A participação do condômino inadimplente na assembleia de condomínio
A participação do condômino inadimplente em assembleia de condomínio é, sabidamente, um tema que levanta discussões tanto jurídicas quanto práticas, tendo em vista a necessidade de equilibrar os direitos dos condôminos com o cumprimento das obrigações financeiras impostas pelo condomínio. A natureza jurídica do condomínio é de uma relação, de cunho jurídico, complexa, “que envolve todos os condôminos, sendo um regime de propriedade e de administração coletiva, onde as decisões são tomadas pela maioria em assembleias” – como conta Rodrigo Vianna, advogado condominial lista, que foi ouvido por repórter da REVISTA.
O rateio de despesas condominiais tem por objetivo cobrir os custos de manutenção e administração das áreas comuns, incluindo segurança, limpeza, conservação, entre outros serviços essenciais à coletividade. “Quando um condômino deixa de contribuir para essas despesas, ele gera um impacto direto no funcionamento do condomínio, e as consequências jurídicas para essa inadimplência são severas” – lembra Vianna, que completa: “o condômino inadimplente pode ser cobrado judicialmente, ter seu nome inscrito em órgãos de proteção ao crédito, ter seus bens penhorados, além de enfrentar a restrição de seus direitos condominiais, como o de ser impedido de participar e votar em assembleias, conforme previsto no Código Civil (artigo 1.335)”.
Desse modo, de acordo com o Código Civil (artigo 1.335, inciso III), somente os condôminos que estão “quites” com suas obrigações podem votar nas deliberações das assembleias. A exigência de estar em dia com as contribuições condominiais “visa proteger os interesses da coletividade e garantir que apenas aqueles que cumprem com suas obrigações tenham poder de decisão sobre os rumos do condomínio” – indica Vianna. No entanto, surgem dúvidas quanto à participação do condômino inadimplente que celebra um acordo de parcelamento da dívida condominial. Nesse caso, estaria ele quite para efeitos de participação e voto?
É Vianna quem responde, se abrigando na definição de dicionário: “a palavra ‘quite’, refere-se à condição de estar livre de obrigações ou débitos, significando que uma pessoa ou entidade não possui mais pendências financeiras ou compromissos a serem cumpridos em relação a determinado credor ou obrigação”. Já no contexto condominial, estar “quite” implica que o condômino regularizou todas as suas contribuições fi nanceiras, ou seja, pagou suas cotas do condomínio, estando em “conformidade com as exigências para o exercício pleno de seus direitos, como a participação e o voto nas assembleias” – conclui o especialista.
Existem dois entendimentos divergentes sobre essa questão, de acordo com o advogado. O primeiro entendimento “sustenta que o acordo entre o condômino e o condomínio configura novação da dívida, conforme disposto no artigo 360 do Código Civil”.
O que é novação
De acordo com Vianna, inovação é um “instituto jurídico que extingue a obrigação anterior e cria uma nova em seu lugar”. Com ela, embora o condômino continue devendo ao condomínio, a dívida original e, portanto, com a data de exigida de pagamento, é extinta. Com isso, ele passa a não ser mais considerado inadimplente, “desde que cumpra com o pagamento das parcelas do acordo” – destaca o advogado. Nesse cenário, o condômino estaria quite com suas obrigações, podendo participar e votar nas assembleias, pois sua situação financeira em relação ao condomínio estaria regularizada.
Não estar devendo versus não estar inadimplente
Esse entendimento, no entanto, faz uma “distinção importante entre ‘não estar devendo’ e ‘não estar inadimplente” – afirma o advogado, que explica: “embora o condômino ainda tenha parcelas a pagar do acordo e devendo, ele não seria mais considerado inadimplente por força da novação, o que o colocaria em uma posição de regularidade perante o condomínio”. Assim, segundo esta corrente, poderia o mesmo votar nas assembleias
Uma segunda perspectiva:
o condômino parcelar, mas continua inadimplente Na segunda corrente, perspectiva ou entendimento sustenta que o acordo de parcelamento da dívida não configura novação, mas sim um mero parcelamento do débito. Nesse caso, para que “haja novação, seria necessário criar uma nova obrigação destinada a substituir a anterior, extinguindo definitivamente a dívida anterior, conforme disposto no Código Civil (artigos 360 e 361)” – conclui Vianna. Ou seja, a celebração de um acordo ou confissão de dívida, por si só, “não implica em novação, a menos que haja demonstração inequívoca da intenção do condomínio de extinguir a dívida original e formar uma nova” – explana o especialista. Então, sob esse prisma, o condômino que celebra um acordo de parcelamento continuaria inadimplente, e, dessa forma, sem direito a votar nas assembleias.
Vianna faz referência a fala do jurista Carlos Roberto Gonçalves:
“Para que a novação seja caracterizada, é imprescindível que exista a intenção clara e inequívoca das partes de extinguir a obrigação anterior e substituí -la por uma nova. Não basta a simples confissão de dívida ou o parcelamento do débito, pois esses instrumentos, por si sós, não geram novação, a menos que sejam acompanhados de um acordo expresso nesse sentido. Na ausência de tal intenção, o devedor continua com sua condição de inadimplente, mesmo que esteja adimplido com o parcelamento, o que implica a manutenção das restrições legais, como a proibição de votar em assembleias condominiais, previstas no artigo 1.335 do Código Civil.” (GONÇALVES, Carlos Roberto, 2023; p. 125-127).
Qual solução é possível?
