Contas nas alturas, pés no chão
Vários fatores podem causar contas exorbitantes de água e energia. É preciso ter métodos apurados para identificar os problemas e lidar com as empresas prestadoras dos serviços
CARLOS MATHEUS
Um grande número de condomínios enfrenta, ou já encarou em algum momento, situações de litígio ou ações judiciais junto a empresas fornecedoras da luz, água e gás. Leituras erradas de consumo, desperdício, vazamentos ou ligações clandestinas podem estar por trás de contas astronômicas, impagáveis. E aí, como deve se comportar o síndico? Investigar as possíveis causas desse alto consumo, tentar negociar com a empresa ou partir logo para a Justiça? Condôminos precisam ser alertados e consultados? É preciso investir em vistorias no prédio e nos medidores? Na maioria das vezes, qual costuma ser o desfecho desses imbróglios judiciais?
Carlos Matheus Monteiro dos Santos Silva é advogado e síndico profissional, pós-graduando em Direito e Gestão Condominial pela Universidade Cândido Mendes e membro da Comissão de Direito Imobiliário da ABA/RJ e da Comissão de Direito Imobiliário e Condominial da OAB/São Gonçalo. “Sabemos que a conta de água está entre os maiores gastos financeiros de um condomínio. Na maioria das vezes, elas são elevadas pelas cobranças indevidas, pelos vazamentos e pelo desperdício. E, nos condomínios com apenas um hidrômetro para todas as unidades, a tarifa de água é ainda maior, pois depende da economia de todos os condôminos e da boa-fé das concessionárias. Entretanto, há algumas alternativas para diminuir tais gastos”, afirma.
“Inicialmente, será necessário que o síndico identifique o problema. Missão que, no caso de vazamentos, não é uma tarefa fácil, já que ocorrem de forma silenciosa. Por isso, será necessário que ele fique atento e instrua os condôminos a verificar suas unidades, com cartilhas contendo informações dos passos a serem seguidos, além de o próprio estar atento à ocorrência do problema nas áreas comuns”, explica.
Segundo Carlos Matheus, ainda que a adoção de medidas como essa ajude a reduzir as contas, é preciso ressaltar que, na maioria dos casos, o valor não tem origem nas unidades autônomas ou nas áreas comuns do condomínio especificamente. A questão é a forma de cobrança realizada pelas concessionárias, principalmente, nos condomínios que possuem um único hidrômetro e utilizam o método de rateio: elas vêm cobrando o condomínio pela tarifa mínima multiplicada pelo número de unidades autônomas.
“Suponhamos que a empresa cobre 20m³ de tarifa mínima por unidade e que haja um condomínio com 35 unidades. Mesmo que ele gaste 100m³, a cobrança será equivalente aos 700m³ — valor sete vezes maior do que o gasto de fato. Mas a maioria dos condomínios não chega a gastar nem metade dessa quantidade em seu consumo efetivo. Em nosso escritório de advocacia, tivemos reduções de até 80% no valor da tarifa de água. Em um dos casos, a conta atingiu o valor de R$ 10.617,94, com base na tarifa mínima multiplicada pelo número de unidades, e baixou para R$ 2.100,00 na cobrança real, marcada pelo hidrômetro, após ação judicial. Por isso, é necessário que o síndico procure um escritório especializado que possa analisar as contas e verificar a aplicabilidade da ação no caso”, aconselha.
ARLU FRANCK
As responsabilidades dos síndicos
Graduado em Direito pelo Instituto Baiano de Ensino Superior e em Geografia pela Universidade Federal da Bahia, Arlu Franck Silva Junior é também síndico profissional. Ele também conversou com a REVISTA DOS CONDOMÍNIOS sobre o tema. “É bom esclarecer que as contas de consumo cobradas individualmente, de forma direta e vinculadas aos CPFs dos consumidores de unidades privativas, ainda que dentro dos condomínios, constituem relação de consumo entre os condôminos e as concessionárias, não tendo o síndico competência ou responsabilidade legal para atuar na defesa dos condôminos. Já as contas cobradas e vinculadas aos CNPJs dos condomínios constituem uma relação entre o condomínio e as concessionárias e, nesses casos, a responsabilidade para atuar na defesa dos interesses da coletividade é justamente do síndico”, explica.
Nesse sentido, ressalta Arlu, é importante destacar que o art. 1.348 do Código Civil traz o rol das competências do síndico, dentre as quais destacam- -se: a representação ativa e passiva do condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns e a elaboração orçamento da receita e da despesa relativa a cada ano. Dentro da esfera de atribuições relativas à elaboração do orçamento, o controle mensal e o acompanhamento do histórico de consumo são procedimentos fundamentais para uma boa gestão das despesas com concessionárias. Essas medidas também servem para identificar possíveis problemas ou defeitos nos hidrômetros/medidores de gás e energia.
