O frenesi condominial e o crime de stalking

Em 2021, o Código Penal, seguindo uma tendência globalizante, iniciada na Califórnia no ano de 1990, incorporou ao seu texto uma nova figura típica: o crime de perseguição, também conhecido como stalking, tipificando-o no art. 147-A.

Referido delito, reconhecido pela Criminologia como “perseguição incessante” ou “perseguição contumaz”, passou assim a ser um novo crime na ordem jurídico-penal brasileira.

O termo versado na língua inglesa encontra sua correspondência na ideia de “caça”, de onde deriva o verbo stalk, infração penal que somente haverá de ocorrer se se manifestar presente o estado de permanência ou de habitualidade.

A nosso ver, de uma forma um tanto precipitada, alguns operadores do direito e da gestão de condomínios passaram a afirmar da possibilidade da ocorrência de tal delito na realidade do cotidiano condominial, para tanto trazendo exemplos como a conduta do morador que, a pretexto de “cobrar o síndico” em relação aos seus deveres e obrigações, culmina por criar um estado de perturbação e de incômodo, mercê da reiteração quase que insuportável para qualquer gestor.

Mas é preciso ter muito cuidado em assim afirmar. Primeiramente, porque o Direito Penal possui princípios próprios, muito diferentes dos reconhecidos pelo Direito Privado. Para que possa ocorrer um crime, não basta a sua aderência “gramatical” ao texto de lei, mas principalmente, seu reconhecimento em face da principiologia que orienta a aplicação das Ciências Criminais.

Não pode o intérprete falar em “crime de stalking”, se não se fizerem presentes, na conduta típica do sujeito ativo, a ofensa aos princípios da lesividade, da fragmentariedade, da ofensividade e da legalidade, este último, analisado sob sua perspectiva substancial, e não meramente formal.

Ademais, a mera prática de “perseguição”, ainda que perturbadora e reiterada, de per si, não configura o crime de perseguição, uma vez que tal delito, segundo a vontade do legislador, foi inserido em meio aos crimes contra a liberdade individual, no que passou a exigir, para a sua consubstanciação, não somente de dolo, mas igualmente, de um componente “ameaçador” no comportamento do agente, com isso gerando verdadeira sensação de temor e angústia, pela vítima.

Destarte, o frenesi que passou a dirigir a comunidade condominial, relativamente à possibilidade desmesurada e frequente da ocorrência do crime de Stalking em condomínios, requer ânimo calmo e refletido para examinar se, de fato, tal delito se apresentou com todos os seus contornos e requisitos, incluindo-se nesse contexto, os elementos objetivos e subjetivos do tipo.

Isso porque, a imputação indevida a quem quer possa se encontrar na prática de uma conduta de perseguição, não configurando está o crime de Stalking, poderá fazer com que o acusador possa ser processado e condenado pelo crime de calúnia, ou seja, em poucas palavras, o feitiço pode virar contra o feiticeiro. Sejamos, portanto, como diz o texto bíblico, prudentes como as serpentes, antes de fazer qualquer acusação intempestiva e inidônea.

Vander Andrade é advogado, mestre e doutor em Direito, pós-graduado em Direito Imobiliário. Vice-Presidente da J. Reuben Clark Law Society e Presidente da Associação Nacional de Síndicos e Gestores Condominiais.

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@vanderfdeandrade