Risco de prejuízos com chuvas de verão

Para fugir desse risco é preciso ter atenção a ralos e tubulações de escoamento das águas fluviais, além de manter em dia o sistema de proteção contra as descargas elétricas dos raios

 
Gustavo Bihel

Elas trazem algum refresco, é bem verdade. Mas podem causar muitos estragos, como ocorreu no final de 2021 em diferentes regiões do país – com maior gravidade no sul da Bahia e no início de 2022, em Minas Gerais. As torrenciais chuvas de verão ocultam ainda riscos de descargas elétricas, sendo o Brasil o líder do ranking de maior incidência de raios. Verificação do estado geral de tubulações e bueiros, limpeza de calhas e ralos, impermeabilização das áreas externas e checagem dos para-raios. Quais cuidados devem ser tomados pelos condomínios nesta época do ano? Anote bem aí, para não deixar escapar nada…

“No período de chuvas devemos redobrar a atenção nos condomínios, principalmente em regiões onde há histórico de alagamentos e incidência de raios. Um dos grandes motivos dos alagamentos é a falta de manutenção das tubulações. Por estarem fora do alcance de vista, muitos síndicos acabam deixando-as de lado – e este é o grande problema. Elas podem trazer muitos problemas para o condomínio. Além do inconveniente do alagamento, podem causar acidentes até mesmo fatais”, alerta o engenheiro civil Gustavo Bihel, proprietário da Bihel Engenharia. Ele segue em suas ponderações.

“Todo prédio possui um sistema responsável pela captação e condução das águas de chuva para a rede pública de coleta. Esse sistema precisa estar em condições para funcionar de acordo como foi projetado. O aconselhável é, uma vez por mês, realizar a inspeção de ralos, calhas e galerias do condomínio e efetuar a limpeza, sempre que for necessário. Prédios antigos que possuem telhado não têm toda a área de sua laje de cobertura impermeabilizada, somente as calhas de chuva. E esse é um grande problema. Quando as calhas não estão com a manutenção em dia pode ocorrer o extravasamento de água, o que fará infiltrar nas lajes abaixo do telhado.

Gustavo Bihel explica que telhas, cordões, cumeeiras e ralos devem ser inspecionados também para evitar que fissuras e rachaduras permitam a entrada da chuva na estrutura. Outro fator muito importante é colocar grelhas hemisféricas nos ralos do telhado e lajes com difícil acesso. Assim, caso haja acúmulo de folhas, elas não bloquearão o fluxo d’água, evitando os alagamentos. No pavimento térreo, logo após o fim da tubulação de águas pluviais, se localizam as caixas de areia ou de retenção, que são responsáveis por acumular todo sedimento fino que é carreado com o vento para o telhado e acaba descendo com a água pela tubulação. A caixa de areia também deve ser mantida limpa, para evitar que a tubulação de águas pluviais fique assoreada ou que venha a despejar resíduos na rede pública.

“Se no logradouro onde está localizado o seu condomínio há histórico de alagamentos é aconselhável cobrar do poder público municipal a limpeza das galerias, bueiros e ralos sempre, principalmente após grandes chuvas, que tendem a carrear materiais sólidos para as galerias. Da mesma maneira que devemos nos preocupar com as águas, temos que ficar atentos ao Sistema de Proteção contra Descargas Atmosféricas, o famoso SPDA, projetado conforme as diretrizes da NBR 5419. Este sistema é responsável por descarregar a energia do raio para fora da construção. Se não estiver funcional, pode até gerar trincas e rachaduras”, aponta nosso entrevistado.

Infelizmente, não há dispositivos ou métodos capazes de modificar os fenômenos climáticos a ponto de eliminar a ocorrência de raios. E a norma técnica citada por Gustavo estabelece as diretrizes para projetar, construir e manter um sistema de proteção capaz de eliminar os efeitos de uma descarga atmosférica. “Quando atingido, o prédio pode sofrer danos à estrutura, sistemas ou até mesmo aos seus moradores, em alguns casos causando óbito. Todo SPDA é composto por dois subsistemas, externo e interno. O subsistema externo é responsável direto por interceptar a descarga atmosférica para a estrutura, conduzi-la para o solo de maneira segura, dispersando-a. Já o interno é responsável por reduzir os riscos com centelhamentos perigosos na interceptação da descarga, utilizando ligações equipotenciais e distâncias seguras entre os componentes do SPDA externo e outros elementos condutores de eletricidade da estrutura”, afirma.

Importante ressaltar que, se a edificação possui mais de 30 metros de altura ou se for uma instalação industrial/comercial, precisa ter o SPDA. Mas como saber se o SPDA do seu prédio está funcionando? As edificações que possuem o SPDA devem realizar, a cada três anos, no caso dos edifícios residenciais, uma inspeção conduzida por profissional habilitado e capacitado pelo Crea. “E sempre que houver modificações na construção que impactem o sistema deverá ser feito um novo laudo para avaliar se o SPDA ainda mantém suas funcionalidades. Exemplo: colocação de antenas de telefonia na cobertura, reposicionamento de antenas de TV/satélite e construção de tubulações nas fachadas da edificação. Em casos negativos, deverá então ser feita a adequação pertinente”.

