Compliance: condomínios precisam dessa boa prática

Conformidade, ética, integridade, probidade e adoção de um código de conduta que envolva condôminos, moradores, colaboradores, fornecedores e prestadores de serviços

 

LUIS FERNANDO MARIN

Antes de começarmos a entender os motivos pelos quais os condomínios prescindem da aplicação de compliance, é necessário explicar, afinal, o que é isso. Para tanto, fomos buscar a definição formal no Cambridge Dictionary, que assim o define: “Ato de obedecer a uma ordem, regra ou pedido: é o trabalho dos inspetores para garantir o cumprimento dos regulamentos” (tradução livre). De forma muito resumida, a palavra “compliance” significa conformidade. Feito esse breve e necessário preâmbulo, a Revista dos Condomínios foi consultar dois grandes especialistas no assunto dentro da área condominial: os professores Luís Fernando Marin e Vander Andrade.

Mas por que o compliance condominial é tão importante? Por ser essa uma forma segura e eficaz de prevenir fraudes e desvios dentro dos condomínios. “Há vários problemas enfrentados pelas comunidades condominiais, maiores ou menores conforme suas peculiaridades, mas, decerto, a tibieza dos instrumentos de promoção da conformidade e integridade nos condomínios gera um ambiente propício para a ocorrência de fraudes e desvios, os quais subtraem a eficiência na aplicação dos recursos comuns e aumentam o clima de desarmonia nas comunidades”, explica Luís Fernando Marin, advogado, professor de Direito Civil e Imobiliário, membro da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-RJ, International Certificated Compliance & Ethics Professional (CCEP-I) pela Society of Corporate Compliance and Ethics (SCCE); e diretor jurídico e de compliance do Núcleo de Estudos e Evolução do Direito (NEED).

Questionado se a aplicação do compliance nos condomínios pode garantir a transparência e a ética dos processos, quebrando alguns tabus, ele avalia que esse é um desafio de toda a sociedade. “Em parte, a criação de uma cultura de integridade e probidade, na qual a cobrança por transparência e ética se torna algo natural e desejável, é um desafio de toda a sociedade brasileira, como testemunhamos nos últimos anos no país. No caso dos condomínios, ainda reinam as administrações amadoras, muitas vezes descompromissadas com o que chamamos de ‘governança condominial’, ofertadas voluntariamente por moradores que se tornam síndicos, disseminando-se a ideia de estarem fazendo um ‘favor’ para os demais. À medida que a função de síndico vai se profissionalizando e que há maior preocupação na capacitação dos conselheiros que fiscalizam os atos do síndico, a cobrança por ética e transparência vai se tornando natural.”

Outra questão sempre preocupante nas assembleias diz respeito a gastos desnecessários que provocam grandes sangrias nas contas condominiais e forçam as malfadadas cotas extras para cobrir os rombos. Para blindar essa questão, nada mais indicado que um programa de compliance. “Podemos afirmar que um programa de compliance condominial consiste no conjunto de mecanismos e procedimentos internos, no âmbito de um Condomínio Edilício, de promoção da Conformidade, Ética, Integridade e Probidade por parte de todos os condôminos, moradores, colaboradores, fornecedores e prestadores de serviços, assim como dos integrantes de órgãos de gestão dos mesmos, sejam eles profissionais ou voluntários. Neste sentido, a instituição de um Programa de Compliance Condominial pode auxiliar na prevenção de gastos desnecessários, auxiliando nas tarefas de fiscalização dos conselheiros e dos próprios condôminos, utilizando-se, por exemplo, de um canal de denúncias para que fornecedores do condomínio possam levar ao Conselho a cobrança de propinas pelo síndico ou funcionários”, alerta.

Imóvel valorizado e custos reduzidos

Se pode haver resistência a um programa de compliance condominial, cabe lembrar que ele pode contribuir para a valorização do imóvel e a redução dos custos. “Programas de compliance sabiamente implementados em condomínios, que levem em consideração o porte, as peculiaridades e a capacidade econômica dos mesmos, podem, pela adequada aplicação de seus instrumentos como análise de riscos, canais de denúncias e duediligence condominial, aumentar a governança condominial diminuindo as despesas comuns. Cotas condominiais mais baratas tornam os imóveis mais atraentes para potenciais locatários e compradores, valorizando-os”, esclarece o advogado.

Ainda segundo ele, a princípio não há restrições para implantação de um programa de compliance em função do tamanho de condomínio. “É necessário levar em consideração o porte e a capacidade econômica do condomínio para que a relação de custo x benefício seja positiva.”

Luís Marin deixa claro que o principal ator dentro de um processo de compliance condominial é o síndico. “O síndico, como gestor dos recursos condominiais, e os conselheiros com atribuições consultivas e fiscais, são fundamentais. Na teoria do compliance, figura importante é o chamado ‘Compliance Officer’, profissional sobre o qual recaem as funções de promoção e fiscalização da conformidade e integridade.” Já dentre as principais práticas de um compliance condominial, ele destaca: “A análise dos riscos condominiais, a criação de códigos de conduta em adição à convenção e regulamentos internos, a instituição de canais de denúncia, quiçá sofisticando-se os vetustos ‘Livros de Reclamações’, e a implementação de robustos controles internos da gestão condominial”.

