Fim do ano: época de balanço e planejamento

Muitos detalhes exigem a atenção dos síndicos na hora de elaborar o orçamento e traçar o plano de voo para a sua gestão no próximo ano. Veja dicas de especialistas

 

Edméa Guimarães

A proximidade da virada do ano costuma deixar latente a fragilidade financeira de muitos condomínios, bem como a angústia de muitos síndicos. É hora de fechar as contas com as despesas extras que marcam o final do período, bem como refazer as contas para calcular ou prever um orçamento factível e suficiente para cobrir os gastos em 2023. Quais são os caminhos para fechar bem o ano e programar a contento o próximo, ainda mais num contexto de crise? Negociar inadimplências? Revisar contratos? Abrir mão de serviços? Dispensar funcionários? A Revista dos Condomínios foi atrás de especialistas capazes de responder a todas essas questões.

Engenheira mecânica com 35 anos de experiência em Planejamento Estratégico e Controle de Projetos, Edméa Guimarães presta consultorias e, no passado, foi executiva de empresa offshore multinacional que atuava junto à Petrobras. “Sabemos que ainda estamos passando por consequências financeiras relativas ao período de pandemia. Dessa forma, é necessário estarmos atentos ao atual momento, seja como condomínio ou como condômino. Antes de iniciar a montagem do orçamento para sua próxima gestão ou ano, é necessário levantar todas as premissas que serão levadas em consideração”, pondera.

O primeiro ponto destacado por nossa entrevistada é a inadimplência. “Ela é algo sempre negociável, afinal sou adepta de que ‘é melhor um mau acordo do que uma boa demanda’, pois um acordo leva muito menos tempo e, normalmente, sobre este não incorrem despesas, além de preservar a saúde financeira do devedor, o que diminui os riscos de reincidência. Dito isso, o síndico deverá sempre procurar o responsável financeiro e dialogar a fim de entender os motivos e negociar a dívida. Entretanto, juros e multas não poderão ser perdoados. Porém, poderá parcelar a dívida, assim todos ganharão. Acredito que entrar com ação judicial deve ser a última opção, pois esta é muito lenta e todos perdem.”

Em relação aos funcionários, alerta Edméa, devem ser observados fatores como número de colaboradores; descrição de cargo, atividade exercida e análise de desempenho; previsão de dissídio, férias e 13° salário, seguro de vida, encargos e benefícios. No quesito tarifas e taxas, os cálculos com telefone fixo (é realmente útil ter uma linha fixa na portaria para comunicação de todos?), celular (avaliar a necessidade).

“Quando o assunto é o consumo de água, o síndico deverá verificar na Convenção e Regimento qual a metodologia de cobrança das unidades. Exemplo: se o seu condomínio tem hidrômetro individual, nessa rubrica deverá ser lançada tão somente o valor que o condomínio assume (áreas comuns, se for o caso) pois a medição e cobrança individual virá no boleto condominial. Já na energia elétrica, o síndico deverá fazer uma análise do consumo dos equipamentos, para que seja feita a estimativa de consumo no orçamento”, indica Edméa, que relaciona as medidas a serem tomadas pelo síndico na esfera dos contratos. “É preciso listar todos os contratos vigentes e suas considerações.”

Sobre o grupo manutenção de equipamentos, há aqueles sujeitos a regras legais, tais como extintores e mangueiras de incêndio, manutenção de para-raios, portas corta-fogo, pressurizadores de escada, limpeza de ar-condicionado, limpeza de reservatórios de água, desratização e dedetização. “Neste grupo, por ter claramente definida uma periodicidade para as intervenções e também dispor de um bom número de prestadores de serviço, devidamente credenciados e de boa qualidade, é preferível fazer contratações por intermédio de uma tomada de preço no mínimo 15 dias antes da data-limite. Mesmo no caso de um problema localizado, esses prestadores têm atendido em intervalos muito curtos, de menos de 12 horas, mais de uma vez, devido ao grande número de empresas que podem prestar esses serviços.”