Segundo ele, durante as inspeções, o engenheiro deverá checar se há deterioração e corrosão dos captores, condutores de descida e conexões, a condição de equipotencialização do sistema, corrosões dos eletrodos de aterramento e verificar a continuidade elétrica do SPDA. Após a realização da inspeção, o profissional deverá apresentar um laudo com a Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), atestando a funcionalidade do SPDA, que deve possuir suas cordoalhas (cabo de cobre) de descida esticadas e isoladas da edificação para o funcionamento correto.

Gilberto Terzi

Desconhecimento e desleixo

Engenheiro mecânico, gestor e síndico profissional, Gilber Terzi complementa a análises. “O SPDA está presente em diversos tipos de edificações. Porém, em condomínios residenciais, costuma ser muito negligenciado, tanto pelos condôminos quanto pelos síndicos. Por conta de sua estrutura principal, geralmente, ser instalada nos topos e terraços dos edifícios, que são áreas técnicas pouco visíveis e não habitadas, as pessoas acabam se esquecendo que este sistema existe ou ignoram sua função e importância. No entanto, é fundamental que ele esteja dentro dos parâmetros técnicos normativos e passe pela manutenção periódica prevista, de forma a garantir seu perfeito funcionamento”, reforça.

Terzi, que é proprietário da empresa GFT Gestão e Consultoria Condominial, apresenta os dois tipos de sistema existentes. “Há dois modelos mais comuns de SPDA: o tipo Franklin, que possui aquele mastro captor comumente chamado de para-raios, e o tipo Gaiola Faraday, que possui vários captores distribuídos e interligados a uma malha que envolve toda a edificação, daí o nome ‘gaiola’. Basicamente, esses captores instalados no topo dos edifícios (em alguns casos também nas laterais) servem para captar as descargas atmosféricas provenientes dos raios em dias de tempestades, muito comuns no verão, conduzindo essa energia por um caminho seguro, através de estruturas condutoras de eletricidade chamadas de malhas de descida, até uma outra malha e hastes de aterramento que ficam no solo, pelo qual essa energia se dissipa de forma segura”, descreve.

É grande a lista de possíveis prejuízos diante do mau funcionamento do sistema de proteção. Danos térmicos e estruturais de fachadas e empenas; centelhamentos que podem gerar fogo e explosões; e pane dos sistemas e equipamentos da edificação, como placas eletrônicas, portões elétricos, câmeras e alarmes, que podem queimar. Moradores e animais que estejam circulando nas dependências durante a incidência dessas descargas atmosféricas podem ser atingidos direta ou indiretamente. Sem um SPDA funcionando perfeitamente, essas descargas também podem buscar caminho pela rede elétrica do edifício, danificando inclusive os aparelhos domésticos dos apartamentos privados.

A Norma Regulamentadora NR-10 – Segurança e Instalações e Serviços em Eletricidade determina que os estabelecimentos com carga instalada superior a 75 kW devem constituir e manter um Prontuário de Instalações Elétricas, dentre elas a documentação das inspeções e medições do SPDA e aterramentos elétricos, tornando obrigatório o sistema nas edificações que se enquadram em tal requisito. Atualmente, a norma que trata dos SPDA é a ABNT NBR 5419:2015 (Erratas 2018) – Proteção contra descargas atmosféricas, que é dividida em quatro partes. A mais importante para a maioria dos síndicos e gestores prediais é a ‘Parte 3: Danos físicos a estruturas e perigos à vida’, que define que o sistema deve receber a inspeção visual semestral, ou sempre que houver suspeita de que a estrutura foi atingida por uma descarga, assim como deve receber, a cada três anos, inspeção por profissional habilitado e capacitado, com a emissão do laudo técnico.

Ele lembra que, na última revisão dessa norma, os condomínios ficaram obrigados a também instalar, em todos os seus quadros elétricos pertencentes às áreas comuns, o Dispositivo Protetor de Surto (DPS), que garante a proteção aos equipamentos elétricos do edifício. “Outro ponto de atenção é o perfeito aterramento dos diversos equipamentos instalados nos terraços ao SPDA, de forma a evitar que estes funcionem como captores, desviando as descargas atmosféricas do SPDA, como exemplo: antenas coletivas e caixas d’água. O síndico deve ainda ter atenção às normas específicas de sua região. Aqui no RJ, por exemplo, há Nota Técnica do Corpo de Bombeiros que estabelece requisitos para proteção de estruturas pelo SPDA e padroniza critérios de concepção, dimensionamento e aprovação das edificações junto à corporação. E ainda define os profissionais habilitados a exercer o projeto, instalação, manutenção, laudo, perícia e parecer do SPDA”.

Por fim, Gilber Terzi, que possui pós- -graduação em Administração da Qualidade e Certificação de Auditor Líder de Sistemas de Gestão de Qualidade ISO 9001:2015, lamenta o desconhecimento dessas normas e do sistema em si, e o menosprezo de sua importância. Fatores que fazem com que muitos síndicos e condôminos não contemplem a manutenção preventiva do sistema em suas previsões orçamentárias. “No entanto, por mais remota que possa ser a ocorrência de incidentes ou acidentes desta natureza, quando estes ocorrem, os danos podem ser enormes, com risco de choques e de mortes. E todo síndico pode ser responsabilizado civil e criminalmente, bem como o condomínio e os moradores perderem o direito de indenização no seguro, pela negligência com a manutenção ou a adequação do sistema a requisitos legais e normativos obrigatórios”, conclui.