Quanto ao nível de investimento necessário para se implantar o compliance, o professor Luís Marin avalia que isso depende das peculiaridades de cada condomínio. Já em relação às tecnologias e aos programas aplicados ao processo, para ele é possível o aproveitamento de muitas já existentes no mercado de gestão condominial ou no mercado de produtos e serviços voltados para o compliance, tais como os softwares ERP, os canais de denúncia externos e os programas de “onboarding” de funcionários e fornecedores.

Regularidade e legalidade da gestão: um diferencial

Se o compliance é uma ferramenta valiosa para grandes empresas no Brasil e no exterior, adotada pela mais alta gestão dessas corporações, não restam dúvidas de que sua implementação na área condominial também trará vantagens perceptíveis por todos. “Um dos desafios dos gestores condominiais de alta performance e comprometidos com a realização de processos corretos e idôneos é de criar um ambiente de administração apto a demonstrar aos destinatários principais das atividades de gestão, nesse sentido, e especialmente, aos condôminos, de forma eficaz e transparente, o conjunto de ações relacionadas à gestão, sobretudo aquelas que envolvam aspectos financeiros, de modo a torná-los cientes de que a gestão caminha na senda da regularidade e da mais estrita legalidade.” Essa é a primeira análise de Vander Ferreira de Andrade, advogado criminal e especialista em Direito Condominial, mestre e doutor em Direito pela PUC-SP, pós-doutor pela Universita’ degli Studi di Messina (Itália), professor das Faculdades Legale (SP) e da Escola Superior de Direito de Goiânia, além de autor de diversas obras jurídicas, dentre elas a do “Manual do Síndico Profissional”.

VANDER ANDRADE

Há muito que se discutem no Brasil os prejuízos provocados pela corrupção à coletividade, algo que ocorre com certa frequência, não somente na administração pública, mas também em empresas privadas e até mesmo em condomínios. Nesse sentido, o professor Vander Andrade alerta que a Lei 12.846/2013, também conhecida como “Lei da Empresa Limpa”, veio reforçar a importância da criação de programas de integridade no setor público e privado, os programas de compliance. “Uma das características do programa de compliance em condomínios está intimamente associada à criação de um sistema de controle interno, por meio do qual se torna possível, de um lado, prever a ocorrência de situações de não conformidade, e, de outro, mitigar os riscos de danos ou de prejuízos à coletividade condominial. Assim, é necessário adotar medidas, metodologias, procedimentos e rotinas com vistas ao reexame dos atos de gestão, visando, sobretudo, a preservar a integridade do patrimônio comum e examinar a compatibilidade entre as ações desenvolvidas e as normas e os parâmetros preestabelecidos em procedimentos e políticas internas.”

Segundo ele, o síndico reduzirá as condições de vulnerabilidade do condomínio quando localizar, identificar e sanear eventuais desvios ou erros da gestão, e isso ocorrerá com a adoção de medidas de autotutela. “As ações de controle interno culminam por viabilizar um monitoramento e uma fiscalização mais aguda, com foco nos aspectos mais sensíveis da administração de recursos materiais e humanos, bem como com relação aos aspectos orçamentários e financeiros. Ademais, torna-se possível efetivar a observância dos procedimentos e das políticas próprias da gestão condominial, por meio da análise das movimentações e das transações financeiras, assim como do exame dos expedientes documentais, tanto físicos, como digitais”, pondera o advogado.

Código de conduta condominial

Outra ação de grande serventia para a implementação de um programa de compliance efetivo em condomínios, de acordo o professor Vander Andrade, é a criação de um código de conduta, um instrumento que não se confunde com a convenção ou o regimento interno, uma vez que possui no seu escopo a participação e o engajamento dos condôminos, moradores, empregados e terceirizados na busca de um ideal comum. “O objetivo é o estabelecimento de um ambiente cordial e harmônico de convivência, e a observância de um comportamento respeitoso, fundamentado em preceitos da probidade e da ética”, sugere.

Segundo ele, no código de conduta condominial devem constar os princípios observados no comportamento cotidiano, sendo que o exemplo deve partir da própria gestão: síndico e membros do conselho. “Isso porque um programa de compliance que não conte com o apoio dos órgãos diretores corre o risco de naufragar de imediato, haja vista a demonstração da ausência de legitimidade ou aquilo que os especialistas denominam de ’tone at the top’ (o exemplo que deve vir de cima)”, alerta.

Nesse sentido, explica o professor, o código de conduta condominial deve dar luz aos fundamentos que orientam as atividades de um condomínio, abordando assuntos como o reembolso de despesas, o relacionamento entre vizinhos, o recebimento de presentes pelos funcionários ou terceirizados, o dever de tolerância na convivência comum, o sigilo de dados sensíveis (como as imagens gravadas pelas câmeras de segurança, por exemplo), as formas de comunicação entre gestão e condôminos, preservando os direitos de personalidade de todos os atores do condomínio, bem como o uso do e-mail e da internet.

“Há também outros itens que podem ser inseridos no código de conduta condominial. Como o uso de informações relativas a moradores, os registros financeiros associados ao emprego da receita condominial, os índices de inadimplência e as pessoas dos inadimplentes, a participação nas assembleias dos inadimplentes ou de não moradores, a contratação e a demissão de funcionários, as condutas relacionadas à diversidade e às formas de discriminação e de preconceito, diretrizes relacionadas ao meio ambiente, observância da legislação aplicável aos condomínios, condutas relacionadas com a saúde, ao sossego, à segurança e à privacidade, o cumprimento das obrigações administrativas, fiscais, trabalhistas, tributárias e previdenciárias, dentre outras que possam dizer respeito à específica realidade condominial”, conclui.