Inadimplência, da prevenção à solução

Problema tira o sono de muitos síndicos e prejudica a coletividade condominial

RAPHAEL GAMA

De volta à pauta, o tema inadimplência é um assunto que afeta síndicos, condôminos e a própria coletividade, em geral. Para essa nova abordagem, fomos ouvir o especialista Raphael Gama, gerente jurídico da administradora de condomínios Estasa Soluções Imobiliárias e sócio titular do escritório RG Luz Advogados. “Manter a pontualidade dos recebimentos e o controle da inadimplência em patamares dentro do que fora estimado na previsão orçamentária de cada condomínio dependerá de um esforço e atuação preventiva pelo síndico e/ ou gestores. As campanhas e circulares internas são fundamentais no sentido de demonstrar a necessidade do recebimento pontual do rateio das despesas comuns, o que resulta em um fluxo de caixa saudável que possibilitará o cumprimento de todas as obrigações mensais do condomínio e até na manutenção do valor atual da cota”, afirma.

Assim, conta nosso entrevistado, fornecer de forma clara e contínua as informações sobre o status das receitas e despesas aos moradores se revela uma prática positiva para toda a comunidade. Além disso, o cadastro dos proprietários e moradores deve estar atualizado, contendo endereço de e-mail e números de telefone que possibilitará um rápido acionamento do condômino ou morador em caso de atraso inicial, entre sete a 15 dias. Sendo fundamental nesses casos o envio de uma carta, comunicado e/ou contato formal com lembrete do vencimento da cota condominial. Segundo ele, o gestor que atua proativamente junto a seu jurídico, advogado ou empresa de cobrança, buscando soluções de acordo com a situação e o porte condomínio, colocando em prática todas as medidas criativas e legais, terá muito mais chances de obter resultados positivos nessa equação.

“Combater a inadimplência exige muito envolvimento e acompanhamento dos síndicos e gestores condominiais. Muitos defendem a ideia de que o teto para cobrança dos encargos previstos no Código Civil seria um desestímulo para a pontualidade, pois, na grande maioria dos condomínios, aplica-se o limite de 1% de juros e 2% de multa conforme estipula o artigo 1.336, I, parágrafo 1º do Código, além da correção monetária e dos honorários advocatícios. Desta forma, quando comparados com os encargos previstos no atraso da fatura dos cartões de crédito, por exemplo, estes não são tão expressivos. Neste contexto, vale destacar que o mesmo artigo permite que as convenções determinem juros acima de 1% ao mês”, pontua.

Pós-graduado em Direito Imobiliário pela Mackenzie Rio, e em Responsabilidade Civil e Direito do Consumidor pela Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj), especialista em Direito Condominial e Imobiliário e membro da Comissão Estadual de Direito Condominial da Associação Brasileira de Advogados (ABA-RJ), Raphael Gama lembra que alguns condomínios utilizam a prática da concessão de desconto em casos de pagamentos dentro da data de vencimento da cota. Contudo, tal prática possui entendimentos como indevida, já que essa concessão configura dupla penalização ao condômino inadimplente, uma vez que o pune tanto com acréscimo pela perda de desconto quanto com a cumulação com multa e aplicação de juros sobre a taxa condominial. Dessa forma, ocorre o chamado ‘bis in idem’, quando uma pessoa sofre a repetição de uma sanção sobre o mesmo fato, o que é vedado e ilegal.

Um condomínio atuante e que inicia os processos judiciais de cobrança dos casos mais agudos, após esgotadas as tentativas de negociação, deixa um alerta aos demais condôminos; de que a gestão atua com rigor contra os inadimplentes. Assim, o condômino saberá que, caso ocorra atraso, o desdobramento resultará não apenas na penalidade dos encargos prevista na convenção, como também na imediata propositura da ação judicial com acréscimos de custas e honorários advocatícios. Cabe ressaltar que a lei não estabelece um prazo ou número mínimo de cotas para iniciar um processo de cobrança, bastando o mero inadimplemento que o ajuizamento já se encontra possível. Mas é claro que, na prática, o comum será o acúmulo de três ou mais cotas ou que o vencimento ultrapasse em torno de 90 dias, sem qualquer resultado ou sendo infrutífera a negociação na etapa extrajudicial.”

Outro ponto importante, que deve ser destacado, será a possibilidade, no mesmo processo de cobrança, da inclusão junto ao SPC e Serasa do CPF do proprietário do imóvel, conforme previsto no artigo 782, parágrafo 3º do Código de Processo Civil, mediante requerimento direcionado ao juiz da causa. “Mas, antes do ajuizamento, na etapa extrajudicial, é de suma importância provocar uma negociação do débito através de contato com o proprietário ou seus representantes. Estabelecer encontros e propiciar um ambiente favorável ao diálogo é prática que nunca sai de moda. Outra medida seria o protesto do título (boleto da cota condominial) junto aos cartórios de protesto”, resume Raphael Gama. Ele ainda ressalta que, em alguns estados, por exemplo, Minas Gerais, o protesto é gratuito. Assim, pode ser essa uma medida interessante e sem custos no combate à inadimplência.

“É claro que os aspectos humanos e sociais deverão estar sempre presentes e devem ser considerados na análise de cada caso, como o perfil daquele inadimplente e as causas possíveis, como a perda de emprego, diminuição da renda, o falecimento da pessoa que custeava as despesas daquele lar, questões de saúde e/ou a incapacidade de trabalho. Em cada caso, isso deverá ser considerado na proposta de renegociação, desde que benéfica para ambos os lados. Recomendável, ainda, caso o condomínio esteja enfrentando elevados índices, uma autorização prévia ao síndico, atribuindo-lhe uma alçada de negociação e parcelamentos aprovados em assembleia, para concessão/ redução criteriosa de encargos. Ressaltando-se que o síndico isoladamente não possui legitimidade em conceder descontos. Propostas para situações mais complexas devem ser discutidas junto ao conselho e levadas para a assembleia. Lembrando que o inadimplente jamais deve ser exposto, sob pena de condenação do condomínio por danos morais perante a Justiça”, resume.