Conflitos em alta, síndicos em apuros
Prolongamento da pandemia aumenta estresse entre vizinhos e desafia síndicos a manterem a harmonia e a ordem nas relações
SUSE PAULA DUARTE CRUZ
THIAGO NATALIO
No Estado de São Paulo, levantamento mostra que o número de brigas entre vizinhos cresceu 51,8% em dois anos. No último trimestre de 2020 foram 412 registros, que aumentaram para 625 no mesmo período do ano passado. As discussões em condomínios são causadas por todo tipo de motivo, desde o latido de cães e ruídos de obras até o uso de áreas comuns. Certamente, o impacto da pandemia e o isolamento social pesaram nesta realidade. O que síndicos podem fazer para que este recorde não seja novamente batido neste 2022, em que muitos ainda seguem no esquema de home office, isto é, mais tempo dentro de casa? Aposta em diálogo, muita negociação e a revisão de normas podem ser alternativas?
“Inicialmente, penso ser interessante notarmos que, quando indagadas da razão de escolherem residir num condomínio, a maioria das pessoas responde: segurança! Elas esquecem que, num condomínio, o que há antes da segurança ou qualquer outro benefício é o compartilha mento. É o espaço privado em convivência e compartilhamento com o espaço comum. Se partissem dessa premissa, talvez boa parte das desordens não existiria”, diz Suse Paula Duarte Cruz, advogada, consultora jurídica condominial e palestrante.
Para ela, é fato que os problemas de convivência sempre existiram, mas eles adquiriram outros formatos e, com a internet, o acesso à divulgação ficou muito mais intenso e permitiu a contagem do número de casos. A força da convivência em tempos pandêmicos fez aumentar os conflitos, pelo simples fato de que as pessoas se deram conta de que eram obrigadas a conviver e compartilhar o mesmo espaço. O que antes era feito em poucas horas do dia estendeu-se por meses e anos e fez com que a intolerância, o desrespeito e a falta de empatia viessem à tona de forma aguda.
“Isso revela a carência e afastamento de uns dos outros, fato agravado pela intensa permanência no mundo virtual, onde tudo parece perfeito. Quando a realidade pede calma e paciência, nos deparamos com demonstrações extremadas de descontrole e egoísmo. Essa situação evidencia que não estamos habituados a fazer coisas contra a nossa vontade e, portanto, a clara falta de inteligência emocional. Já repararam como as pessoas, atualmente, não suportam serem contestadas ou contrariadas? O quanto pensam apenas em si? Por isso o aumento dos conflitos. Pessoas não queriam estar confinadas e não aceitam que os seus vizinhos tenham comportamentos diferentes dos seus”, avalia.
Suse Paula conta que soube de casos de condôminos que insistiram em fazer reformas estéticas enquanto seus vizinhos trabalhavam. Crianças descontroladas sob os cuidados de pais igualmente descontrolados. E quem ficou no meio desse caos? Os síndicos! Tarefa árdua é gerir condomínios, e mais árdua ainda é gerir emoções e vaidades das pessoas. “Creio que o caminho seja a educação, inclua-se nela também a emocional. Não raros são os casos de condôminos que são advertidos e multados e continuam praticando atos antissociais, pois têm condições financeiras de arcar com as multas”, lamenta nossa entrevistada. Parece óbvio que a questão vai muito além do desrespeito às regras de convivência previstas nos regimentos internos.
“Certa vez, descobri que filhos de alguns condôminos estudavam no mesmo colégio. Coloquei os pais em contato e eles passaram a realizar rodízios para levar e buscar as crianças na escola. Isso gerou redução de custos, de tempo e aproximou os vizinhos. Atividades que permitam que os condôminos se conheçam e interajam entre si – hortas e jardins comunitários, jogos e brincadeiras, ou mesmo o rodízio no ato de levar os filhos à escola – podem trazer mais convívio, criar vínculos, para que os moradores aprendam a compartilhar. Afinal, essa é a ideia básica de um condomínio”, resume Suse, autora do livro ‘Respostas às 120 dúvidas mais frequentes em matéria condominial’ e de diversos artigos.
Compreensão de todos é importante
Sócio da Natalio de Souza Sociedade de Advogados, Thiago Natalio é professor, articulista e palestrante, além de consultor na área condominial e um dos autores do livro ‘Direito Condominial Contemporâneo’. “Já era esperado que o isolamento decorrente da pandemia acarretaria um aumento significativo dos conflitos. Quando falamos sobre as medidas que podem ser adotadas pelos síndicos, passamos, primeiro, pela conscientização dos condôminos sobre o momento que estamos passando. Precisamos deixar claro que a Covid-19 ainda não acabou. É muito importante que a comunidade entenda o momento delicado pelo qual ainda estamos passando, e que exige de todos nós uma compreensão maior.”
O especialista defende que essa ‘conscientização’ seja transmitida por todo meio possível de comunicação, seja por carta física, e-mail, grupos de WhatsApp, site do condomínio, aplicativo, quadro de avisos ou painéis eletrônicos nos elevadores. “Junto com esse aviso, temos que manifestar algo relacionado à empatia, ou seja, conduzir o condômino a sempre se colocar na posição do outro. Isso certamente ajudará a ter maior compreensão sobre os conflitos que podem acontecer e a tolerância que temos que ter. Assim, teremos o exercício de entender que alguém pode estar se incomodando com o que estamos fazendo e, do contrário, quando nos depararmos com uma situação que nos gera perturbação do sossego, lembraremos que devemos ser mais tolerantes”, afirma ele, que faz ainda outra ponderação.
“Os próprios gestores dos condomínios precisam praticar a empatia. Isso significa dizer que não devemos agir com excesso de rigor na aplicação das advertências, o que não quer dizer que os síndicos devem deixar a baderna se instalar. Quanto à aplicação das multas, essas, sem dúvida, poderão ser lançadas. Mas a ideia é não chegar a esse ponto. Daí a fortificação dos comunicados lembrando da conscientização dos condôminos, da empatia e assim por diante. Ainda de forma antecedente à multa, que deve ser o último recurso, é prudente que se envie uma advertência”, aconselha.
“Alguns falam sobre a modificação do regulamento interno, algo que necessita de ampla discussão e aprovação em assembleia. Com exceções à parte, não vejo essa necessidade, pois o próprio Código Civil já trata dos assuntos que disciplinam a aplicação das advertências e multas, no artigo 1.336, ao afirmar que ‘são deveres do condômino: dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes’. Fica claro pelo próprio artigo que é possível a aplicação de advertências ou multas”, conclui.