Há ainda equipamentos essenciais, tais como geradores, bombas de água, compactadores de lixo, elevadores (geral e cadeirante), rampas hidráulicas de acesso a garagens, interfone, sistemas de controle de acesso, sistema de câmeras, sistema de alarmes e portões. “Esse é o grupo onde os contratos de manutenção são, em minha opinião, essenciais. Precisam de prontidão imediata, que só pode ser garantida por meio de contratos que amarrem prazos de atendimento curtos”, diz Edméa. Por fim, os equipamentos de lazer, tais como piscina, hidromassagem, sauna, equipamentos de academia, geladeiras, freezer, fogões, churrasqueiras, aparelhagem de som e brinquedos. Segundo nossa entrevistada, esse grupo pode ou não ter contrato de manutenção. Vai depender da disponibilidade financeira e se o condomínio dispõe ou não de pessoal com capacidade técnica e ferramentas suficientes para enfrentar parte dos problemas que podem apresentar.

Análise crítica da prestação de serviços

Na prestação de serviços administrativos essenciais, Edméa Guimarães também faz algumas diferenciações. “No serviço de portaria, o mais importante para o dia a dia do condomínio, deve, a meu entender, ser terceirizado. O motivo principal é que, sendo funcionário próprio, uma eventual substituição por falta ou férias trará despesas adicionais altas, ou mesmo será impossível, como no caso de falta de última hora. Como vantagens adicionais da terceirização, temos as questões trabalhistas, por vezes custosas e demoradas. Já o serviço de limpeza pode ou não ser terceirizado. Creio que deve ser enfrentado organicamente por um grupo de funcionários próprios, em que pese a dificuldade de se substituir um dos funcionários por falta, férias ou doença. A dificuldade aqui é a seleção e o treinamento desses profissionais, algo que deve envolver o síndico de maneira direta. Mas, uma vez atingido esse objetivo, se obtém um grau de comprometimento destes muito superior ao que de melhor se pode obter em caso de terceirização”, defende.

Nos serviços de vigilância, Edméa defende que terceirizar é, em 99% dos casos, a solução. “Esses profissionais têm treinamento específico, ainda mais se a opção armada for a escolhida”, explica. Já no caso de salva-vidas ou guardião, a dica é verificar a metragem de sua piscina, se está enquadrada nas regras do Corpo de Bombeiros (com exigência ou não de guardião). Como nesse item se trata de um serviço prestado por profissional com treinamento específico devidamente licenciado, a opção por terceirizar é praticamente mandatória. Para uma possível isenção de guardião, é necessário levar para votação em assembleia com o projeto de viabilização de redução do tamanho da piscina, para no pós-obra solicitar registro junto ao órgão responsável no Corpo de Bombeiros sobre a isenção.

Outras dicas para levantar e planejar os custos são: montar uma dotação dos materiais de escritório de uso habitual a fim de obter um melhor controle físico e financeiro; verificar a real necessidade do uso do serviço dos Correios, já que existem opções mais eficientes e baratas, como e-mail e protocolo na portaria; montar uma dotação dos materiais de limpeza e copa de uso habitual, a fim de obter um melhor controle físico e financeiro; e fazer a licitação do seguro obrigatório com corretoras especializadas em condomínio, apontando as particularidades do seu.

“Todo custo ou despesa aprovado em assembleia que não faça parte do seu orçamento ordinário deverá ser tratado à parte, como se fosse um projeto, solicitando à administradora a abertura de uma conta específica, facilitando o controle físico e financeiro. Após obter os dados listados acima, o síndico deve partir para a montagem efetiva do orçamento. Aconselho o acompanhamento dos conselheiros fiscais nessa fase, que pode ser dividida em quatro etapas”, explica Edméa Guimarães que, a seguir, resume
cada uma delas.

