Acidente fatal com crianças em condomínios: um problema de todos
Qual postura deve ser adotada por estes profissionais diante dos desastres climáticos, como o ocorrido em fevereiro deste ano no litoral Norte de São Paulo?
Ralph Andrade e José Paulo Pires
Uma criança, de 7 anos, morreu recentemente no Rio de Janeiro após cair de uma altura de quatro metros de um apartamento no Andaraí, Zona Norte da capital fluminense. As primeiras informações apontam que o menino estava em casa sem a presença de responsáveis. Segundo a Polícia Militar, uma equipe da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) Andaraí foi acionada para a Rua Dona Amélia para verificar uma ocorrência envolvendo criança. Ao chegar no local, o fato foi constatado e o menino encontrado sem vida, na frente da portaria do prédio.
E este não é um caso isolado. Muitos episódios semelhantes se repetem pelo país. Mas o que vizinhos e síndicos podem fazer quando tiverem conhecimento de menores que são deixados sozinhos em casa, sem a presença de adultos? Quais medidas administrativas e legais o condomínio pode e deve tomar? Em casos de acidentes extremos, pode ser acusado de omissão?
“Com relação ao lamentável acidente ocorrido com um criança no Andaraí e veiculado nos diversos meios de comunicação, é sempre importante frisar que, no caso de vizinhos e síndicos terem conhecimento e constatado a presença de menores no apartamento ou casa sem a presença dos responsáveis, eles devem imediatamente informar e acionar a Polícia Militar e o Conselho Tutelar da localidade, uma vez que o abandono de incapaz é crime previsto no Código Penal Brasileiro”, pontua Ralph de Andrade Júnior, advogado criminalista há 25 anos, secretário-geral nacional da Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim) e coordenador no âmbito criminal da diretoria de Valorização da Advocacia da OAB-RJ.
Segundo ele, entre as medidas administrativas que o condomínio pode tomar está solicitar que o condômino instale tela e proteção no apartamento, onde detectar a existência de criança. Entretanto, o condomínio não tem como obrigar a adoção dessa postura, pois essa é uma obrigação dos responsáveis. As medidas legais são exatamente, tendo conhecimento do abandono, comunicar imediatamente o fato às autoridades para que seja evitado qualquer tipo de dano ao menor, sob pena de ser responsabilizado cível e criminalmente.
Até mesmo nas áreas comuns dos condomínios os pequenos não devem andar sós. Mas qual é a idade mínima para a circulação de crianças sem um responsável? Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a pré-adolescência começa aos 10 anos. Este é o limite utilizado para muitas legislações que orientam os direitos das crianças. Já pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 2º, considera ‘criança’ a pessoa até 12 anos de idade incompletos.
O ideal é que sejam analisadas as características de cada condomínio, e que a decisão seja tomada em conjunto, de forma sensata, constando do regulamento interno. Locais como garagem e piscina, por serem mais suscetíveis a acidentes, que podem ser fatais, devem ter atenção redobrada na hora de decidir a idade mínima para circulação. Em qualquer ambiente, medidas educativas de caráter pedagógico e preventivo ajudam a proteger o condomínio em qualquer eventualidade.
A ampla responsabilidade dos síndicos
Especialista em Segurança Pública, o delegado José Paulo Pires também conversou com a Revista dos Condomínios sobre o tema. Começamos pelo seguinte ponto: o que vizinhos e síndicos podem fazer quando tiverem conhecimento de casos de menores que são deixados sozinhos em casa, sem a presença de um responsável? Nosso especialista inicia sua fala afirmando que a responsabilização do síndico e dos moradores de condomínios que se deparam com essa situação é diferente.
“Os síndicos são os gestores dos condomínios. Têm a obrigação legal de informar às autoridades tal situação. O síndico deve acionar, imediatamente, o Conselho Tutelar ou a Polícia Civil ou Militar. Não nos esqueçamos que, quanto ao síndico, suas atribuições são zelar pelos três ‘esses’: saúde, segurança e sossego de moradores e do condomínio. Não só com relação aos menores de idade, mas também com relação aos animais, idosos, mulheres e toda pessoa em situação de vulnerabilidade”, pontua.
Ele reforça que a Lei nº 9.683/22, que passou a vigorar a partir de 11/08/22, “dispõe sobre a responsabilidade de os condomínios residenciais e comerciais afixarem, nas áreas comuns e de circulação de condôminos, cartazes ou placas para divulgação dos canais oficiais de denúncia de violência e negligência contra crianças e adolescentes”. Segundo Pires, esses canais de denúncias são vários, como o Disque Denúncia, Polícia Militar, Disque 100, DECAV (Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima), além de outros órgãos.
Além disso, aponta ele, no Código Penal há o crime de omissão de socorro, que pode ser imputado à qualquer pessoa, síndico ou moradores: “Art. 135 – Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa. Parágrafo único – A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte”.
Pires esclarece que não se deve esquecer a responsabilidade civil do condomínio e/ou do próprio síndico, quando ocorrem casos de omissão, por parte deste último. Nada impede que, por exemplo, uma mãe, separada, cujo filho fora abandonado sozinho no apartamento pelo pai, e que venha ou não a sofrer alguma lesão ou morte, acione civilmente o condomínio para receber pelos danos materiais e morais porventura sofridos.“Além disso, a depender do entendimento dos operadores do Direito, como delegados, juízes, promotores, advogados e defensores públicos, o síndico pode responder pelo próprio crime praticado pelos pais, pois o artigo 13 do Código Penal, que trata da relação de causalidade, dispõe no parágrafo 2º: ‘Relevância da omissão. A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado’”.
Atuando na Divisão de Capturas e Polícia Interestadual (POLINTER), José Paulo Pires conclui: “Nessa linha de raciocínio, não é improvável a responsabilização do síndico pelos crimes eventualmente praticados pelos próprios pais, como abandono de incapaz (Art.133,CP); submeter criança ou adolescente a constrangimento ou vexame (Art.232, ECA); homicídio (Art.121,CP), entre outros crimes”.
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