Correspondências: todo cuidado no gerenciamento para evitar problemas
Correspondência judicial é sempre uma preocupação para a gestão. Saiba como agir e as melhores regras que devem ser adotadas no condomínio
MELINA LUNA E VALZIRA GONÇALVES DE SOUZA
Apesar de o mundo estar passando por uma progressiva digitalização dos processos e documentos, o que ocorre também com as correspondências, ainda assim, os condomínios recebem centenas, até milhares de correspondências todos os meses. Diante desse quadro, como gerenciar melhor a caixa de correios é algo muitas vezes desafiador para síndicos, gestores, porteiros e zeladores. E há ainda os casos extremamente importantes, como as correspondências judiciais. Diante da relevância do tema, a Revista dos Condomínios foi ouvir duas das maiores especialistas no assunto, as advogadas Valzira Souza, especialista em Direito Civil, Direito Condominial, pós-graduanda em LGPD, professora, colunista e membra da comissão nacional de Direito Condominial da ABA, e Melina Luna, pós-graduada em Processo Civil pela Ucam, especializada em Direito Imobiliário e Condominial, membra da Comissão de Direito Condominial da ABA/RJ e da Abami/RJ.
Sabemos que, sem rigoroso controle, as correspondências podem se tornar um problema nos tempos atuais. Seja pela lentidão da entrega das empresas responsáveis por esse serviço no Brasil, seja por quem as recebe.
Nesse sentido, a gestão do condomínio tem grande responsabilidade em atender de forma correta as necessidades dos moradores. Numa primeira análise, Valzira Souza reconhece que os condomínios necessitam ter uma gestão eficiente para a entrega de toda e qualquer correspondência dirigida às suas unidades em face da repercussão negativa que, eventualmente, possa ocorrer para um condômino que venha a deixar de receber a correspondência. Além disso, há a responsabilidade civil e até mesmo penal caso haja a violação de uma correspondência. “Nos termos do art. 22 da Lei 6.538/78, que regula os direitos e obrigações concernentes ao serviço postal no país, a entrega das correspondências nos edifícios poderá ser feita para qualquer um dos responsáveis, sejam os administradores, os gerentes, os porteiros, zeladores ou empregados, que responderão pelo seu extravio ou violação.” Segundo ela, o ideal é que o condomínio tenha um regramento específico do conhecimento de todos os colaboradores sobre as rotinas dessa atividade.
Melina Luna reforça que o condomínio possui um papel muito relevante nessa etapa tendo em vista que é o responsável pelo recebimento e guarda das correspondências endereçadas às unidades autônomas até a sua efetiva entrega aos destinatários. Além do artigo 22 da Lei Postal nº 6.538/78, ela cita também o artigo 1.348, inciso V do Código Civil, que trata sobre a gestão dos serviços de interesse dos possuidores no que concerne à responsabilidade após a entrega de correspondência na portaria. “O procedimento interno a ser adotado pelo condomínio deve guardar um bom controle e agilidade. Assim, a gestão das encomendas e correspondências deve incluir a sua separação para identificar eventuais devoluções ou incorreções, e as unidades a que se destinam e o registro, sob protocolo, para o então depósito nas caixas correspondentes ou, em alguns casos, a entrega em mãos”. Segundo ela, o controle deve incluir a anotação da data de recebimento e de eventual identificação ou registro do objeto com especial atenção para as cartas registradas e todas as correspondências entregues ao porteiro, também sob protocolo. “O condomínio deve promover um controle capaz de identificar o código de rastreio do objeto, a data de recebimento e a data de sua efetiva entrega ou retirada pelo destinatário, e, em último caso, o registro das tentativas de entrega, caso sejam infrutíferas”, alerta.
Correspondência judicial: como o condomínio deve proceder?
Um tipo de correspondência, em especial, é mais sensível de se lidar no ambiente dos condomínios edilícios, que é a correspondência judicial. A Revista dos Condomínios solicitou às especialistas que detalhassem esse tipo de correspondência e quais as suas tipificações. Valzira Souza explica que com a vigência do Código de Processo Civil de 2015 existe a previsão expressa em lei, considerando válidas as citações judiciais entregues pelos correios e recebidas pelos porteiros dos condomínios edilícios ou nos loteamentos com controle de acesso, o que na prática já vinha ocorrendo na Justiça do Trabalho, além de reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça. “A citação processual é o ato através do qual o réu, executado ou interessado, é convocado para fazer parte do processo e apresentar defesa, quando for o caso. Na prática, após a entrega da citação, o Aviso de Recebimento (AR) é juntado aos autos comprovando que a citação foi entregue e, nesse caso, é certificado que a citação foi válida, iniciando a contagem do prazo de defesa da parte demandada em juízo.”
