Pequenos e grandes furtos no condomínio: como tratar?
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om o aumento dos pequenos e grandes furtos em condomínios, nos grandes centros urbanos, tomamos a decisão de ouvir o especialista em segurança Elias de Godoy Suat, coronel da Polícia Militar de São Paulo. Ele foi ouvido por um repórter da Revista dos Condomínios para falar um pouco das experiências dele no setor e as formas de evitar situações de risco e cuidados que devem ser toma- dos por cada morador, síndico e no momento de implementar um projeto de segurança para o condomínio.
QUANDO O FURTO ENVOLVE VALORES MAIORES
Repórter da Revista dos Condomínios – Para começar e, ao mesmo tempo, descontrair um pouco, conte-nos um caso que teve que lidar de arrombamento de uma unidade residencial, por exemplo.
Coronel Elias – O ladrão estava morando no condomínio. Ninguém imaginaria. Ele monitorou a vizinha e, na ausência dela, uma senhora de idade, utilizou de um pé de cabra e entrou no apartamento. De lá retirou tudo o que tinha de valor. Para isso utilizou, inclusive, bolsas e malas da própria vítima.
Repórter da Revista dos Condomínios – E como se tornou possível identificar o criminoso e prendê-lo?
Coronel Elias – Durante a saída do local do crime. Uma vez na garagem, eles descarregaram os pertences da vítima no carro e, para isso, utilizaram, como comentei, as bolsas e malas retiradas do apartamento da vítima. As câmeras, presentes na garagem, gravaram as imagens da fuga. Daí em diante foi uma questão de tempo para localizar e prender os criminosos.
PEQUENOS FURTOS
Repórter da RDC – Mas esse tipo de crime não é o que mais ocorre, estou certo?
Coronel Elias – Correto. E o mais comum são os pequenos furtos. E a causa mais comum para esses furtos é a presença da droga. Se tiver a presença de um dependente é quase certo que teremos a presença do furto. Se o dependente químico, pessoa viciada em uma determinada droga, morar dentro de um condomínio, ele vai acabar realizando pequenos furtos para pagar o próprio vício. Ele inicia vendendo tudo que tem dentro de casa. Quando termina, ele passa a furtar dentro do condomínio. Aí, ele rouba capacho de porta. O que ele achar fácil ele furta. Bicicleta, skate. Qualquer objeto de valor ele vai furtar. Até que ele acaba entrando dentro dos apartamentos. Normalmente ocorre assim. Uma escalada na ousadia dos crimes.
Repórter da RDC – Qual a situação mais díspar, inusitada você já enfrentou na sua experiência de especialista em segurança dedicada a condomínios? Furtos de capacho como citou?
Coronel Elias – Veja, o mais simples e corriqueiro é o furto de pequenos objetos. Como o objeto mais comum, e presente em todos os andares é o capacho, é este objeto o mais furtado. Os autores desses furtos pegam os capachos das portas para vender e, desse modo, sustentar seus vícios em drogas. Há um tempo lidei com um caso em que o menino era viciado e a família não expunha a situação no condomínio: ‘ah, meu filho é viciado. Não, deixa quieto’. E começou a sumir capacho das portas. Até que na portaria, um dia, ele estava com uma bolsa, o pessoal abordou o menino e encontrou um monte de capacho dentro. Quando foram levantar ele estava vendendo cada um a uma fração mínima do preço de mercado para poder manter o vício dele. Infelizmente é o caso mais corriqueiro, mais simples.
Repórter da RDC – Além dos casos mais graves…
Coronel Elias – Sim, em que há o arrombamento das unidades, mesmo. O vizinho, criminoso, arromba para poder levar os objetos mais valiosos: joias, eletrônicos etc. Então, isso tudo acaba sendo uma dor de cabeça enorme.
Repórter da RDC – A tecnologia tornou a identificação e o controle mais fácil, também.
Coronel Elias – Antigamente, você só tinha câmera nos elevadores. E nas áreas de movimentação, nas escadas de emergência, halls, não tinha câmeras. Nos nossos projetos nós mudamos esse conceito. Todas essas áreas de circulação têm a presença de câmeras. Portanto, são monitoradas, gravadas. Então, tudo é monitorado. Onde as pessoas forem se movimentar vai ter uma maneira de você controlar e monitorar o deslocamento. Tem que ter, senão você vai ter surpresa direto.
Repórter da RDC – Claro que é importante que as câmeras grave mas imagens, porque nem sempre o porteiro vai estar atento. Ainda mais se pensarmos na quantidade de câmeras e ambientes monitorados.
