Estatuto da Criança e do Adolescente não é absoluto dentro do condomínio
É claro que o direito ao lazer das crianças e adolescentes deve ser preservado, “todos concordamos, pois afinal de contas é essa a determinação legal prevista na Constituição Federal, replicada no Estatuto da Criança e do Adolescente, (ECA)” – Lei n. 8.069/90 – cita o advogado Felipe Ferrarezi. Dentre tantos outros, o direito ao lazer é fundamental aos menores de idade e deve ser assegurado pela família, comunidade, sociedade em geral e o poder público. No condomínio residencial também há de se preservar tal direito, mas sob certos regramentos” – adverte Ferrarezi. Até porque, nenhum direito é absoluto. A situação, que não apresenta maiores problemas, pode passar a ter pela falta de compreensão, geralmente, dos pais com relação aos 29 seus filhos. E isso, principalmente com relação às restrições à prática do citado lazer infantil nos locais limitados ao seu exercício – como nas áreas comuns de um condomínio.
O que é decisivo: hierarquia das leis ou sua interpretação?
Para muitos, essas áreas comuns servem de local para as mais diversas brincadeiras infantis, por entenderem que tal direito, previsto no ECA, se sobrepõe às regras condominiais. Entretanto, “há que se compreender que a legislação não necessariamente está sempre associada às suas hierarquias, mas sim a interpretação, de modo a se complementarem” – explica Ferrarezi.
Condomínio: obrigado a oferecer espaço infantil adequado
Ao advogado Ferrarezi, parece inquestionável que o condomínio deve proporcionar local adequado para a realização de atividades infantis. Contudo, a total liberdade extrapolando seus espaços para as demais áreas comuns do condomínio representa, inegavelmente, uma ruptura das suas destinações próprias e até mesmo conflitua com as disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O estatuto, se por um lado contempla o direito ao lazer, por outro exige de forma contundente que a saúde e a segurança dos menores sejam preservadas” – adverte o especialista.
Áreas comuns e o uso inadequado: cuidado com possíveis passivos para o condomínio
São muitos os casos onde se observaram atropelamentos e muitos outros acidentes ocorridos dentro dos condomínios e, muitas vezes, “os pais se voltam contra o síndico, exigindo reparações quando, em verdade, os pais são seus responsáveis diretos, como prevê, inclusive, o Código Civil (artigos 932, I e 1.336, IV)” – revela Ferrarezi.
Síndico: quais as suas obrigações?
Não se pode esquecer que o síndico precisa, sim, “cuidar para eliminar possíveis responsabilizações, sendo ele ativo na cobrança das regras condominiais. Assim sendo, deve advertir os pais e tomar as medidas necessárias, como preconiza a lei” (artigo 1.348, I do Código Civil) – reforça o especialista.
Um caso verídico da cidade de Blumenau
Nesse contexto, em determinado condomínio na cidade de Blumenau, ocorreram fatos incríveis sobre essa temática. Os pais “insurgiram-se contra a síndica, em razão de ela comunicar e notificar a respeito das infrações cometidas pelos filhos ao praticarem o lazer nas áreas comuns – na maioria das vezes brincadeiras com bicicletas que expunham todos ao risco de acidente” – lembra o especialista.
“em determinado condomínio na cidade de Blumenau, ocorreram fatos incríveis sobre essa temática. Os pais insurgiram-se contra a síndica, em razão DE ELA comunicar e notificar a respeito das infrações cometidas pelos filhos ao praticarem o lazer nas áreas comuns”
Candidatura alternativa: motivo absurdo
Tal motivação dos pais chegou ao “absurdo de criar uma chapa de oposição na Assembleia Geral destinada à eleição de síndico, para defender a livre circulação dos menores pelo condomínio” – conta Ferrarezi. Dessa forma, as áreas de recreação e lazer das crianças e jovens não ficam restritas ao playground. Contudo, “com o suporte jurídico da atual síndica, apesar das discussões, foram expostas as argumentações baseadas na lei, o que resultou na reeleição da síndica”.
Acidente com menor na garagem: e agora?
Não bastasse isso, alguns dias depois da Assembleia, “uma criança bateu em um veículo em movimento na garagem do condomínio, o que por sorte, não resultou em lesões ao menor, embora tivesse caído com o choque” – recorda o especialista. O que se seguiu foi que, imediatamente, “os pais do menor notificaram a síndica alegando que responderia a uma ação judicial por lesão” – lembra Ferrarezi.
Atropelamento: culpa de “condômina imprudente”
Os pais afirmaram todo o ocorrido descrevendo, “pormenorizadamente, que não estavam em casa, mas que seu filho estava andando de bicicleta pela garagem do condomínio, vindo a ser atropelado por um carro dirigido por uma condômina imprudente” – cita Ferrarezi, para arrematar: “ou seja, curiosamente, os pais provaram, de forma cabal, o descumprimento legal e regimental do condomínio onde moram”.
Resposta da síndica à notificação dos pais
Como não poderia ser diferente, “a sindica contra notificou dizendo, entre outras justificativas, que caso a ação judicial fosse movida a própria notificação dos pais comprovariam a negligência familiar, pois reconheceu inclusive, o descumprimento das regras comportamentais do condomínio” – lembra.
Especialista dá aviso importante ao síndico
Por fim, Ferrarezi insiste em orientar que “o olhar dos condôminos sobre essas questões deve se voltar, também, como forma de ensinamento para compreensão dessas necessidades de convivência coletiva das regras e oportunizar o pensamento em ideias inteligentes que proporcionem, sempre, a melhor adaptação do espaço próprio do lazer, com segurança e comodidade” – ressalta.
Responsabilização do Síndico
Paralelamente a esse assunto, o especialista afirma que não é menos importante, “ao contrário, é indispensável que o local destinado ao lazer infantil seja apropriado e atenda às orientações normativas, notadamente, a ABNT NBR 16071, aplicável aos componentes dos ‘parquinhos’, sob pena de responsabilização do síndico e do condomínio por intercorrências ocorridas com os infantes”.
Felipe Fava Ferrarezi
(OAB/SC 26.673)
Advogado especialista em Direito Condominial, Pós-Graduado em Direito Processual Civil e Presidente da omissão de Direito Condominial da Subseção de Blumenau/SC – OAB/SC. Diretor adjunto da ANACON – Associação Nacional dos Advogados Condominialistas. Especialista no mercado condominial do Vale do Itajaí e litoral catarinense e colunista dos veículos: Condomeeting, Viva o Condomínio, Direito e Condomínio e outras publicações da área.