“Na primeira fase, o síndico deve obter a média de gastos praticada um ano antes da pandemia e durante a pandemia. Qual objetivo? Analisar o comportamento de seu condomínio nesses dois momentos distintos. Num segundo passo, deve confrontar com os valores obtidos em sua montagem de premissas. Observem que o passo mais lento é justamente esse: a montagem das premissas, pois não se faz orçamento se não souber seu objetivo. A discussão em cima das premissas é lenta, mas imprescindível. E deverá partir do síndico. Está inseguro? Procure ajuda, lembrando sempre que deve estar com o ‘pé no chão’, pois uma coisa é querer, outra é o que é necessário.”

Edméa parte, então, para a terceira fase. “Resultado do confronto (comparação). Deu acima do previsto? Retorne às premissas. Essa é a pior parte, mas vamos lá… Tente aumentar sua receita. Seu condomínio tem salão de festas? É possível pensar numa redução do valor do aluguel a fim de captar mais usuários? Simule o custo x benefício. Seus contratos de manutenção são antigos? Faça uma nova licitação, convidando o atual prestador a participar, a fim de obter o valor praticado no mercado para uma possível negociação. Funcionários são um tema muito delicado. Na maioria das vezes que o síndico passa a analisar seus custos com pessoal orgânico, pratica de forma inconsciente alguma discriminação: veja quanto custa cada função. Anuênio? Vale transporte? Inicia-se uma difícil decisão, sempre tomada à luz do custo x benefício. Mas essa é uma análise necessária. Uma vez esgotado o assunto, leva-se ao Conselho Fiscal, que poderá trazer novas ideias.” A parte final é justamente a apresentação do orçamento, finalizado com os conselheiros fiscais.

Ela ainda deixa dicas finais para os síndicos. “Atentem que sempre é necessário compartilhar o risco com o Conselho Fiscal e, se tiver, com o Conselho Consultivo. Mantenha o foco. Em momentos difíceis, cada destinação de recurso deverá ter nome pois, assim, não haverá desvio sem identificação, pois a cobrança por parte dos condôminos será enorme! Transmita segurança em suas ações, mostrando transparência em suas contas. Cotações para aquisição? Sim! Sempre! No mínimo três. Documente e arquive tudo. Reparos emergenciais? Procure seu Conselho e leve o assunto imediatamente. Ninguém apareceu e nem se pronunciou? Mas você fez seu papel de consciência limpa e tome a ação necessária para sanar o problema. O valor do reparo é significativo? Não esqueça de trocar uma ideia com seu corretor, pois ele é a peça-chave para a tomada de decisão.”

Márcia Mendonça

Atenção aos contratos e seus respectivos índices

Márcia Mendonça é síndica, contadora, CEO do Confiança Contábil e membro da Comissão de Contabilidade Condominial do CRC/RJ. “Condomínios são guiados – ou assim deveriam ser – por um bom orçamento, que fosse elaborado no sentido de contemplar suas necessidades reais. Parece óbvio, não é mesmo? Mas, muitas das vezes, não é o que acontece”, inicia nossa segunda entrevistada, que prossegue. “Algumas medidas importantes precisam ser observadas mais de perto, pois não se trata apenas de aprovar um orçamento e aguardar o próximo ano para mudar de cenário, fazendo com que esse lapso de tempo possa ser tarde demais para a recuperação financeira do condomínio. Então, qual seria a melhor medida? O ideal seria criar um orçamento com despesas pontuais e, em seguida, acompanhar mensalmente o orçamento previsto em paralelo com o realizado. E como se daria isso? Inicialmente, seria apresentando, em relatórios mensais, a demonstração das contas orçadas com o que de fato foi dispendido no fluxo de caixa do condomínio. Uma espécie de checagem entre teoria e prática”, explica.

Segundo Márcia Mendonça, essa medida é relevante, pois de imediato traz transparência, tanto ao gestor como aos condôminos, no entendimento de que as despesas estejam ou não sob controle, ou seja, se o gasto foi orçado ou menor do que foi aprovado e, nesse caso, há uma sobra em caixa mensal. Ou, no outro extremo, se foi extrapolado, situação na qual é aceso o “sinal vermelho” e algo precisa ser verificado ou ajustado. De forma a colaborar ainda mais, as administradoras poderiam já se utilizar desse tipo de relatório e enviá-lo ao síndico periodicamente, a fim de que pudesse não só acompanhar a saúde financeira do condomínio, mas fazer uma espécie de comparativo, se tornando mais assertivo na tomada de decisões de curto e longo prazo, sempre de forma planejada.

