“O espertinho”
Advogar em condomínios residenciais ou comerciais é sempre um aprendizado e uma história nova à parte. Trago a história de um condômino que chamarei de “o espertinho”, pois ele sempre debochava dos síndicos em assembleia por invadir uma das áreas comuns do condomínio sem se importar se aquilo era certo ou não.
Nosso escritório tinha acabado de ser contratado pelo condomínio, e uma das queixas da administração era de um senhor que se valia de amizades para fugir das várias infrações que cometia no local.
Um dos problemas que causava prejuízo era que “o espertinho” tinha tomado para si a área do telhado do edifício, transformando numa belíssima cobertura “5 estrelas”, com todo conforto necessário ao seu exigente gosto.
Alguns dos itens que ele colocou na sua mais nova aquisição contavam com uma linda piscina, churrasqueira, salão de jogos e, acreditem se quiser, uma elegante estátua de um leão de dois metros de altura.
Meu primeiro encontro com o peculiar condômino se deu numa assembleia extraordinária para aprovação de cota extra para determinada benfeitoria no condomínio, e o mesmo (muito vaidoso) sempre falava sobre seus feitos no condomínio. Inclusive, mencionando sobre a área comum que ele havia proclamado como sua.
O mais interessante é que todos os condôminos contestavam “o espertinho” sobre possuir aquela área, e o mesmo debochava daqueles moradores. Por conta disso, sempre aconteciam acaloradas discussões, e as reuniões ficavam próximas de uma luta de “UFC”.
Com esse estresse e o clamor daquela coletividade para obter quaisquer sopros de justiça, nosso escritório era como a última esperança para derrubar aquele morador.
Porém, aquele senhor não era qualquer condômino, ele era bastante influente e sabia de tudo que acontecia no condomínio de forma antecipada.
Diante disso, fizemos uma reunião interna somente com o síndico e conselheiros a fim de organizar a demanda judicial para buscar uma tutela de urgência a fim de recuperar o direito do condomínio e a moral de seus moradores.
Só que o nosso planejamento e a apreciação daquela tutela não poderiam levar tanto tempo, fazendo com que nosso escritório quase que diariamente estivesse de plantão no fórum para obter aquela antecipação de tutela a fim de que o dito condômino fosse impedido de usar aquela área comum até o desfecho da ação judicial.
Como a vida do advogado não é fácil, o juiz negou nosso pedido de tutela antecipada e tivemos que recorrer da decisão. Nosso efeito surpresa tinha ido por água abaixo, e “o espertinho” não perdeu tempo, tirando sarro em suas redes sociais da nossa derrota na primeira batalha.
Fizemos os mesmos trabalhos para inverter a situação, e coincidentemente, o síndico teve que convocar uma assembleia para deliberação de um assunto do condomínio no mesmo dia que haveria a sessão de julgamento do nosso recurso.
Iniciada a assembleia, o nosso amigo condômino não perdeu tempo em ressaltar que ele era o maioral e que nosso escritório tinha feito um monte de coisa errada no processo (colocando a nossa credibilidade em jogo).
Entretanto, para a infelicidade dele e felicidade nossa, eu tinha acabado de receber no meu celular o resultado do nosso recurso e, enquanto ele falava que “não vai dar em nada”, “você é um doutorzinho feijão com arroz” …eu chamei “o espertinho” para se aproximar da mesa de assembleia para falar no microfone e disse a ele que realmente ele era muito bom e tinha bons advogados.
E, neste exato momento, quando ele debochava e caçoava de todos ali, eu apresentei o resultado do recurso para ele, falando para todos da assembleia que aquela área que ele havia tomado, tinha sido impedida de ser utilizada até o desfecho do processo.
A assembleia foi ao delírio, como se fosse um gol de final de Copa do Mundo.
Cadeiras para o alto, muitos abraços e xingamentos na orelha do morador, que suava frio e estava vermelho igual um tomate.
Foi uma das sensações mais memoráveis que tive dentro de uma assembleia de condomínio, que levo como um sopro de inspiração quando me deparo com situações complicadas.
Rodrigo Vianna é advogado, sócio fundador R. Vianna Advocacia e Consultoria de Negócios, pós-graduado em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito, especialista na área condominial. É membro de várias comissões de subseções da OAB/RJ.