília, como um todo. Chego nos lugares, e os presentes sempre vêm me dar uma palavra positiva, de incentivo. E isso é importante, não apenas para mim, mas para a categoria profissional, em geral. Não podemos deixar que outros síndicos sofram agressões tão graves, e de forma tão gratuita”, protestou.

MARISA DREYS

RALPH ANDRADE

O que fazer no âmbito criminal

No âmbito criminal, o advogado Ralph Andrade é quem nos dá as orientações sobre casos de agressões deste tipo. “O agressor pode responder por crime de lesão corporal, de natureza leve, que seria no Juizado Especial Criminal, na condição de crimes de até um ano de detenção – os chamados crimes de menor potencial ofensivo. Ou, se a agressão for grave ou gravíssima, responderá na Vara Criminal que cuida exatamente de crimes de maior potencial. O síndico deve sempre fazer o registro de ocorrência e representar criminalmente contra o seu agressor, e pode entrar com ação cível de indenização pelos danos sofridos! No campo administrativo, na própria convenção do condomínio podem ser previstas sanções à figura do condômino que adote conduta antissocial”, resume.

A primeira providência deve ser o socorro à vítima, seguido do registro do boletim de ocorrência policial e do exame de corpo de delito, solicitado pela delegacia e realizado no IML. Este exame é importantíssimo para aferir a gravidade da lesão e o rito processual a ser seguido. Caso tenha ocorrido lesão corporal grave, caracterizada pelos resultados listados no parágrafo primeiro do art. 129 do Código Penal, como a incapacidade para o exercício das ocupações profissionais por mais de 30 dias, a pena será de reclusão de um a cinco anos. Sendo a lesão gravíssima, como a incapacidade permanente para o trabalho, a pena varia entre dois e oito anos. Mas cabe destacar aqui que a maior parte dos crimes de lesão corporal em condomínios têm como resultado lesões corporais leves, com detenção de três meses a um ano”, explica Marisa Dreys, advogada pós-graduada em Direito Imobiliário e especializada em Direito Criminal.

VANESSA MACHADO

Violência sob a luz da Psicologia

Psicanalista, neuropsicóloga e formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Vanessa Machado lança novas luzes sobre a questão. “Ao receber este convite da REVISTA DOS CONDOMÍNIOS, comecei a pensar sobre a violência e a agressividade dentro dos muros dos condomínios. Quando pensamos em espaços fechados, logo nos vem à cabeça que estes são locais seguros, controlados, e que a violência estaria do lado de fora. Logo, presenciar cenas registradas em tempo real de violência dentro de um supostamente lugar seguro, traz angústia e abre uma ferida. Casos de violência e agressões contra síndicos pedem uma análise criteriosa sobre gestão e comunicação. De onde vem esta violência e como podemos nos defender?”, provoca ela, para prosseguir.

“Se buscarmos na academia, Freud tem um texto, um dos textos fundamentais de sua obra, que fala sobre o conceito de civilização. Em linhas gerais, para que possamos conviver bem em sociedade é necessário renunciar a algumas coisas. Por exemplo, para que eu possa conviver com você, eu me desfaço de certos impulsos e desejos, em nome de uma ética, de uma moral que vai possibilitar as relações entre os indivíduos. É justamente sob o pilar da civilização que a sociedade se organiza. E o que possibilita essa organização é a nossa capacidade de dialogar, o que chamamos de laço social”.

Segundo a especialista, Freud e Lacan situam a violência como constitutiva do ‘eu’. Isto é, ela é parte de nós, aparece na dinâmica psíquica de todos. Logo, não parece tarefa possível conviver sem ela, o que não significa que devamos nos render ao imperativo da violência. “Diante dos impasses as quais somos convocados a responder diariamente, resta como recurso a via da sublimação. É possível operar com o recurso da palavra, o que, em termos técnicos, chamamos de mediação simbólica. Diante das dificuldades que a convivência inevitavelmente vai trazer, a comunicação é sempre a melhor via. Por isso, assembleias e espaços coletivos de diálogo devem ser incentivados nos condomínios. Ao dialogar com o diferente, construímos saídas. Assim nascem novas perspectivas, formas de olhar o mundo e, consequentemente, a mediação de conflitos”.

Para Vanessa, quem passa pelo trauma da violência necessita de apoio emocional. “A escuta especializada é fundamental para permitir que tal conteúdo seja ressignificado, abrindo portas para o sujeito continuar operando sob a via da comunicação, do laço social, sem perder sua capacidade de sentir empatia pelo outro. É importante a gente ter sempre em mente que a questão da agressão diz coisas sobre o agressor. E a terapia é uma importante ferramenta para que a vítima se ‘descole’ de possíveis impasses, como a armadilha de sentir-se culpada por ter sido agredida”, pondera, ressaltando que o tão citado ‘gatilho’ que busca explicar, ou justificar, uma explosão de fúria não pode servir para relativizar situações como a vivida recentemente pelo síndico e jornalista Khalil.

“Este termo tem aparecido com frequência, mas é de ordem subjetiva. Cada um tem uma história, significantes, palavras, expressões que evocam sentimentos e afetos, muitas vezes, nefastos. O fato é que a proibição de condutas leva o sujeito a realizar um mecanismo psíquico, um recalque. É necessário deixar de satisfazer sua vontade em função de um acordo social. Então, se por acaso ele não cede, seja por questões pessoais, sofrimentos psíquicos ou condição clínica, há o risco deste rompimento com a linguagem, levando-o a agir com violência, o que traz consequências, inclusive, jurídicas. Os indícios dessa dificuldade de traduzir em palavras suas questões aparecem no discurso e até na linguagem corporal, numa postura mais agressiva ou no tom alterado da voz. Ao se deparar com esses sinais, o ideal é dar tempo para que essa pessoa se organize”, aconselha.