Assim, caso o mandado de citação não seja entregue ao condômino, este poderá sofrer os efeitos da revelia e, consequentemente, o condomínio corre o risco de ser acionado em juízo pelo morador para ressarcir os prejuízos. “Não se pode esquecer, ademais das intimações judiciais enviadas pela via postal para dar ciência às partes acerca de um ato ou decisão no processo, ordenando que a pessoa intimada faça ou deixe de fazer o mesmo modo, merecem destaque as correspondências emanadas dos órgãos públicos que podem emitir extrajudicialmente notificações fiscais ou comunicados de multas com prazo de resposta”, alerta.
Melina Luna reforça que as correspondências são capazes de gerar efeitos e obrigações aos seus destinatários, inclusive de cunho patrimonial. “Neste sentido, de um modo geral, quanto aos tipos de correspondências judiciais, destacamos aqui a citação, que é o ato de convocar a parte para integrar uma lide processual, e a intimação, que objetiva dar conhecimento, aos interessados, sobre a prática de determinados atos processuais. O mandado judicial, por exemplo, embora seja uma correspondência mais utilizada entre as autoridades, geralmente demanda a prática de ato ou a realização de diligências, que podem vir a ocorrer dentro de um condomínio.” Ela destaca ainda que existem outras correspondências extrajudiciais e administrativas, que também são capazes de causar efeitos aos destinatários, como as notificações de autuação sobre multas, por exemplo, que podem ser emitidas por diversos órgãos, como: Detran, Receita Federal, agências reguladoras, dentre outros, ou até mesmo as notificações particulares, para dar conhecimento sobre assuntos que podem chegar às vias judiciais.
Diante do exposto, não resta dúvida sobre a responsabilidade dos condomínios pela entrega da correspondência judicial e, em caso de falhas no processo, o condomínio pode vir a ser penalizado se houver a comprovação de que a correspondência judicial foi recepcionada por preposto do condomínio e a mesma tenha extraviado ou a entrega tenha sido tardia. “Isso demonstra negligência e o dever de indenizar, caso seja comprovado prejuízo ao condômino”, explica Valzira, ao que a advogada Melina acrescenta que o ordenamento entende como válida a citação recebida pelo porteiro do endereço indicado, conforme o parágrafo 4º do artigo 248 e do artigo 274 do Código de Processo Civil. Segundo ela, caso a correspondência judicial seja apresentada, pessoalmente, por autoridade oficial, o porteiro poderá recusar o recebimento, caso o destinatário da correspondência esteja ausente, declarando tal fato de forma expressa e sob as penas da lei. “Além disso, quando reiterada a ausência do destinatário e houver controle de acesso no condomínio, nos termos do artigo 252 do CPC, será válida a intimação entregue ao responsável pela correspondência.
Assim, recomenda-se muito cuidado, pois há responsabilidade do condomínio sobre a guarda e entrega de correspondências e os erros neste procedimento, principalmente no que concerne às correspondências judiciais, se comprovados, podem resultar em diversos efeitos, como o dever de reparação moral e material em face do prejudicado”, avisa.
PENALIDADES
De acordo com Valzira Souza, o Código Civil brasileiro, ao tratar do tema da responsabilidade civil, traz expressamente o dever de reparação nos casos de ação, omissão ou negligência, quando comprovado o nexo causal entre a conduta do agente e o fato lesivo. Já o inciso III do Art. 932 prevê que são também responsáveis pela reparação civil o empregador por seus empregados e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele. “No caso concreto, isso quer dizer que o condomínio necessitará provar que entregou a correspondência judicial, sob pena de ter que indenizar o condômino destinatário pelos danos morais e materiais sofridos.”
Melina Luna destaca os artigos relacionados ao tema e aplica dos em decisões judiciais de casos concretos correlatos: “Artigos 186, 927 e 932, inciso III e 933 do Código Civil. Os citados dispositivos tratam da Responsabilidade Civil e do dever de reparação, como mencionado acima. Além destes, a depender da situação, também podemos destacar o que dispõe a nossa Constituição quanto à garantia sobre a inviolabilidade das correspondências e o direito à reparação, nos termos do artigo 5º, incisos X e XII da CRFB.”
PAPEL DO PORTEIRO
Já vimos a importância do tema e o quanto a correspondência judicial é importante para aquele que a precisa receber e, no caso dos condomínios, todo zelo e acuidade exigidos para a situação. Assim, quais seriam as principais orientações que porteiros devem ter nesse caso e como devem se portar diante de autoridades?
