Atenção redobrada aos riscos de incêndio
Episódios de grandes incêndios em prédios reforçam a necessidade de cuidados extras com os sistemas elétricos, em especial no verão, afirmam especialistas
MARYANGELA COSTA
Prédios antigos com limitações para reformas estruturais, falta de manutenção das instalações elétricas e uso inadequado, além do armazenamento de materiais inflamáveis. Recente incêndio condenou mais um prédio na área central da cidade de São Paulo, e fez lembrar grandes tragédias como ao do Edifício Joelma, em 1974. Quais cuidados os síndicos devem ter redobrados, ainda mais com a proximidade do verão? O risco do armazenamento de materiais e a falta de manutenção elétrica são os principais vilões. Sistemas de proteção, detectores de fumaça, atenção às mangueiras e extintores costumam ser as melhores soluções.
Engenheira eletricista, pós- -graduanda em MBA Digital Business pela USP, Maryangela Costa de Souza Florentin atua no ramo de elétrica desde 2012, desenvolvendo projetos elétricos, manutenção, consultoria e inspeção predial, industrial e hospitalares. “Os prédios antigos possuem alguns pontos que requerem atenção: um deles é que, quando construídos, o setor ainda estava muito limitado quanto a produtos que pudessem oferecer mais custo-benefício e segurança, se comparados aos de hoje. Muitas instalações foram feitas sem aterramento, além de dispositivos de corrente fuga (DR), para oferecer mais segurança e proteção a pessoas e equipamentos. Em paralelo com a elétrica, temos a evidente melhoria com a automação que nos traz em tempo real leituras da rede elétrica e acionamento do sistema de incêndio, por exemplo”, destaca.
Maryangela lembra que as cargas de condomínios residenciais tiveram uma crescente, com o aumento de números de aparelhos de ar-condicionado, cooktops, fazendo com que a instalação existente fique subdimensionada. Quando as edificações são dos meios comercial e industrial, essa situação se agrava de forma ainda mais acentuada. “E sabemos que, na verdade, a instalação e o seu dimensionamento raramente são revistos. Já temos o desgaste da instalação, que é normal, tendo em vista o passar dos anos. Mas ela acaba sendo ainda mais castigada por essa sobrecarga na instalação elétrica.”
As normas como NBR5410 (Instalações elétricas em baixa tensão) têm avançado, com atualizações. Porém, os empreendimentos não têm acompanhado da mesma forma, por serem construídos em outros cenários, que se encontram, muitas vezes, inadequados. O mesmo vale para o armazenamento de materiais inflamáveis: as normas têm se aprimorado, com a NBR IEC 60079-14 (Projetos e instalações elétricas em atmosferas explosivas), de modo geral. Tivemos um mercado que se ampliou com produtos que solucionaram problemas como pontos de ignição, com a linha “Ex”. A solução encontrada há alguns anos era não se ter instalação elétrica em algumas situações, conforme a norma. Hoje, já temos essa possibilidade, desde que utilizando-se produtos certificados.
“Prevendo minimizar riscos de ignição nestes locais, e diante da falta geral de informação, defendemos a busca de profissionaisqualificado antes de qualquer reforma, ou antes que os problemas ocorram, gerando transtornos ou danos irreparáveis. A vida útil dos condutores elétricos, considerando estarem adequadamente bem dimensionados, é de 20 anos, em média. O sistema requer uma averiguação de sua condição, no aspecto da condutividade e do seu isolamento. Mas, de modo geral, o que temos é condutores condenados nesses prédios, que já passaram por sobrecargas e/ou curtos-circuitos. Porém, como o sistema elétrico ainda está em funcionamento, nada é feito de forma preventiva. Por isso, a proporção dos incêndios, às vezes, é difícil de ser controlada, devido ao mau estado em que a rede elétrica se encontra, propagando as chamas em pouco tempo”, pontua Maryangela.
