Como utilizar o fundo de reserva de forma legal

Os desafios em determinar despesas de emergência em condomínios são acentuados pela falta de definições legais claras. Segundo Márcio Spimpolo, especialista em direito condominial, embora o Código Civil não estabeleça especificamente o que constitui uma despesa de emergência, ele requer a convocação imediata de uma assembleia para obras urgentes com despesas excessivas. Simpolo enfatiza a importância do Fundo de Reserva para intervenções rápidas, como reparos em caixas d’água ou portões danificados, com a posterior reposição pelo seguro, e adverte que o uso inadequado do fundo pode resultar em responsabilização do síndico.

Em entrevista para a Revista dos condomínios, o especialista destacou, entre outros assuntos relevantes, a importância de os condomínios fiscalizarem, de forma regular, as contas para garantir a saúde financeira do condomínio no longo prazo. Leia, a seguir, a entrevista:

Repórter da Revista dos condomínios: Existe alguma definição legal clara sobre o que constitui uma despesa de emergência em um condomínio?

Márcio Spimpolo: O Código Civil não define o que são obras urgentes ou emergentes. Ele apenas determina que, quando uma obra ou reparação necessária for urgente e resultar em despesas excessivas, após a sua realização o síndico ou o condômino que tomou a iniciativa delas terá de dar ciência dessa obra e despesa correspondente através de uma assembleia que deve ser convocada imediatamente (Art. 1341, §2º). O Código Civil, dispõe, ainda, que se as obras forem necessárias, porém, não urgentes, primeiro uma assembleia deve ser convocada e posteriormente feita a obra, caso autorizado (art. 1341, §3º). De qualquer modo, de início, podem requerer atuação urgente por parte do síndico, tendo ele que lançar mão do Fundo de Reserva para a consecução dos reparos.

Repórter da RDC: Pode exemplificar algumas situações?

Márcio Spimpolo: O rompimento de uma caixa d’água pode ser considerado um fato que exija intervenção imediata do síndico. Outro exemplo seria a quebra do motor de um portão de acesso à garagem. Ainda, quando chuvas torrenciais abalam a estrutura de um muro do condomínio, colocando em risco o patrimônio ou a vida dos moradores etc. É preciso ter em mente que as boas práticas de gestão orientam a ter um bom seguro com todas as coberturas necessárias para esses eventos. Porém, a urgência determinará o reparo imediato com o uso do Fundo de Reserva e sua posterior reposição através do reembolso do seguro.

Repórter da RDC: Quem paga esse seguro? O condomínio ou o síndico?

Márcio Spimpolo: O condomínio é quem paga todo o seguro, independente das coberturas.

Repórter da RDC: A decisão pelo seguro é via assembleia?

Márcio Spimpolo: O valor do seguro, geralmente, é apresentado e aprovado juntamente com a Previsão Orçamentária. Dificilmente se abrem, naquele momento, as coberturas. Apenas são informados os valores totais.

Repórter da RDC: Quais são as restrições específicas para o uso do fundo de emergência do condomínio?

Márcio Spimpolo: O síndico não pode utilizar o Fundo de Reserva como fluxo de caixa. A convenção deveria traçar as hipóteses, mesmo que exemplificativas, da utilização desse fundo, deixando claro ao síndico que o seu uso em desacordo com as determinações convencionais poderá ser motivo de responsabilização. Ainda, a sua utilização sem a aprovação da assembleia também poderia ensejar responsabilização, enquadrando o síndico como alguém que não administra convenientemente o condomínio, e, por consequência, abrindo a possibilidade da sua destituição.

Repórter da RDC: Sob quais circunstâncias uma despesa como a compra de novas câmeras de segurança pode ser considerada uma emergência? Qual é o critério legal para tal classificação?

Márcio Spimpolo: Cada condomínio, diante de uma situação e estrutura específica, deve decidir se determinada despesa é urgente ou não. Pode ser que o condomínio se localize num bairro que esteja sendo alvo de crimes diversos. Nesse caso, a instalação de câmeras no perímetro do condomínio parece ter os requisitos de urgência. Por outro lado, a colocação de câmeras nas áreas comuns do condomínio talvez possa esperar uma assembleia em que o síndico apresente os motivos e o correspondente projeto para a aprovação.

Repórter da RDC: Quais são as possíveis consequências legais para o síndico que aprova o uso do fundo de emergência para despesas não emergenciais?

Márcio Spimpolo: As obras ou reparos urgentes podem ser feitos pelo síndico ou por qualquer condômino. Se a assembleia entender que a obra não era urgente e que os recursos utilizados deveriam ter sido aplicados de outra forma, o síndico, mediante ação judicial, poderá ser compelido a devolver os valores. Daí a importância da cobertura do seguro sob a rubrica de ‘Responsabilidade Civil do Síndico’. Ela serve justamente para, conforme o caso concreto, garantir ao condomínio o reembolso desse tipo de má gestão.

Repórter da RDC: No caso dos conselheiros, como essa situação se aplica?

Márcio Spimpolo: No caso específico dos conselheiros, é preciso que a convenção disponha sobre a delimitação da ação deles no condomínio. De forma geral, o condomínio conta apenas com um conselho fiscal cuja responsabilidade única é dar parecer sobre as contas do síndico. Quando há no condomínio o conselho consultivo, é preciso avaliar as incumbências dele, lembrando sempre que o Código Civil é claro ao definir que cabe à assembleia a autorização ou julgamento do uso dos recursos do condomínio.

Repórter da RDC: Qual é o papel da assembleia de condôminos na aprovação do uso do fundo de emergência para despesas não emergenciais?

Márcio Spimpolo: Pode ser que haja no Fundo de Reserva um valor muito acima do necessário para os casos fortuitos que exemplificamos. Se assim for, a assembleia pode deliberar sobre a utilização de parte desse fundo para obras de melhoria no condomínio, de estética, dentre outras. A prática de utilizar o fundo de emergência para despesas  não emergenciais pode afetar as contas e a gestão financeira do condomínio a longo prazo e aí, se os condomínios não acompanharem de forma regular as contas, a dor de cabeça pode ser grande… A má gestão do síndico pode colocar fim ou mesmo reduzir drasticamente o fundo e a consequência natural é não ter recursos para uma emergência. É preciso que os condôminos estejam atentos a isto, fiscalizando mensalmente não só o uso desse fundo, mas também todo o fluxo ordinário. É preciso combater o vício que muitos síndicos têm de utilizar esses valores para as despesas do dia a dia. Por isso, é essencial que ele esteja numa conta separada e aplicado em poupança e seja acessado e resgatado apenas com mais de uma assinatura.

 

 

Márcio Spimpolo - Advogado, professor, palestrante e apresentador do programa ‘Condomínios Pelo Mundo’.

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