“Na área de pessoal, seria prudente o condomínio verificar se o seu quadro de funcionários está compatível com o porte do empreendimento, principalmente em condomínios recém-instalados. Em uma rápida análise, podem ser reduzidos grandes gastos com folha de pagamentos, onde, em muitos casos, esse tipo de despesa representa uma das maiores do orçamento. Percebemos também que algumas medidas não favorecem o equilíbrio financeiro como, por exemplo, a não previsão de gastos com a folha do 13º salário, o que pode sobrecarregar a unidade condominial com pagamentos extras, acarretando a possibilidade de inadimplência. Em outros casos ocorre um desajuste orçamentário por conta de férias acumuladas de colaboradores e possíveis rescisões de contrato de trabalho. Tudo isso pode ser evitado se estiver prevista no orçamento a projeção de 1/12 dessas despesas e, consequentemente, reserva desses valores em um fundo.”

Outro ponto importante é a revisão de todos os contratos de serviços, sem exceção. Inclusive os contratos de administradoras que, muitas das vezes, são contratados no início do condomínio diretamente com o incorporador ou construtora e, assim, passam despercebidas algumas cláusulas importantes, tais como prazo e aviso prévio, sendo razoável contratos que tragam em seu instrumento cláusula de serviços por tempo indeterminado e prazo de aviso prévio de 30 dias. Assim, em possíveis rescisões o condomínio não será pego de surpresa com multas contratuais que se tornam pesadas. 

“É de suma importância a análise dos índices de reajuste em contratos pois, em alguns casos, podem trazer aumento acima do índice de categorias sindicais que revisam aumentos da folha de pagamento, por exemplo. O condomínio possui, em alguns casos, diversos contratos de serviços diferentes e uma pluralidade de índices de reajustes, demonstrando que não deve fixar um único índice para reajustar todas as contas em seu orçamento, pois elas não se comportam de maneira igual. É primordial conhecer cada um e adotar, no orçamento, aquilo que for compatível para cada conta/despesa. Em paralelo, fazer cotações de preços perante os concorrentes pode ajudar em possíveis negociações e redução de orçamento para o próximo ano”, aconselha Márcia Mendonça.

Vale destacar que a revisão orçamentária do condomínio ,nos casos onde é planejada a mudança de quadro de funcionários para terceirizados, pode até gerar economia na alternância para a terceirização, pois os pisos salariais das duas categorias profissionais podem trazer diferenças relevantes, além da gestão de funcionários próprios sobrecarregar o condomínio com despesas extras por substituição de pessoal, colaboradores afastados e ainda redução de outros gastos, tais como: uniformes, exames médicos, programas de saúde, benefícios, e vale transporte. Ressalte-se que, pelos pontos destacados, a terceirização dá maior previsibilidade anual para o orçamento do que um quadro próprio.

“Não podemos esquecer de uma parte importante para o fluxo de caixa, que é a negociação com os inadimplentes, fruto de um trabalho mensal, ou seja, constante. E que, se bem elaborado, ajuda o condomínio a trazer, de forma mais célere, recursos que poderiam estar perdidos, melhorando ainda mais a liquidez. Por último, reforçamos que a previsão orçamentária não prevê receita, mas aponta despesas com o intuito de se obter a arrecadação necessária, estimada, a fim de honrar compromissos muitas das vezes já contratados. Apontar despesas requer um trabalho de análise e planejamento, o que deve ser feito com consciência e responsabilidade, pois imputa expectativa de recursos e obrigação de longo prazo para as unidades condominiais.”

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Edméa Guimarães

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Márcia Mendonça

marcia@confiancacontabil.cnt.br