Por isso, ter uma equipe habilitada realizando o projeto, a execução, a instalação e a manutenção do prédio, em reforma ou novo, é algo fundamental. Avaliar a situação que o prédio se encontra atualmente, para assim conseguir implementar o melhor é sempre necessário. Na reforma em prédios antigos, existe ainda o fator ‘falta de projeto’, que requer um cuidado mais atento, entendendo o contexto em que foi construído, avaliando o estado dos condutores da instalação, assim como todos os componentes que o compõem.
“Casos mais peculiares requerem uma manutenção mais precisa e periódica. Culturalmente, no Brasil, as manutenções tendem a ser corretivas. Porém, o ideal é ser estabelecido um cronograma para a realização de manutenções preditivas que, por sua vez, minimizam custos e o transtorno por suspensão de energia elétrica no local, para consertos. A manutenção corretiva é a solicitada quando já temos um problema, às vezes de forma emergencial, provocando paradas bruscas e gastos desnecessários. Além disso, infelizmente, temos nos condomínios a situação comum, em que a manutenção acaba sendo realizada por profissional não habilitado. Logo, temos que os problemas não são identificados e, por consequência, não são reparados”, lamenta Maryangela Costa.
Alexandre Tavares
Riscos tornam-se ainda maiores no verão
“Com a chegada do verão em nosso país, coincide com a época do considerável aumento de registro de incêndios em condomínios, prédios comerciais e residenciais, com a alta das temperaturas e do uso de equipamentos. No ano de 1974, aconteceu o maior incêndio registrado em nosso país, o qual ocorreu no Edifício Joelma, localizado no centro da capital de São Paulo. Esse incêndio ocasionou mais de 180 mortes, além de ter deixado inúmeros feridos. Tudo começou com um simples curto-circuito na tomada do ar- -condicionado no 12° andar. O fogo se alastrou com rapidez. Segundo relatos e imagens da época, o desespero das pessoas foi tão grande que alguns chegaram a se jogar de seus apartamentos, a metros de distância do chão, na tentativa de sobreviver”, recorda Alexandre Tavares, também engenheiro.
Ele aponta que, hoje, a engenharia preocupa-se muito com essa questão. Quando se projeta um edifício, desde a fase em que ele está na planta, é de praxe que se explorem possíveis falhas que possam ocasionar incidentes, principalmente de cunho doméstico, como o caso de incêndios. Essa busca é feita com base nas normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). São regras que não devem ser burladas e precisam ser adequadas desde o início do projeto de um prédio. Uma vez que há vidas em jogo, é preciso que haja a precaução necessária e todo o cuidado para que não ocorra erros.
“Em fase de moradia, há um tipo de manutenção preventiva a ser feita na intenção de precaver lares contra incidentes com inflamáveis. O nome dessa Norma Regulamentadora é “NR 23”. A qual determina quais medidas de proteção e combate a incêndio devem ser adotadas. Objetos que auxiliam no combate a incêndios, como extintores, mangueiras, hidrantes, portas corta-fogo, detectores de fumaça, devem ser verificados regularmente pelo síndico, ou outra pessoa responsável por isso. Esses equipamentos precisam ser verificados semanalmente, atestando sua funcionabilidade, para que, caso seja necessária a sua utilização, estejam em perfeitas condições”, alerta ele, que faz um relato pessoal.
Em inspeções que já realizei, encontrei cabos elétricos desencapados (sem proteção), tomadas em curto, ligações de ar-condicionado inadequadas, portas corta-fogo trancadas ou totalmente aberta, reservatórios plásticos de combustível sem tampa (ou destampado), sinalização de energia danificada, mangueiras de hidrante furadas, hidrantes sem “chave de encaixe”, e extintores vazios, entre outras falhas graves. São coisas que, às vezes, passam despercebidas, mas que podem vir a ser fatores determinantes para o alastramento de incêndios”, pontua Alexandre.