Diante desses entendimentos divergentes, “uma solução prática para evitar questionamentos seria inserir, de forma expressa, no termo do acordo (de parcelamento da dívida), se a dívida configura ou não novação, e se o condômino, com o acordo, retoma o seu direito de participar e votar nas assembleias” – aconselha Vianna.
Regras claras
Outra alternativa, segundo o especialista, seria inserir regras claras na convenção do condomínio sobre a participação dos condôminos inadimplentes, “seja em caso de acordo ou não, a fim de evitar interpretações ou litígios futuros”. O advogado ainda apontou uma terceira solução: “seria o condomínio emitir uma certidão positiva com efeitos negativos, na qual ateste que o condômino fez um acordo e que, embora ainda tenha parcelas a pagar, sua situação temporária está regularizada, permitindo-lhe participar das assembleias, mas ressalvando que a certidão negativa definitiva somente será emitida após o pagamento integral do parcelamento”.
Nessa discussão, o que é ou não é consenso?
No que tange à possibilidade de o condômino inadimplente participar, e votar nas assembleias, há consenso no entendimento de que ele não pode exercer o direito de voto enquanto estiver inadimplente. No entanto, existe divergência quanto ao seu direito de participar das discussões” – afirma Vianna lembrando que “alguns juristas entendem que o condômino inadimplente pode estar presente nas assembleias, mas sem proferir qualquer manifestação sobre os assuntos deliberados”.
Pode se manifestar, mas não votar
Outros defendem que ele tem o direito de se manifestar, embora permaneça impedido de votar. Essa divergência surge da interpretação do Código Civil (artigo 1.335, inciso III), que estabelece “claramente a proibição do voto para o condômino inadimplente, mas não especifica restrições quanto à sua participação nas discussões” – resume o advogado. Assim, entende-se que, embora sua voz possa ser ouvida nas deliberações, sua opinião não deve influenciar as decisões finais tomadas pela assembleia.
Direito do condômino inadimplente de convocar assembleias
Esse aspecto merece atenção. Em alguns casos, a legislação permite que os condôminos convoquem assembleias, como nos casos de omissão do síndico. “Para esse ato específico, não há vedação expressa quanto à participação do inadimplente, uma vez que a convocação é um ato que precede a assembleia em si e não depende da quitação das obrigações financeiras” – ensina Vianna.
Elegibilidade do condômino inadimplente para síndico
Esse assunto é importante abordar: eleições, ou a questão da elegibilidade do condômino inadimplente para os cargos de síndico ou membro do conselho (consultivo ou fiscal). “Embora a escolha de um inadimplente para essas funções possa ser considerada imoral, não há ilegalidade nesse ato, pois o Código Civil (artigo 1.347), não impõe qualquer restrição nesse sentido” – ensina o especialista. Portanto, é possível que um condômino inadimplente seja eleito para exercer essas funções, a menos que a convenção do condomínio estipule o contrário.
Convenção: para questões polêmicas
Para evitar quaisquer questionamentos ou interpretações divergentes, é essencial que a “convenção do condomínio esteja atualizada e preveja de forma clara essas situações polêmicas” – ensina o advogado. A clareza nas regras pode evitar conflitos futuros e garantir que os direitos e deveres dos condôminos sejam “respeitados de maneira justa e eficiente” – afirma Vianna.
Concluindo
No esforço de resumir a questão, Vianna diz que “a participação do condômino inadimplente em assembleia de condomínio é um tema que exige uma análise cuidadosa da legislação vigente e das diversas interpretações doutrinárias e jurisprudenciais”.
Nuances
O direito de votar, claramente restrito pelo artigo 1.335 do Código Civil, é uma questão pacífica, mas as nuances sobre a participação em discussões, convocação de assembleias, e até mesmo a possibilidade de eleição para cargos de administração condominial, continuam a gerar debates”.
O que provoca discussão
A controvérsia em torno da novação da dívida “também demonstra a necessidade de clareza nos acordos entre condomínio e condôminos, a fim de evitar interpretações divergentes que possam fragilizar o processo de decisão coletiva”.
Resolvendo de forma simples a questão
Soluções práticas, como a “inclusão de regras explícitas na convenção condominial ou a emissão de certidões com efeitos específicos, são passos importantes para garantir segurança jurídica e coesão entre os condôminos” – indica Vianna. Dessa forma, a atualização contínua das normas internas do condomínio e a observância dos princípios do direito civil “são fundamentais para preservar o bom funcionamento da vida condominial e assegurar a justiça nas relações entre condôminos e o condomínio” – ensina o especialista.
Rodrigo de Castro Vianna
OAB/RJ 210.091. Advogado e Sócio Fundador da R. Vianna Advocacia e Consultoria de Negócios. Rodrigo é pós-graduado em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito; Coautor do Livro: “Condomínio: Aspectos Práticos da Cobrança de Cotas e Inadimplência”; vice-Presidente da Comissão de Direito Condominial da OAB/RJ (Pavuna). É membro das comissões de: Direito Condominial da Associação Brasileira de Advogados RJ, Direito Imobiliário e Condominial da OAB/RJ (Méier), Direito Condominial da OAB/RJ (Barra da Tijuca), entre outras. É secretário adjunto da Comissão de Estudo e Publicidade de Serviços Jurídicos pela Internet na OAB/RJ e consultor jurídico em Aquisições Imobiliárias. Especialista em Direito Imobiliário, Condominial e Palestrante