Treinamento como melhor blindagem

Projeto que prevê guaritas à prova de bala em condomínios é alvo de críticas de especialistas, que defendem treinamento

DELEGADO JOSÉ PAULO PIRES

O Projeto de Lei 3360/21 que obriga os condomínios residenciais e comerciais a instalarem guaritas à prova de bala ainda tramita na Câmara dos Deputados. Seu autor, o deputado Pedro Augusto Palareti (PSD-RJ), afirma que a medida visa à criação de melhores condições de trabalho aos vigilantes e porteiros de condomínios, garantindo mais segurança aos moradores, diante de um suposto aumento de casos de furtos e roubos. Mas, na prática, será essa uma medida viável e eficaz? E mais: quanto custaria? Teria um bom custo-benefício? O que dizem especialistas na área de segurança? A convite da Revista dos Condomínios, o delegado José Paulo Pires é um dos que nos ajudam a entender melhor a questão.

“Numa primeira análise, verifica-se que os argumentos contidos no Projeto de Lei não são consistentes, além de terem desconsiderado os aspectos econômico-financeiros da instalação de guaritas blindadas em todos os condomínios do Brasil. Inicialmente, parece-me que o PL está contaminado por inconstitucionalidade e ilegalidade. Dado que as regras para o disciplinamento de condomínios encontram-se no Código Civil; que o Estado não pode criar despesas para os contribuintes, salvo em raríssimas exceções; e que a criação de despesas condominiais deve estar prevista nas convenções, regimentos internos e assembleias, não cabendo intervenção, neste caso, do Poder Legislativo, o PL fere princípios e regras constitucionalmente protegidos na Constituição, criando ônus e impondo ao proprietário do imóvel mais despesas”, inicia ele, que segue em suas ponderações.

“A leitura dos dados sobre Segurança Pública, fornecidos por diversas instituições, indicam que o número de ilícitos penais vem caindo sistematicamente em todo o Brasil. Os roubos (subtração de coisa alheia móvel mediante violência ou grave ameaça) em condomínios não são comuns. Melhor dizendo, são até raros. Os furtos (sem violência ou ameaça) são mais corriqueiros. Geralmente, subtraem-se coisas de pequeno valor, como bicicletas ou outros pequenos objetos. Isso não quer dizer que aqueles que moram em condomínios, inclusive eu, não devem empreender esforços para evitarem tais crimes. Medidas simples, mais eficientes do que a instalação de guaritas blindadas, podem e devem ser tomadas, tais como treinamento de porteiros, vigias e profissionais que trabalham nos condomínios; instalação de passadores de mercadorias e emprego de barreiras físicas mais adequadas.”

Segundo José Paulo Pires, o custo com a instalação de guaritas blindadas é altíssimo, e não se limita apenas ao vidro blindado, mas também a toda estrutura de aço em portas, alvenaria, fechaduras especiais, aparelho de ventilação e mão de obra especializada. Empregados de condomínios deverão ter treinamento específico para usarem adequadamente as instalações blindadas. A grande maioria dos condomínios vive com orçamentos limitados, mal arcam com as despesas triviais. Assim, na visão do especialista, a obrigatoriedade de guaritas blindadas enriqueceria apenas um segmento: as empresas de blindagens.

MARCOS RAFAEL MARQUES

Custo das guaritas blindadas é inviável

Formado em Administração, Marcos Rafael Marques atua na área de terceirização de mão de obra para grandes empresas e no ramo de portarias remotas. Ele inicia sua avaliação pelo viés econômico. “Por mais que o PL não tenha especificado o nível de blindagem requerida, para começarmos a analisar a proposta de maneira factível, devemos entender o quanto custaria a implantação de uma portaria blindada. Para implantarmos uma portaria de 4 metros quadrados, estimamos um custo mínimo de R$ 20 mil. Com isso em vista, e imaginando que muitas precisam de um espaço para implantação maior, é muito provável que os condomínios não tenham a capacidade de se adequar ao projeto, tendo que recorrer à cobrança de taxas extras.”

Em dezembro de 2021, o número de famílias que relataram estar endividadas atingiu 76,3%, segundo dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. É o maior valor desde o início da pesquisa, em 2010. Esse cenário tem reflexos diretos na taxa de inadimplência dos condomínios e dificulta muito o planejamento financeiro, muitas das vezes tendo que ser negociado com antecedência de 12 meses. A criação de uma cota extra para implantação de uma portaria blindada faria aumentar ainda mais essa inadimplência, garante Marcos Rafael.

Entendendo que uma das principais funções do porteiro é inibir e identificar com antecedência as situações de sinistro que o condomínio pode sofrer, sempre foi importante o investimento em treinamento. Afinal de contas, o porteiro é a pessoa que zela pela segurança, opera todos os equipamentos de portaria e faz todo o controle de acesso, muitas das vezes em situação de pressão e estresse. Em nossas portarias, mantemos nossos funcionários sempre atualizados com informes periódicos. Seja com treinamentos internos ou externos, buscamos parceiros para contribuir com a qualidade dos serviços. O condomínio deve investir, buscar parcerias com suas administradoras ou cobrar das empresas prestadoras de serviços para atualizar constantemente os funcionários de portaria quanto aos procedimentos de segurança, regimento interno, novos golpes aplicados e atendimentos em situações adversas, como em abordagens por parte de oficiais de justiça, polícia e imprensa…”, explica Marques.

“Lembram-se da norma, prevista no Código de Trânsito Brasileiro, na década de 1990, a qual obrigava os proprietários dos veículos a manterem um estojo de primeiros-socorros em seus carros? Depois de grande celeuma, a norma foi revogada pelo Congresso. Milhões compraram o kit, sem nunca o utilizar. O argumento para a revogação da norma foi simples. Condutores de veículos não possuíam treinamento para o uso do material e poderiam causar danos à vida e à integridade física de terceiros. Além disso, o argumento segundo o qual as guaritas blindadas trariam melhores condições de trabalho e mais segurança para os moradores de condomínios não se sustenta. O que de fato impediria eventuais roubadores de penetrarem num condomínio? Qual segurança traria para os moradores, se criminosos decidissem entrar, mesmo com a blindagem? Ela seria na guarita, e não no seu apartamento ou casa”, conclui.