Acerca da instalação elétrica feita em residências, o especialista alerta que todos os reparos e trabalhos que envolvam eletricidade devem ser realizados por um profissional habilitado (preferencialmente, técnico ou engenheiro). Só assim há garantia desse trabalho – uma vez que um profissional habilitado aplicará a norma de segurança “NR 10”, que conta com a devida segurança necessária. “Além das manutenções preventivas, é importante que os próprios moradores tenham o devido cuidado diário que deve ser seguido, acerca do armazenamento de produtos inflamáveis, principalmente deixando- -os longe de crianças e incapazes, observando vazamentos de gás, e fazendo a rotineira verificação dos detectores de fumaça, dentre outras medidas.”
MARIO GALVÃO
Apoio especializado é essencial para os síndicos
A realidade de um síndico, não faz muito tempo, era bem diferente. Todos os procedimentos financeiros e administrativos ficavam sob sua responsabilidade. Era o síndico quem contratava ou demitia pessoal, emitia e entregava os boletos de pagamento, fazia as cobranças, pagava os impostos, controlava o caixa, prestava contas e era responsável por todas as questões referentes a reformas e manutenção. Tudo isso, porém, dentro de normas bem mais simples que as atuais.
“Com a grande complexidade das regras que passaram a reger o trabalho de administração de um edifício, ou de um condomínio, tornou-se necessária a criação de empresas especializadas em dar suporte às atividades do síndico, em serviços que vão desde a preparação de folhas de pagamento, à geração e cobrança de valores, o planejamento financeiro, até a aprovação dos balanços. Também surgiram empresas capazes de prestar serviços de fornecimento de mão de obra, como porteiros, jardineiros, zeladores ou faxineiros, assim como empresas para a realização de serviços técnicos ou reformas”, inicia Mauro Galvão, engenheiro civil.
Segundo o entrevistado, as construções exigem, cada vez mais, um conhecimento técnico específico, englobando diferentes áreas da Engenharia, como a Mecânica, a Eletrônica ou a Engenharia de Segurança de Trabalho. E, igualmente, conhecimentos da aplicação de TI, Tecnologia da Informação, com a informatização de procedimentos, como para o uso de alarmes, circuitos fechados de televisão, fechaduras computadorizadas e sistemas em geral. A administração de um edifício ou condomínio se torna mais complexa, também, diante das crescentes exigências e da fiscalização rigorosa, e necessária, de órgãos de controle, como o Corpo de Bombeiros, as prefeituras ou os conselhos regionais de Engenharia e Arquitetura.
Apesar disso, não raramente, tragédias atingem os edifícios brasileiros, na forma de incêndios, explosões ou desmoronamentos. Para evitar que se repitam, os poderes públicos de diferentes cidades criaram uma legislação que determina minuciosas e periódicas inspeções técnicas nas edificações. Isso leva os administradores prediais a realizarem constantemente reformas nas áreas comuns. Essas reformas são rigorosamente regidas por normas técnicas da ABNT”, afirma.
A norma técnica ABNT NBR 16280 normatiza as reformas em edificações e detalha o sistema de sua gestão. Diz que a realização da reforma será de responsabilidade do proprietário ou do responsável legal. Ou de um novo síndico, se a obra for em espaço privativo, como dentro de algum apartamento. O responsável deve contratar um profissional habilitado “que deverá assumir a responsabilidade técnica pelas obras e cumprir o plano de reforma, e todas as normas internas que interfiram na segurança da edificação, pessoas e sistemas”. Mesmo que o síndico possa parecer isento de responsabilidade sobre a reforma, ele vai responder por qualquer problema que possa ocorrer nas edificações sob sua administração, segundo consta no Código Civil Brasileiro (art. 1348, inciso V).
Tendo em vista a segurança das edificações, e para se fazer cumprir as normas técnicas e legais, tornou-se imprescindível para o síndico planejar e realizar os procedimentos previstos na NBR 16280, sempre que houver a realização de reformas no edifício ou condomínio. A publicação da norma tornou ainda mais necessária a contratação de uma consultoria especializada que possa atender aos responsáveis legais pelos imóveis, assim como prover ao condomínio a orientação, o planejamento, o acompanhamento e os registros necessários, de forma a evitar problemas tanto na área administrativa quanto física, da edificação, com atenção especial ao sistema elétrico.”