Destituição de Conselheiros Fiscais e Deliberativos por propagação de informações falsas no condomínio
À governança condominial demanda transparência, boa-fé e respeito entre os partícipes da gestão do condomínio. No entanto, situações de conflito podem surgir, especialmente quando conselheiros fiscais ou deliberativos propagam informações falsas sobre a gestão condominial, causando desestabilização emocional e operacional do síndico. Tal como o gerente ou prefeito, o síndico é o gestor e a figura legal que dá ordem ao condomínio. Sua escolha é feita pela assembleia com pauta específica para essa finalidade, destinada a colher a vontade dos condôminos. O síndico, após eleito, zelará “pelo patrimônio e administra os recursos depositados à conta do condomínio a partir da arrecadação das cotas condominiais, recolhidas mensalmente em forma de rateio de despesas” – explica a advogada Sarah Jones. O cargo de síndico é, portanto, executivo. Assim como o condomínio tem a figura do síndico, “outros órgãos e funções se fazem presentes e necessárias, a depender da estruturação condominial, como a nomeação de subsíndicos, administradora de condomínio, conselho consultivo” – explica Jones, ressalvando que “o Código Civil refere-se unicamente ao Conselho Fiscal, composto por três membros”.
De acordo com o Código Civil (art. 1.536), trata-se de órgão de apoio ao síndico para “de forma gratuita, assessorá-lo na administração do condomínio e buscar solução para os problemas que digam respeito ao condomínio, podendo a convenção definir atribuições específicas” – cita Jones, que completa: “e o Conselho Fiscal é um órgão de fiscalização, controle interno e de correição, instalado por decisão da Assembleia Geral, em harmonia com a lei, não guardando subordinação ao gestor e, até mesmo, à Assembleia Geral, dentre outros órgãos da gestão condominial” – detalha a advogada Jones
“Infelizmente, muitos condomínios presenciam irregularidades nas gestões condominiais aptas a ensejar legitimamente a destituição de síndicos, subsíndicos e demais membros do órgão colegiado”
É com essa mesma advogada que a REVISTA foi conversar, para entender melhor qual a possibilidade de destituição desses conselheiros em condomínios, em uma convenção que não preveja um procedimento específico para tal situação. Através de seu repórter, que a advogada Sarah Jones, pós-graduada em Direito (UFBA), em Negócios Imobiliários (Dalmass) e em Direito Digital e Proteção de Dados (ABRADI), além de sócia fundadora do escritório Sarah Jones Sociedade Individual de Advocacia, foi ouvida. Ela é membro da Comissão Especial de Direito Condominial da Ordem dos Advogados do Brasil (seção Bahia), além de palestrante e articulista.
Repórter da Revista dos Condomínios – Quais são as responsabilidades e Limites dos Conselheiros? Sarah Jones – Os conselheiros fiscais e deliberativos têm como função assessorar a gestão condominial, fiscalizando as contas e emitindo pareceres sobre assuntos financeiros e administrativos. No entanto, devem agir de maneira ética e alinhada ao princípio da boa-fé objetiva, evitando condutas que possam comprometer a gestão e a harmonia condominial.
Repórter da Revista dos Condomínios – E quanto a propagação de informações falsas e seus impactos para a gestão do síndico nos respectivos condomínios?
Sarah Jones – Infelizmente, muitos condomínios presenciam irregularidades nas gestões condominiais aptas a ensejar legitimamente a destituição de síndicos, subsíndicos e demais membros do órgão colegiado ao se comprovar desvios de verbas, fraudes em contratações, emissão de notas fiscais frias, gestão com abuso de poder, dentre outras práticas irregularidades comumente noticiadas.
Repórter da Revista dos Condomínios – E quando as mídias sociais são utilizadas para disseminar desinformação ou mesmo mentiras em relação ao síndico?
Sarah Jones – Nesse caso, a situação fica ainda mais sensível quando um conselheiro ou conselheira, abusando de suas funções administrativas, utiliza grupos em plataformas de mensagem (como o WhatsApp) ou o e-mail oficial do condomínio, para disseminar informações falsas e levianas, gerando desestabilização e desconfiança na gestão. Essa prática não apenas compromete a governança do condomínio, mas também pode configurar ofensa à honra do síndico e prejudicar a administração.
Repórter da Revista dos Condomínios – Nesse caso, como pode se dar a destituição dos Conselheiros?
Sarah Jones – Os procedimentos são os seguintes:
Primeiro: na ausência de previsão expressa na convenção condominial sobre o processo de destituição de conselheiros, deve -se adotar o mesmo procedimento previsto para a destituição do síndico (conforme o artigo 1.349 do Código Civil). O artigo exige o seguinte: (a) Convocação de assembleia geral extraordinária por um quarto dos condôminos;
(b) Deliberação e aprovação da destituição pela maioria absoluta dos presentes na assembleia (50% +1), e não da totalidade dos condôminos;
(c) Direito a ampla defesa e contraditório do conselheiro ou conselheira, sob pena da assembleia ser objeto de impugnação administrativa e levada ao Poder Judiciário para apreciação;
(d) Justificativa formal documentada, contendo provas das atitudes prejudiciais do conselheiro ou conselheira em questão;
(e) Registro da decisão em ata e comunicação oficial ao conselheiro ou conselheira destituída(das).
Repórter da Revista dos Condomínios – Durante nossa conversa, anterior a entrevista, você falou sobre recomendações práticas para evitar questionamentos futuros e dar segurança ao processo de destituição. O que se recomenda?