“Em se tratando de problemas ou defeitos, a recomendação é que o síndico comunique imediatamente à concessionária e solicite a substituição dos equipamentos defeituosos. Tanto a comunicação quanto a solicitação devem ser formalizadas, e os registros de protocolos precisam ser arquivados. Esses passos são de muita relevância caso os problemas ou defeitos persistam, e o condomínio necessite ingressar com uma ação judicial”, alerta ele, que prossegue em sua análise.
“Na seara das competências do síndico, destaca-se ainda a obrigação de dar imediato conhecimento à assembleia da existência de procedimento judicial ou administrativo, de interesse do condomínio. Dessa forma, não resta qualquer dúvida que o síndico deve alertar os condôminos sobre a necessidade de eventual processo judicial em virtude de problemas ou defeitos nos hidrômetros e medidores de gás e energia, que resultem no aumento das despesas condominiais.”
A checagem e a vistoria nas unidades privativas e nos medidores são procedimentos de grande importância no auxílio à detecção de vazamentos. Para auxiliar no controle interno e prevenir possíveis perdas ou ligações clandestinas, o condomínio pode fazer o uso de aplicativos de monitoramento em tempo real. “É bom lembrar que boa parte das ações judiciais ocorre, justamente, como fruto da inércia ou demora dos condomínios em atuar junto às concessionárias. Infelizmente, por conta da inexperiência, muitos síndicos voluntários sequer sabem como proceder nesses casos.”
Segundo Arlu Franck, nos casos em que a responsabilidade decorre de falha na prestação de serviços pelas concessionárias, se o condomínio seguir as recomendações – comunicação imediata à concessionária, além de solicitar a substituição dos equipamentos defeituosos e ter todos os registros de protocolos arquivados -, a chance de êxito em uma ação judicial é alta. “Por fim, é importante lembrar que a função de síndico atualmente requer muito mais do que boa vontadee voluntariedade. São muitos os riscos que os síndicos, profissionais ou não, estão sujeitos ao praticarem atos de gestão. Atos que são passíveis de questionamentos futuros caso não sigam os princípios básicos de governança condominial. Assim, é recomendável que os síndicos, mesmo aqueles voluntários, se preparem e se capacitem para assumir a função.”
FABIANA BAHIA
Orçamento acaba comprometido
Fabiana Bahia é síndica cinco estrelas em Salvador, e há 25 anos atua no setor condominial. “O susto ao receber uma conta de consumo que extrapola o orçamento mensal é uma surpresa indesejada. A realidade da maioria dos condomínios no Brasil é possuir uma receita enxuta, às vezes agravada pela inadimplência, e que comporta apenas a manutenção das suas despesas ordinárias. Assim, uma conta de consumo de valor superior à média existente pode ocasionar um déficit orçamentário e, muitas vezes, atrapalhar toda a gestão anual programada. É sempre preciso o olhar atento do síndico junto aos seus colaboradores no sentido de realizar vistorias em relógios e medidores, manter planilha diária para anotação dos marcadores, para evitar possíveis gastos desnecessários, bem como poder, caso preciso, contestar leituras indevidas ou que não condizem com o consumo mensal do condomínio”, diz.
Fabiana considera fundamental a colaboração dos condôminos para manter o controle dos gastos no condomínio, com a verificação, dentro de suas unidades, de possíveis vazamentos, torneiras pingando com frequência, descargas disparando, ou cheiro forte de gás. Enfim, a vigilância deve ser de todos.
“Ao receber uma conta que exceda o valor esperado, o primeiro passo é entender o porquê de ter se chegado a isso. Desvio de energia? Tubulação de gás com vazamento? Algum cano subterrâneo ou interno furado? A revisão geral deve ser imediata para que o síndico possa, então, se organizar e promover o caminho a ser seguido. Inicialmente parte-se para tratativas diretas entre condomínio e a empresa prestadora do serviço. Tenho experiência pessoal em conseguir junto à abastecedora de água, por exemplo, a isenção de cobrança de taxa de esgoto por conta de vazamento na entrada do hidrômetro, provando que essa água consumida não passou pelo sistema hidráulico e foi perdida sem uso. Com isso, tivemos um desconto de 80% no valor a ser pago”, recorda.
Não sendo possível um entendimento amigável entre as partes, não há outra solução que não a esfera judicial. Com conhecimento da comunidade, o síndico, juntamente com a assessoria jurídica, entra com pedido de revisão, caso seja constatado erro da prestadora, ou de parcelamento, caso seja verificado que o consumo é devido. Nesse cenário, a dica é ter calma e paciência, para aguardar que a questão seja solucionada no tempo da Justiça, que, em geral, costuma decidir em favor das demandas condominiais.