Racismo nos condomínios: até quando?
Casos, infelizmente, também estão presentes no meio condominial, mas as vítimas e testemunhas não podem se calar
BIANCA ALVES
ANAMARIA MALLET
CARLOS EDUARDO REBELO
O crime de racismo, infelizmente, ocorre cada vez mais em nosso país. E, com o advento de plataformas como redes sociais, tem ficado cada vez mais fácil para criminosos se esconderem por trás de uma tela de celular ou computador e cometerem atos covardes e criminosos.
Claro, esse é o olhar macro, a visão que todos os brasileiros têm com as notícias veiculadas diariamente, seja pelos meios de comunicação ou por registros pessoais. Mas e as coisas que acontecem e não vêm à tona? Aquilo que pode estar acontecendo por trás da porta do apartamento ao lado do seu ou nas dependências do bloco 2, por exemplo? Afinal, o que são os condomínios, se não um verdadeiro reflexo da nossa sociedade?
Diversos casos são registrados mensalmente na esfera condominial, e recentemente, em Belém (PA), uma juíza condenou médico a indenizar porteiro do prédio como vítima de injúria racial, no valor de R$ 6 mil. Claro que foi uma “vitória” para a vítima, mas esse tipo de crime é diferente de qualquer outro, e precisa ser combatido a todo custo e verdadeiramente abolido dentro dos condomínios. Outros casos já foram viralizados, como o do entregador de aplicativo ofendido com injúrias raciais por um morador em Valinhos (SP), que apontou para a própria pele, insinuando supremacia racial.
E para isso ser combatido, é preciso que as diferentes frentes presentes nesses edifícios estejam de comum acordo com aquilo que precisa ser feito para que o objetivo seja alcançado. Por isso, falamos com Ana Maria Mallet, advogada e mediadora, sócia do escritório Gutman e Silva Advogados; Carlos Eduardo Rebelo, advogado criminalista; e Bianca Alves, presidente da Comissão de Penal e Processo Penal da Associação Brasileira de Advogados (ABA-RJ) e também advogada criminalista, a respeito desse tema tão importante.
Em situações como essa, é preciso saber qual o procedimento que precisa ser tomado. A internet está repleta de vídeos nos quais pessoas acabaram tomando medidas com suas próprias mãos, e, por mais que isso possa parecer satisfatório, o procedimento não deve ser esse.
Segundo nossos especialistas, a vítima precisa entrar em contato com a polícia imediatamente, e, caso faltem testemunhas, gravações também podem ser utilizadas.
“Ato contínuo, devem acionar a Polícia Militar, solicitando o envio de viatura ao local, para que seja realizada a qualificação do acusado ou da acusada, caso ainda esteja no local. Caso o (a) autor (a) do fato ainda esteja no local, a Polícia Militar conduzirá todos (autor; vítima e testemunhas) para a Delegacia da área. Caso não ocorra a condução, a vítima deverá comparecer à Delegacia e promover o Registro de Ocorrência, subsidiando a Polícia Civil com todos os elementos de prova que possua”, completou Carlos.
Em seguida, é necessário estarmos cientes das diferenças entre o crime de racismo e injúria racial. Afinal, as diferenças existem e precisam ser identificadas, como explica Bianca.
“O racismo é a conduta discriminatória, em razão da raça, dirigida a um grupo sem intenção de atacar alguém em específico. O objetivo é discriminar a coletividade, sem individualizar as vítimas. Nesse caso em específico, podemos perceber como racismo a não contratação de pessoas negras, a proibição de frequentar alguns lugares, entre outras atividades que têm o condão de bloquear o acesso de pessoas negras. Nesses casos, o crime é inafiançável e imprescritível. Quando acontece um ataque direto a uma pessoa, é considerado injúria racial. Essa conduta está prevista no Código Penal, artigo 140, parágrafo 3º, como um crime contra a honra, sendo o fator racial uma qualificadora do crime”, disse a especialista.
E isso é importante dentro dos condomínios para que alguns casos desnecessários sejam evitados, como apontou Ana Maria. De acordo com a advogada, o julgamento é um dos principais problemas, porque tudo pode ser feito de maneira muito rápida, e sendo sequer necessária o uso de palavras. E, nesse caso, estamos falando daquelas situações onde o crime não está sendo feito abertamente. Porém, é preciso saber identificá-los também.
“No ambiente condominial, posturas como se recusar a entrar em elevador com funcionários, sair de perto de locais onde funcionários negros se encontram, etc., apontam no sentido de um comportamento racista, em que pese não tenha havido afirmação nesse sentido”, confirma Carlos.
Claro que essa postura está mais voltada para os condôminos e funcionários. Contudo, quem está supervisionando tudo também precisa saber que ações tomar. Não existe uma associação que já esteja supervisionando todos os condomínios do Rio de Janeiro, por exemplo. Por isso, a iniciativa precisa ser individual, ou seja, cada edificação deve dar o primeiro passo, e Bianca completa: “A informação é importante arma contra qualquer prática de ato racista. É preciso que os síndicos e gestores procurem associações e entidades que realizem palestras para os funcionários, bem como que tomem providências necessárias perante a polícia, caso saibam de qualquer ato de racismo.”
Ainda segundo Ana, o síndico não pode mostrar outra postura que não coragem para lidar com casos como esse. É importante entender que as pessoas não estão acima da lei, e não importa quem tenha cometido o crime, elas precisam enfrentar as consequências, ou, então, mais casos como o de injúria racial contra o entregador ocorrido na cidade de Niterói vão se repetir, no qual a defensora aposentada Cláudia Alvarim Barrozo chamou Joab Gama de Souza de “macaco”. Ela também oferece a todos uma outra medida para que casos iniciados sem a presença de racismo passe a contar com esse teor em outras ocasiões.
“Ainda há a cultura de se usar o Judiciário para quase todo tipo de problema, mas é importante oferecer a mediação de conflitos. Com esse método de resolução de disputas, o mediador, através da aplicação de técnicas e ferramentas, colabora para que a desavença se transforme em entendimento, com validade jurídica, entre todos os envolvidos. É uma forma inteligente e menos desgastante de resolver o caso, pois tem como resultado, na grande maioria dos casos, o restabelecimento da comunicação entre as pessoas, de forma estruturada e efetiva, fazendo com que um consiga entender melhor o outro, melhorando o convivo no condomínio. Quem já precisou entrar com um processo jurídico envolvendo o condomínio, seja síndico ou morador, sabe que o custo é elevado, há um desgaste entre as partes, e que a rapidez está longe de ser a desejada. Na mediação, as partes envolvidas conversam de forma organizada para chegarem em um acordo que seja considerado satisfatório para todos”, finalizou.