Síndicos sob pressão: Estratégias Jurídicas e práticas para gerenciar condomínios em tempos de calamidade
Algumas diretrizes básicas podem ser utilizadas em ocasiões extremas, visando amenizar os efeitos no condomínio
A máxima de que a sindicatura é uma missão para os destemidos é uma expressão amplamente conhecida no setor. Senão, o que dizer dos “síndicos que enfrentam o Estado de Calamidade Pública, como a tragédia climática que atingiu o Estado do Rio Grande do Sul, causando enchentes e colocando as comunidades condominiais em níveis de estresse extremos, com a falta não apenas de água e luz, mas também de alimento, abrigo e proteção contra a chuva e frio?” – indaga a advogada e especialista condominial, Daiana Staudt.
E ela é complementada por Márcia Giordano com nova pergunta: “Como administrar um condomínio sem condições mínimas de habitabilidade, enfrentando riscos relacionados à segurança nas edificações e à possibilidade de saques, a falta de água e de luz, além dos problemas já existentes?”.
Histórico: enchentes no RS
A última grande enchente no Rio Grande do Sul ocorreu em 1941, durante os meses de abril e maio. Essa foi uma catástrofe isolada, mas que, de acordo com a análise de Staudt, não serviu para preparar a população para a situação atual, que parece ser ainda mais severa. Nem tampouco a pandemia de Covid-19 forneceu elementos suficientes para lidar com os desafios atuais. A situação enfrentada pelos gaúchos é única, e os síndicos são exigidos a encontrar respostas enquanto gerenciam o caos.
Ensinamentos valiosos
Para a advogada Márcia Giordano, coordenadora da Comunidade Expert em Condomínios, a enchente de 2024 trouxe “muitos ensinamentos aos síndicos e condôminos, mostrando que a força da natureza não escolhe classe social nem região, afetando tanto comunidades ribeirinhas quanto cidades e bairros que nunca haviam experimentado grandes alagamentos”. Em alguns condomínios, as águas devastaram andares térreos e superiores, obrigando a evacuação total para a segurança de toda a comunidade condominial.
Comunicação: algo essencial
A tragédia também destacou a necessidade de uma comunicação eficaz entre o síndico e os condôminos e entre os próprios condôminos. “A experiência vivida desde os primeiros momentos da enchente evidenciou isso” – identifica Giordano.
A pressão sobre os síndicos em tempos de calamidade pública é enorme, e os problemas se acumulam e agravam. No entanto, “é crucial que a tranquilidade e a paciência prevaleçam e estar bem assessorado e organizar um plano de ação são passos fundamentais para superar um momento limite como esse, da enchente no RS” – pondera Staudt.
Para ajudar a lidar com tal situação as duas especialistas elaboraram um pequeno manual com dicas práticas para facilitar a gestão em tempos de crise. Vamos a elas
A enchente no Estado do Rio Grande do Sul revelou “tanto o melhor quanto o pior das pessoas em tempos de necessidade e, gerenciar um ambiente tão estressante é desafiador, mas também uma oportunidade para fortalecer a união e encontrar soluções criativas para os desafios, como formar comissões de moradores para mutirões de limpeza e revitalização” – pondera Staudt. “A sensibilidade, paciência e resiliência devem dar o tom e o síndico deve ser o grande maestro dessa, que pode se tornar, uma linda sinfonia” – conclui Giordano.
Pequeno manual para gestão de crises
Alguns condomínios também possuem sistema de comunicação interna, como aplicativos específicos ou espaços nos sites das administradoras, também são valiosos para manter todos informados – sugere-se aqui que seja disponibilizado um passo a passo aos condôminos de como acessar esse canal de comunicação. Não se pode esquecer que este também é um momento para se impor limites firmes para não gerar pânico e a disseminação de notícias falsas dentro do condomínio.
Comunicação Eficiente
Crie canais de comunicação para que a comunidade condominial possa contatar o síndico, informar danos e problemas de qualquer ordem. O síndico também deve informar sobre a gestão do condomínio e as providências tomadas, além de previsões de retorno da água e luz, aliviando o clima estressante e gerando um senso de pertencimento e coletividade. Utilize aplicativos de mensagens como Telegram ou WhatsApp como permitem uma comunicação rápida, podem servir para uma atualização em tempo real.