Para Valzira, o porteiro deve ter uma lista atualizada dos condôminos e devolver a correspondência nos casos de mudança ou ausência que impeça a entrega imediata da correspondência judicial. “É indispensável a entrega imediata da correspondência judicial, em mãos, devidamente protocolada com o número da AR, data de recebimento, o nome completo do destinatário, a sua assinatura com a data de recebimento. Mesmo no caso dos condomínios com portaria virtual com adesão aos lockers, ou armários inteligentes, não poderão prescindir do protocolo, pois esse é o meio de prova que aquele objeto chegou ao seu destinatário”, explica.
Melina lembra que os porteiros precisam manter a cordialidade e, ainda que solicitado, não devem tentar ocultar o morador, nem apresentar resistência ao Oficial de Justiça no cumprimento de seu ofício, o que pode inclusive resultar em crime de desobediência. “Assim, o porteiro deve, incialmente, contatar os destinatários para o recebimento direto de correspondência desta natureza; declarar, sob as penas da lei, a ausência do morador e recusar o seu recebimento, se for o caso; e, se vier a prestar o recebimento, dar imediato conhecimento ao destinatário ou, na ausência deste, ao gestor do condomínio sobre todo o ocorrido, para que entre em contato com o interessado”, informa.
Ela acrescenta outro ponto importante, a discrição: “Cabe ressaltar ainda a necessidade de discrição sobre o assunto, a fim de preservar o destinatário diante dos demais moradores e empregados, evitando eventual exposição sobre o tema, que possa resultar em constrangimento.”
PAPEL DO SÍNDICO
Se o porteiro é o primeiro a ter de lidar com a situação da correspondência judicial, o síndico não tem menos responsabilidade no gerenciamento do processo, até porque o Código Civil atribui a ele o dever de zelar pela prestação dos serviços que interessam aos destinatários, segundo Valzira: “Como responsável pela administração, ele não pode se descuidar e deve estar atento ao treinamento e aperfeiçoamento constante dos colaboradores que deverão cumprir as regras impostas para evitar as implicações prejudiciais à coletividade condominial. Outra questão que não pode ser esquecida é quanto à segurança no manuseio, uma vez que a violação de correspondência é crime tipificado no art. 151 do Código Penal.”
Melina reiterou que cabe ao síndico orientar e supervisionar os seus colaboradores, a fim de assegurar que as correspondências cheguem aos seus destinatários dentro do prazo e os devidos registros. “Desse mesmo modo, caso a correspondência judicial seja dirigida ao próprio condomínio, também incumbe ao síndico dar imediato conhecimento aos condôminos, como dispõe o artigo 1.348, inciso III do Código Civil. Cabe ressaltar que o síndico deve cumprir e fazer cumprir o Regimento e a Convenção do Condomínio e, se necessário, promover a alteração ou adequação de normas internas, a fim de padronizar e otimizar a gestão dessas correspondências. A necessidade de regulamentação privada e do registro de protocolo vão muito além de um mero controle, pois, como já observamos, em juízo se revelam como provas fundamentais para avaliação de atribuição das responsabilidades e dos eventuais prejuízos.
CASOS
Existem vários casos de condomínios que foram responsabilizados em virtude do extravio de correspondência judicial. Valzira lembra que recentemente houve a repercussão de um caso no Distrito Federal em que o condomínio foi condenado a indenizar um morador em R$ 15.900,00 por não ter recebido a citação de uma ação movida contra ele no Tribunal Regional do Trabalho
Já Melina lembra casos de imputação ou ausência de responsabilidade ao condomínio que resultam, na grande maioria, da existência de provas como o registro de protocolo e, em alguns casos, do registro das câmeras de vigilância, para afastar ou comprovar eventual extravio ou violação de correspondências. “Já observei casos em que o condomínio comprovadamente causou prejuízo ao destinatário, por entrega intempestiva e, até mesmo, no caso de violação. Dessa forma, quando bem-sucedida, o condomínio possui em seu poder os registros da entrega, ou ainda das tentativas de contato com o destinatário, caso o mesmo esteja ausente por algum período, o que pode afastar tais acusações. Apenas como ilustração, embora não fosse uma correspondência judicial, a ausência de prova da coleta de protocolo da convocação de assembleia, em âmbito jurídico, é capaz de resultar na nulidade de terminadas decisões do condomínio.”.
CAIXAS DE CORREIOS
Além da correspondência judicial, existem muitas outras correspondências que precisam ser destinadas aos devidos moradores. Assim, será que existe uma forma de melhor gerenciar as caixas de correios dos condomínios? Segundo Valzira Souza, independentemente do tamanho do condomínio ou da sua destinação, deve haver regras próprias e muito claras de recepção e entrega das correspondências com a obrigatoriedade de cumprimento pelos porteiros. “Atualmente é comum que os empreendimentos de grande porte tenham uma logística de separação e distribuição em local separado, com um encarregado destinado especificamente para essa função e a utilização de recursos tecnológicos de aviso de correspondência”, indica.
