Medidas de um pacote anti-inadimplência
Especialista traça plano e mostra possibilidades de atuação para evitar e combater esse mal que pode arruinar as finanças dos condomínios
ANDRÉA GONÇALVES
Ela é um dos maiores desafios da gestão de um condomínio. Costuma tirar o sono dos síndicos e provocar estresse na comunidade condominial. Estamos falando, é claro, da inadimplência. O melhor caminho a ser trilhado é tomar atitudes que evitem esse problema, que, além de desequilibrar as contas, tem a capacidade de interferir negativamente na vida dos outros condôminos. Então, quais as medidas para evitar ao máximo esse atraso, sabendo que muitos brasileiros perderam seus empregos ou passam por graves restrições orçamentárias? Uma vez instalado, o que o síndico pode fazer para tentar solucionar o problema? E o que ele não pode fazer?
“Existem muitas maneiras de se combater a inadimplência. A primeira delas, talvez, seja a mais importante: a plena conscientização maciça dos moradores sobre a finalidade desse pagamento mensal e obrigatório. Por vezes, a apresentação de uma planilha orçamentária não é o suficiente para garantir esse aculturamento, tornando-se necessária a atuação do gestor de maneira a explicitar que questões menores e quase que desapercebidas do cotidiano somente são possíveis graças à arrecadação da cota de rateio”, sustenta Andréa Gonçalves, advogada e sócia do escritório Andréa Teixeira Gonçalves Sociedade Individual, com 20 anos de atuação na área imobiliária e condominial.
Assim, falar do óbvio, notório, se faz necessário nesses momentos. A disponibilidade de serviços como portaria, limpeza, iluminação, o ‘básico do básico’, precisa ser evidenciada e até valorizada. Nada se paga sozinho ou por um passe de mágica; depende da contribuição e do aporte de cada coproprietário para manutenção da coisa que é comum. Aqui, segundo a nossa entrevistada, vale a máxima: entendeu ou precisa desenhar?
“Mesmo naqueles empreendimentos de menor porte, que não contam com áreas de lazer como piscinas, quadra, academias e demais itens, é preciso haver a conscientização da necessidade de manter os serviços essenciais em dia, sob pena de suspensão ou mitigação dos mesmos. Vale, também, em todos os casos e portes de condomínios, conscientizar sobre os encargos previstos em lei e na convenção que incidirão sobre o valor inadimplido, e da impossibilidade de renúncia ou exclusão dos mesmos quando da cobrança de uma eventual dívida consolidada”, alerta Andréa Gonçalves.
Cumprida essa primeira etapa da conscientização, compete ao gestor conhecer de forma individualizada cada coabitante da massa condominial. Manter o cadastro de moradores atualizado, identificando de forma precisa a pessoa legitimada a promover o pagamento, e por consequência, legitimada a sofrer eventuais cobranças das cotas de rateio não quitadas, é o segundo passo mais importante. O controle cadastral viabilizará a efetividade das cobranças a serem encaminhadas à assessoria jurídica do condomínio, para fins de citação e intimações decorrentes do processo de execução ou de ação de cobrança, sendo obrigação do condomínio fornecer os dados para o devido e regular processamento do feito em âmbito judicial ou extrajudicial.
“Compete ao gestor promover a cobrança das cotas de rateio inadimplidas de forma efetiva e ágil. E, para isso, o síndico precisa conhecer o perfil dos inadimplentes, reconhecer as dificuldades pontuais de alguns e até identificar características próprias de um devedor contumaz. Com essas informações, a adoção de estratégias para a recuperação desses créditos tende a ser mais exitosa. O primeiro contato ou tentativa de composição deve partir da própria gestão condominial, e a composição extrajudicial deve ser estimulada por demonstrar-se mais eficaz na resolução desse tipo de demanda, que tende a se resolver com a formalização de ajustes que garantam não só a recuperação do valor devido, mas evitem a ocorrência de novas impontualidades dali por diante”, complementa.
Inadimplência pode gerar mais inadimplência
A atuação da assessoria administrava ou jurídica deve ser rápida. O acúmulo de muitas cotas ou a atuação tardia da cobrança pode inviabilizar resolução do problema e, ainda, fomentar a inadimplência por parte de outros condôminos. Adota-se como prazo máximo para judicialização o prazo de 60 dias após o vencimento, período em que as medidas administrativas podem e devem ser adotadas para a recuperação do crédito. Não sendo possível a recuperação extrajudicial no prazo sugerido, o síndico deve promover as ações pertinentes, com a possibilidade, inclusive, de utilizar-se da ação executiva por tratar-se a cota condominial de título executivo extrajudicial, na forma disposta no inciso X do art. 784 do Código de Processo Civil, mediante a contratação de advogado especializado.