Os e-mails são importantes para newsletters e comunicados oficiais – eles permitem um arquivamento posterior para fins históricos; e até mesmo uma página na internet ou grupo fechado em redes sociais para fortalecer a comunicação bidirecional – este é o caso de uma página, por exemplo, na plataforma de relacionamento do Facebook, ou outra rede social. Essa opção é interessante porque permite um relacionamento da comunidade, a realização de perguntas e a expansão de redes de solidariedade, por meio de uma comunicação bidirecional.
Segurança dos Moradores
A segurança dos moradores e a integridade das edificações devem ser prioridades absolutas. A primeira providência é verificar a necessidade de evacuação. É importante deixar claro que o síndico não pode obrigar a desocupação, mas deve informar claramente e conscientizar a comunidade. Aqueles com cadastro atualizado terão mais facilidade nesse processo.
Fiscalização das Evacuações e Condições do Condomínio
Em situações de calamidade, a atenção à estrutura do condomínio é vital. Confeccione laudos de inspeção detalhados, incluindo fotografias e vídeos, para documentar a situação atual. Esses laudos podem servir como prova para reivindicações de seguro. Se houver riscos à estabilidade estrutural, acione um engenheiro qualificado para elaborar laudos específicos.
Organize reuniões periódicas para discutir os resultados das inspeções e as intervenções necessárias. O síndico, com o apoio de profissionais, deve garantir que todas as ações estejam em conformidade com as normas técnicas e legislações vigentes, proporcionando segurança e tranquilidade para todos os condôminos.
Emergências e Utilização do Fundo de Reserva
A utilização do fundo de reserva deve seguir rigorosamente o que estabelece a Convenção de Condomínio. Em casos de calamidade como a enfrentada no Rio Grande do Sul, a utilização do fundo de reserva é admissível, desde que com moderação e observando as necessidades reais da comunidade.
Exemplos incluem a contratação de segurança adicional, caminhões-pipa para abastecimento de água, ou engenheiros estruturais para avaliar a integridade das edificações. Recomenda-se que essa utilização seja seguida de uma assembleia geral para ratificar a decisão.
Prevenção
Diversas regiões do Estado estão enfrentando enchentes pela primeira vez, enquanto algumas áreas já passaram por alagamentos, mas não haviam experimentado uma enchente significativa desde 1941. A falta de preparação para tais eventos justifica certa flexibilidade nos procedimentos atualmente adotados, considerando que os riscos de um primeiro evento são menores se comparados a uma recorrência.
Entretanto, existem medidas preventivas que podem ser implementadas. Entre essas medidas, destacam-se a realização de inspeções prediais focadas em questões estruturais e de tubulação, a criação de cartilhas informativas para o enfrentamento de situações calamitosas, a atualização das convenções condominiais com disposições sobre canais de comunicação, planos de evacuação e a definição de faixas de valores que o síndico está autorizado a utilizar em casos de enchente.
Observação
Tais providências promovem a democratização dos procedimentos, alinhando-os com os interesses e necessidades da coletividade condominial. Além disso, proporcionam ao síndico uma maior tranquilidade na gestão, pois as regras estarão claras e acessíveis a todos. É altamente recomendável que a construção desse entendimento coletivo seja respaldada por assessoria jurídica especializada em direito condominial, garantindo a compatibilidade com a legislação vigente e o entendimento dos tribunais.
Márcia Giordano
Advogada, Graduada pela PUCRS, Pós-graduada em Direito Civil e Direito Processual Civil, Coordenadora da Comunidade Expert em Condomínios – Região Sul, coautora do livro “Temas Práticos Para Síndicos- Pela Comunidade Expert em Condomínios”; sócia do escritório Isolan & Hopp Advogados Associados.
Daiana Staudt
Advogada, Vice-Presidente da Comissão Nacional de Direito Imobiliário da ABA, Vice-Presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB/ RS, membro consultora da Comissão Nacional de Direito Imobiliário da CFOAB, membro do IARGS, integrante do Instituto Mulheres do Imobiliário, associada IBRADIM , pós-graduada em direito público pela FMP, pós-graduanda em direito processual civil pela PUCRS e idealizadora do grupo Condominialistas do Sul.