Melina Luna, por sua vez, aponta o crescimento do mercado de comércio eletrônico, com consequentemente aumento do volume de entrega de mercadorias. “Assim, é necessário que o condomínio se adeque a essa realidade, promovendo, se for o caso, a adaptação e o redimensionamento de suas caixas privativas ou a eventual disponibilização de um local para guarda temporária, a depender da sua estrutura física, mas sem perder de vista a necessidade da regulamentação das normas e procedimentos sobre a forma de acondicionamento e encaminhamento das correspondências, seja por seu Regimento Inter no, seja em uma assembleia. No mercado, existem empresas que oferecem sistemas de automação e controle de correspondências direcionados para condomínios residenciais e comerciais, o que, a depender do tamanho e do número de unidades habitacionais, pode ser uma boa alternativa para facilitar esse gerenciamento”, orienta.
Outra coisa que incomoda os moradores é a propaganda de panfletos gratuitos colocados indiscriminadamente nas caixas de correios dos moradores. “Essa é uma situação delicada, panfletos, cartões de visita, não devem ser colocados nas bancadas do porteiro, o ideal é que haja uma previsão sobre o tema no regimento interno”, analisa Valzira. Com o que concorda Melina, entendendo que isso implica também na questão de segurança, quando se permite o ingresso do divulgador para o depósito de panfletos. “A questão realmente incomoda alguns moradores, que não querem sua caixa cheia de propagandas. Observei alguns casos em que os condomínios permitem o recebimento pelos porteiros, e os panfletos ficam à disposição para retirada, pelos interessados, na portaria, ou em outro local determinado, sem o depósito direto nas caixas de correio, o que pode vir a ser uma alternativa. Para os domínios que possuem caixas direcionadas para a via pública, destaco ainda que existem leis municipais que regulamentam tal prática, sendo os excessos e determinados casos passíveis de aplicação de multa, aos responsáveis emitentes.”
CAPACITAÇÃO
Diante de tudo o que vimos até aqui neste rico material orientativo fornecido pelas advogadas e especialistas Valzira Souza e Melina Luna, fica claro que é importantíssimo que seja feita a capacitação necessária dos porteiros, zeladores e demais prepostos responsáveis pelas atividades de correspondências nos condomínios, isso sem falar também no atendimento ao público externo, visitantes e o controle da portaria.
Muitas vezes os gestores condominiais não percebem que questões aparentemente simples e que fazem parte da rotina do porteiro demandam capacitação, já que a portaria também funciona como meio de controle de acesso de novos moradores, prestadores de serviços, encomendas e visitantes e até mesmo golpistas que tentam adentrar as unidades simulando que são agentes públicos, pesquisadores etc. Os funcionários de portaria, quer sejam eles contratados ou terceirizados precisam de treinamento para o enfrentamento de situações que exigem conhecimento e preparo, inclusive nos casos de violência doméstica. Igualmente, merecem especial atenção o atendimento aos oficiais de Justiça que precisam fazer pessoalmente citações, penhoras, arrestos, prisões e demais diligências que fazem parte do seu ofício”, avalia Valzira.
“Os porteiros devem ser capacitados por treinamento específico prestado pela gestão, seja pela realização de cursos direcionados à prática dessa atividade, promovidos por diversas empresas, instituições e sindicatos relacionados à habitação. Cabe ressaltar que a cordialidade dos envolvidos no processo sempre deve ser observada, tanto pelos porteiros como pelos moradores e pelo público externo em geral, visando à segurança e ao bom convívio social. Os porteiros e prepostos do síndico devem ter conhecimento das normas internas do condomínio, a fim de cumpri-las e prestar a orientação aos moradores, prestadores de serviço, e aos visitantes”, explica Melina.
Para concluir, Valzira Souza lembra que o protocolo de gestão de correspondências contém nomes protegidos pela Lei Geral de Proteção de Dados e, portanto, devem estar em conformidade com as exigências da lei.
Já Melina Luna destaca a cautela que os condomínios sem porteiro devem ter no recebimento de correspondências. “Já observei casos em que a entrega era direcionada, informalmente, a um imóvel vizinho ou estabelecimento próximo, sem relação condominial. Tal prática pode ser muito arriscada diante das responsabilidades citadas”, pontua, acrescentando a necessidade de os condomínios terem regulamentação para devoluções, coleta de mercadorias, troca ou desistência de compra do morador. “A portaria será autorizada a promover a devolução? Ficará responsável pela coleta e guarda do protocolo? Acho importante que esta reflexão seja debatida em assembleia”, conclui.