Coronel Elias – Então, você tem que entender o seguinte, eu ouço muito isso: ‘ah, o porteiro não observou, o porteiro não viu. Vamos punir o porteiro’. Aí, nesse momento, eu digo: espera aí. A função do porteiro é controlar acesso. Ele não é operador do monitoramento. O pessoal acaba jogando um monte de função para o porteiro. Mas ele não tem condição de ficar acompanhando todas as câmeras e todo o tempo. Principalmente se a gente for considerar a rotina durante o dia. De noite vai haver maior possibilidade devido ao menor fluxo de moradores e serviço. Com isso, ele pode dedicar mais tempo para observar as câmeras. Mas durante o dia isso é difícil. Não adianta querer responsabilizar o porteiro. Isso é um grande engano.
Repórter da RDC – Correto. O que seria necessário, então, em termos de ajuste?
Coronel Elias – Tem que ajustar o processo de segurança de forma que haja a gravação. Todo o sistema CFTV não é um sistema completo se não estiver ocorrendo a gravação. Não adianta nada. E muitas ocorrências são solucionadas pós-evento.
OS ANÉIS DE PROTEÇÃO
Repórter da RDC – A segurança tem que possuir um projeto, confere?
Coronel Elias – Normalmente um condomínio tem cinco anéis de proteção, que são: perimetral, que tem de ser controlado, monitorado; as entradas, que são o anel principal de um condomínio horizontal (prédio), por onde ocorre a maioria das invasões. Seja a entrada de pedestre ou de veículos, elas têm que ser protegidas e monitoradas. É o ponto nevrálgico de toda a segurança; terceiro anel: a entrada das torres, no caso de um prédio. Uma pessoa acessa a torre. Então, ele vai acessar pela entrada de serviço ou social; a lateral, pelo salão de festas que dá acesso às torres do condomínio Tudo isso tem que estar monitorado e sem ponto cego de visibilidade de gravação e visualização de câmeras. Daí, quem acessar você tem condição de estar monitorando; no quarto anel temos as escadas de emergência e os elevadores. Como já disse: antiga- mente não tínhamos esse conceito de projeto de segurança onde as câmeras fossem previstas para além dos elevadores. E hoje se coloca nesses veículos, mas também nos halls e escadas. Pontos importantes, que oferecem um aumento substancial de segurança. Assim, você vai ter controle de quem está andando dentro do prédio; e o último anel: é o próprio apartamento da pessoa; a própria unidade do condômino.
O apartamento tem que ter também seu controle específico. Hoje se está utilizando muito câmeras dentro dos apartamentos. O proprietário implanta o sistema e fica o monitoramento todo disponível na tela do celular e em tempo real. E muitos ainda têm um sistema de alarme integrado. E é esse sistema que orientamos que seja projetado para os condomínios. Dessa forma vão possuir um monitoramento mais efetivo para poder minimizar a ação de criminosos. Não que vá impedir mas, com certeza, vai minimizar esses eventos e você terá como saber quem subiu, onde ele foi e o horário. No caso em exame, estamos tratando de condomínios horizontais (de edifícios). Mas os projetos de segurança podem ser desenvolvidos para qualquer tipo de edificação.
Repórter da RDC – Monitorar o deslocamento das pessoas que entram é muito importante, porque podem não ir para o local declarado…
Coronel Elias – Sim. Sabe o que esses infratores fazem e é muito comum? Sobem, por exemplo, para o décimo sexto andar. Está lá, marcado no display: 16. E aí, eles descem pelas escadas e vão cometer o furto. Tocam nos apartamentos e, aqueles que não atenderem ninguém, eles arrombam para praticar o furto. Pegam eletrônicos, principalmente, mas tudo de valor que tiver dentro da unidade.
A QUESTÃO DOS PRESTADORES DE SERVIÇO
Mas isso serve até para prestador de serviço que já vimos praticar ações como essa. E, principalmente, quando não tem ninguém. O prestador de serviço ainda tem uma vantagem: ele sabe quando o morador está ausente e, até, pode saber do tempo que ele estará ausente.