Sarah Jones – Primeiro, manter registros de todas as mensagens e provas que justifiquem a destituição; depois, consultar um advogado especializado para conduzir o procedimento de forma segura; em seguida, alterar a convenção para incluir regras claras sobre a destituição de conselheiros, prevenindo lacunas interpretativas futuras.
Repórter da Revista dos Condomínios – Você poderia falar um pouco sobre medidas legais e a Lei de Stalking para ser possível compreender melhor o panorama que envolve essa questão de destituição?
Sarah Jones – Além das medidas administrativas, o síndico pode recorrer a dispositivos legais para coibir a disseminação reiterada de informações falsas com a intenção de desestabilizar a gestão condominial. A Lei (14.132/2021) que tipifica o crime de stalking (crime de perseguição), prevê pena de reclusão de 6 meses a 2 anos, e multa; podendo ser majorado se for criança, adolescente, idoso ou mulher perseguida por razões da condição do sexo feminino, causando sofrimento emocional ou perturbação à vítima. Repórter da
Revista dos Condomínios – E tal lei pode ser aplicada nos condomínios… Sarah Jones – Desde que cumprido os requisitos (permanência e habitualidade).
Repórter da Revista dos Condomínios – O que implicam esses requisitos?
Sarah Jones – De acordo com a previsão legal (art. 147-A do Código Penal), estamos diante de perseguição direcionada à alguém, de forma reiterada e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. Ou seja, visa-se proteger os bens jurídicos da liberdade ou da privacidade a partir de uma prática reiterada, não configurando o crime comportamentos isolados.
Requisitos essenciais Em termos práticos, deve-se analisar no caso concreto. Para a configuração da responsabilidade civil por ato ilícito, há a necessária exigência de três requisitos essenciais: a conduta antijurídica do agente, que há de ser sempre contrária ao direito, o dano ou o resultado lesivo experimentado pelo ofendido, e o nexo de causalidade, isto é, o vínculo entre a conduta ilícita ou contrária ao direito e o resultado lesivo experimentado pelo ofendido.
Caso real Em um caso julgado pelo TJSP, por exemplo, o magistrado compreendeu que as postagens de certa moradora estão dentro dos limites da liberdade de crítica e de expressão e não causaram danos morais à síndica, pois foram feitas nos canais regulares destinados à manifestação dos condôminos e não revelam conteúdo a macular a honra ou intimidade da autora. Trata-se, portanto, de interpretação a ser feita pelo magistrado, conjugando a forma e como os fatos aconteceram. Repórter da Revista dos Condomínios – Você estava falando sobre a aplicação da Lei do Stalking nos condomínios quando fiz a pergunta sobre requisitos. Mas você pode continuar. Sarah Jones – Então, no âmbito condominial ela pode ser aplicada não só na relação moradores para com o síndico, mas do síndico com moradores e moradores com moradores. Esta lei veio para trazer mais segurança e tranquilidade nas situações que ocorrem no dia a dia dos condomínios.
Repórter da Revista dos Condomínios – A parte que se sente perseguida deve ter que tipos de provas do crime?
Sarah Jones – Como mensagens, imagens, e-mails e áudios, por exemplo. Isso, para que sejam juntadas no momento da abertura do boletim de ocorrência e seja possível a análise e verificação da caracterização do crime ou não. Para a condução da abertura do boletim de ocorrência é importante consultar um advogado especialista e ser possível verificar qual crime se enquadra na situação, pois, em determinadas situações, não se trata de stalking, mas sim calúnia, difamação, injúria e até ameaça.
Repórter da Revista dos Condomínios – Entendo, ser possível o enquadramento de acordo com os diversos artigos das leis.
Sarah Jones – Exato. No caso de ser o síndico a pessoa que alega a perseguição, os tribunais têm entendido que assuntos que envolvam a gestão do condomínio diretamente, não se caracterizam stalking ou perseguição, mas sim exercício do direito do condômino em questionar a gestão condominial.
Repórter da Revista dos Condomínios – Caso o síndico ou outros membros da administração se sintam alvo desse tipo de conduta, o que é recomendável?
Sarah Jones – Vamos lá: primeiro, registrar um boletim de ocorrência relatando os fatos; em seguida, reunir provas, como mensagens e e-mails, que demonstrem o comportamento abusivo; terceiro, solicitar medidas protetivas, se necessário, com base no Código de Processo Penal; mais, buscar assessoria jurídica para avaliar possíveis ações civis e criminais.
Repórter da Revista dos Condomínios – Gostaria de fazer um fechamento, uma conclusão, para o que você disse aqui?
Sarah Jones – A harmonia condominial depende da transparência e do comprometimento dos seus gestores e conselheiros. Quando um conselheiro abusa de sua função ao disseminar informações falsas para desestabilizar a gestão, a destituição se torna uma medida necessária para restabelecer a ordem. O uso do procedimento previsto para a destituição do síndico, na falta de previsão específica, é o caminho mais adequado até que a convenção seja atualizada para contemplar tal situação. Além disso, a aplicação da lei (14.132/2021) oferece um respaldo legal adicional, garantindo que condutas abusivas sejam devidamente tratadas tanto na esfera administrativa quanto judicial.
Sarah Jones
Sócia Fundadora do escritório Sarah Jones Sociedade Individual de Advocacia, pós-graduada em Direito do Estado pela UFBA, MBA em Negócios Imobiliários pela Dalmass, pós-graduada em Direito Digital e Proteção de Dados pela EBRADI, Membro da Comissão Especial de Direito Condominial da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Bahia, palestrante e articulista.