“Alguns parâmetros podem ser definidos para posterior composição, após a judicialização da cobrança. No entanto, não consideramos prudente o engessamento de regras, seja pela gestão, seja pela própria assembleia geral de condôminos. Definição de número ou valor mínimo de parcelas deve apenas nortear o procedimento a ser seguido, mas cada caso deve ser tratado com as suas peculiaridades próprias. Cada condomínio é um mundo, e cada condômino é um universo de possibilidades. Portanto, tudo deve ser conduzido de forma a resolver o problema de cada um de forma personalizada. Essa postura ajuda, e muito, no tratamento e na recuperação da inadimplência”, ressalta Andréa Gonçalves, que segue com suas orientações.
“É possível e não raro nos depararmos com dificuldades intransponíveis para composição de um determinado passivo consolidado. Nesses casos, a orientação é manter o curso do processo executivo, construindo precedentes de atenção no âmbito condominial quanto à dívida oriunda das cotas de rateio. O que vai possibilitar, em último caso, a penhora da unidade autônoma ainda que definida ou equiparada a um bem de família. Há, ainda, quem duvide desse desdobramento ou resultado, e a ocorrência de um caso concreto no local pode estimular a resolução de outras dívidas eventualmente existentes e que seguiriam a mesma sorte.”
Prazo de prescrição das cotas não pagas é de 5 anos
Síndica profissional, consultora, pós-graduada em Direito Processual Civil e pós-graduanda em Gestão e Direito Condominial, além de membro do Instituto de Desenvolvimento e Estudo do Direito Condominial (InDDIC), a especialista faz ainda outra observação importante, que diz respeito ao prazo de prescrição das cobranças das cotas inadimplidas. “Ele é de cinco anos, nos casos regidos pelo Código Civil, de 2002. Mais uma razão para que não se demore na adoção das medidas necessárias para a recuperação e tratamento da inadimplência, sob pena, inclusive, de o gestor responder por sua inércia.”
Há, ainda, a opção da utilização dos Centros de Arbitragem e Mediação como instrumento agregador para a recuperação de crédito. Com técnicas próprias de resolução do conflito e conferindo ao termo de ajuste força de título executivo extrajudicial, a Mediação ou a Arbitragem pode ser instrumento muito eficaz no ‘pacote anti-inadimplência’. Assim como a contratação das empresas que garantem a receita do condomínio por meio de contratos de cessão de direitos creditícios mediante pagamento de taxa administrativa de demais condições, para recebimento e garantia de créditos futuros. O acompanhamento da assessoria jurídica para formalização das cláusulas e condições assumidas é imprescindível.
“Nunca, em tempo algum, devem ser concedidos aos inadimplentes descontos dos encargos incidentes sobre as cotas não pagas, sejam aqueles previstos em lei ou na convenção. A maioria das convenções dispõe sobre a aplicação dos juros e multa moratória, além dos honorários advocatícios em caso de cobrança judicial. E, mesmo que houvesse alteração dessa convenção com a observância do quórum qualificado, para possibilitar tal abatimento, o Código Civil impõe/obriga a aplicação desses encargos aos inadimplentes, na forma disposta no §1º do art. 1.336: o condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de 1% ao mês e multa de até 2% sobre o débito.”
“Nesse cenário, a padronização é mesmo a melhor alternativa, e talvez seja mais pacífica do que simplesmente proibir, porque assim pode harmonizar o interesse dos proprietários em divulgar sua intenção de venda ou de locação do seu imóvel, de forma mais ágil, sem comprometer a segurança do condomínio e sem ocasionar danos visuais. Os condôminos podem vir a decidir o melhor formato das placas, assim como a sua tonalidade, fonte e o tempo de exposição do anúncio”, defende Daniel Fairbairn, membro da Comissão de Direito Condominial da Associação Brasileira de Advogados-RJ.
Em resumo, a atuação dos gestores condominiais capacitados, em harmonia e fina sintonia com qualificadas assessorias administrativa e jurídica, vai definir de maneira cabal o sucesso ou a ruína do combate a esse grande vilão chamado inadimplência. “Mas a chave-mestra sempre será a ação, de forma a conscientizar do dever do pagamento por parte dos condôminos, ou mesmo do dever da cobrança por parte dos síndicos, em caso de eventual inadimplemento”, conclui Andréa Gonçalves.