“Alguns moradores deixam a porta de seus apartamentos abertas acreditando que estão totalmente seguros. Um prestador, por exemplo, pode saber desse hábito e tirar vantagem dessa informação”
QUANDO OS MORADORES DEIXAM A PORTA DE SUAS UNIDADES ABERTAS
Alguns moradores deixam a porta de seus aparta- mentos abertas acreditando que estão totalmente seguros. Um prestador, por exemplo, pode saber desse hábito e tirar vantagem dessa informação. Então, a porta tem que estar fechada. Se possível ter uma câmera para poder controlar. Desse modo, você desestimula a ação do bandido. Por inibir a ação dele. Não é que você vá impedir, mas inibe. No caso relatado, em que o morador arrombou a porta da vizinha, não existia a presença de câmeras nos corredores, apenas nos elevadores. Eles subiram pelas escadas e utilizaram de um pé de cabra para arrombar a porta. Ninguém ouviu ou viu nada. Eles estavam com toucas ninja (também conhecida como balaclava) para tapar os rostos. Renderam a vizinha, uma senhora idosa; amarraram, amordaçaram e cometeram a subtração dos bens. A sorte foi o registro das câmeras de segurança da garagem que estavam funcionando e gravaram a saída dos criminosos utilizando as malas e sacolas da vítima. Essa é uma forma mais gravosa de crime, não resta a menor dúvida, com risco de ocorrência de uma violência física e mesmo de morte. Então, em resumo, um sistema de monitoramento é muito importante.
Repórter da Revista dos Condomínios – E essas ocorrências envolvem condomínios em todas as regiões, padrões econômicos e tamanhos de condomínios, correto?
Coronel Elias – Correto. É preciso dizer que esses pequenos furtos acontecem em todos os padrões econômicos, independente do tamanho do número de unidades ou outra característica qualquer em relação ao condomínio.
Repórter da Revista dos Condomínios – Já em relação a autoria desses pequenos furtos, o que é mais comum?
Coronel Elias – Também não tem uma regra. Pode ser um morador, um terceirizado prestador de serviço, um funcionário ou um entregador. Ou seja, a ocorrência é generalizada, distribuída entre diversos atores. Agora é possível dizer que o pequeno delito é o mais comum. E é uma situação difícil, porque fica um clima de desconfiança entre todos os que convivem no condomínio. Por conta vivem no condomínio. Por conta disso, a ambiência fica muito prejudicada.
Repórter da Revista dos Condomínios – E o furto não tem cara, né?
Coronel Elias – Exato. A diversidade de autores é total. Aí restam as fofocas de corredor. Os comentários, os olhares de desconfiança. Será que foi o prestador de serviço? O entregador? Quem abriu a porta para ele? Ele sempre entrega aqui? É muito ruim para todos.
Repórter da Revista dos Condomínios – E o que se precisa fazer, ter?
Coronel Elias – O que se precisa fazer? Normalmente, o que notamos, encontramos, é a necessidade de se implantar um serviço de controle mais eficiente. Um monitoramento mais efetivo para poder minimizar esse risco. Senão, se cai nessas situações e gerando uma desconfiança generalizada. Aí fica no quem é quem; ah, o vizinho tem tantos filhos e fora os netos; começa uma desconfiança enorme. E é algo que realmente leva preocupação para a gestão do condomínio. Acabou o sossego do condomínio. É uma situação delicada, porque envolve um clima desagradável e, eventualmente, pode escalar e ocasionar discussões e acusações. E, no limite, altercações e indisposições entre os moradores.
Repórter da RDC – Agora, para além das unidades dos condôminos, temos os bicicletários. O que você me diz da segurança em relação a essa área em específico?
Coronel Elias – Essa área virou uma febre em São Paulo. O número de ocorrências de arrombamento dos portões de garagem cresceu de maneira expressiva. Normalmente agem quatro ou cinco garotos. Eles levantam o portão da garagem os portões basculantes – aqueles que descem – ou tiram dos trilhos, os que dispõem desse sistema. Daí entram na área e vão até o bicicletário. Em seguida, arrombam e levam as bicicletas mais caras. É outro local que precisa ser monitorado. Assim, quem entrar lá você fica sabendo. Às vezes é o próprio morador. Ele pega a bicicleta mais cara coloca dentro do bagageiro e vai embora. É furto. Não tem jeito. Tenho acompanhado casos assim. Hoje em dia tem no mercado bicicletas caríssimas, o que eleva o interesse de alguns e tem provocado o número de furtos.
Contato
José Elias de Godoy
Oficial da PMESP é graduado pela Academia de Polícia Militar do Barro Branco – APMBB. Possui curso de em Gestão de Segurança Empresarial e Patrimonial – Universidade Anhembi Morumbi. É Bacharel em Direito – UNIBAN e pós-graduado em Planejamento Empresarial pela Universidade São Judas Tadeu – USJT e mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos em Segurança – CAES da Polícia Militar do Estado de São Paulo.