Mudança na votação para a destinação dos condomínios é vista com otimismo

Medida visa à revitalização dos Centros das grandes cidades, transformando o cenário

 

Rubens Carmo Elias Filho

No dia 21 de junho, foi aprovada no Plenário da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 4000/2021, de autoria do senador Carlos Portinho (PL-RJ). Esse PL altera o Código Civil e permite que dois terços dos votos dos condôminos possam alterar a destinação do edifício ou da unidade imobiliária.

O projeto já havia sido aprovado pelo Senado Federal. Agora, irá para sanção do presidente da República, Jair Bolsonaro. E é considerado vital para dar massa crítica à proposta de transformar o uso de antigos prédios comerciais e corporativos para híbridos ou residenciais.

As expectativas do mercado condominial quanto à agilidade da sanção, que tramita em regime de urgência, são imensas, bem como os seus benefícios. Uma das vozes otimistas é a de Rubens Carmo Elias Filho, advogado com mais de 25 anos de experiência na área imobiliária, sócio responsável pelas áreas de Direito Imobiliário e Contencioso Cível Imobiliário do escritório Elias Matias Advogados, acredita que as mudanças não vão demorar para ser postas em prática.

“A alteração no artigo 1.351 do Código Civil há muito é esperada e desejada, posto que o critério da unanimidade torna extremamente engessada a possibilidade de alteração de destinação não apenas da do condomínio e de unidades autônomas, como também causava dúvida sobre a alteração da destinação de áreas comuns, quando a convenção de condomínio não estabelece um critério menos rígido para a alteração. Acredito que a inovação legislativa será rapidamente incorporada ao sistema condominial, como se verificou igualmente com a assembleia eletrônica e a conversão da assembleia em sessão permanente para alcançar quórum especial”, afirmou Rubens Elias.

Considerado vital para dar massa crítica à proposta de transformar o uso de antigos prédios comerciais e corporativos em híbridos ou residenciais, o projeto, segundo Rubens Elias, será um passo enorme na revitalização dos centros das grandes cidades com áreas degradadas e em declínio há algum tempo. E que tiveram situação agravada pelo impacto da pandemia da Covid-19.

Rubens Elias, que é mestre e doutor em Direito Civil pela PUC/SP, já projeta como impacto positivo na economia das cidades os programas de requalificação do Centro, como indutores à melhor ocupação das regiões centrais, atualmente pouco habitadas, conferindo melhor aproveitamento dos serviços públicos como transporte, água, energia elétrica, gás etc.

“Além disso, o retorno da ocupação residencial na região central enseja movimento no período noturno, contribuindo igualmente para a redução da violência e insegurança. Desta mesma forma, as regiões centrais, mais bem ocupadas, contribuirão para o retorno da atividade comercial, incrementando a economia local. Enfim, são muito positivas as perspectivas. Cabe, porém, ao município, além de incentivos fiscais e redução de exigências para as edificações, focar na segurança pública, sem o que a população não se mostrará incentivada a retornar às regiões centrais”, alertou.

Para a administração condominial, a nova formulação trará, segundo o advogado, a mudança da destinação de um condomínio. “Certamente é uma das medidas mais expressivas e impactantes na vida condominial, a exigir uma série de cuidados nas aprovações com base na cuidadosa análise da qualidade de condômino, com a consequente alteração da convenção de condomínio, como também nos critérios operacionais, técnicos e de edificações. Por exemplo, a alteração da destinação pode ensejar um período de transição, com utilização mista do prédio, conjugando unidades residenciais e comerciais. As licenças administrativas e urbanísticas podem exigir providências distintas, além de adequações nas estruturas da edificação”, disse.

Sem infringir regras do plano diretor e zoneamento urbano

De acordo com a relatora do projeto, a deputada Clarissa Garotinho (União-RJ), a mudança de destinação, ainda que aprovada pelos condôminos, não poderá infringir as regras do plano diretor e das demais normas de zoneamento urbano. Essas normas podem proibir, por exemplo, o comércio em bairros exclusivamente residenciais. Rubens Elias lembra que a disciplina de uso e ocupação do solo é de competência municipal, conforme previsto na Constituição Federal. É que compete ao município, com base no interesse público e social, definir a destinação das diferentes regiões da cidade.

 

“Logo, a regra-base para a destinação das edificações é, sem dúvida, a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo e o Plano Diretor Estratégico. Logo, se determinado bairro for exclusivamente residencial, não será permitido ao condomínio alterar sua destinação para comercial, por exemplo, e vice-versa. Por outro prisma, se determinado condomínio for exclusivamente residencial, mesmo que a lei urbanística municipal permita que naquela região sejam instaladas atividades comerciais, não será assim permitido naquele condomínio específico”, destacou.

 

O projeto prevê ainda que dois terços dos votos dos condôminos em assembleia poderão validar a mudança da destinação do condomínio. Mas é sabido que nem sempre o clima é amistoso nessas reuniões. Diante de uma reunião tão importante para a tomada de uma decisão como essa, torna-se vital estimular e manter a boa-fé e a paz social dos condôminos.

 

Para Rubens Elias, é importante frisar que a convenção de condomínio é o ato-regra que disciplina a vida condominial, cujas normas devem ser respeitadas por todos os condôminos e demais usuários para a preservação da convivência e pacificação social.

 

Ainda segundo ele, nem toda convenção de condomínio precisa necessariamente contemplar a exigência de dois terços para a alteração, sendo até mesmo recomendável que, em determinadas circunstâncias, com base em elementos próprios de cada edificação, se discipline até mesmo a unanimidade para eventual alteração de uma determinada unidade autônoma de finalidade específica e essencial para aquela edificação ou até mesmo para determinadas áreas comuns.

 

“Logo, a primeira cautela é atender às regras do condomínio e, após, é fundamental que se estabeleçam critérios claros, transparentes, indicados nas cartas de convocação para que as deliberações sejam válidas e eficazes. Deliberações tão estratégicas como essas devem também ser preventivamente discutidas e apresentadas aos condôminos, antes das assembleias, oportunizando amadurecimento para a tomada da decisão”, alertou o advogado.

Revitalização arquitetônica e urbanística incrementará turismo

Existem questões também quanto à forma de como se daria essa intervenção urbanística. Haverá também revitalização arquitetônica? Prédios históricos devem ser preservados ou seu estado de conservação pode decretar sua completa modificação? Rubens Elias pontua que cada caso é um caso, e acrescenta:

“Não existe fórmula pronta. Há prédios que, diante do estado precário, possam exigir até mesmo a demolição, assim como existem outros que podem exigir reforço estrutural e adaptações impactantes, sempre submetidas à disciplina do Código de Obras e Edificações de cada municipalidade. Prédios históricos, antes de eventuais intervenções, caso sejam tombados, exigirão previa autorização do órgão de preservação. Enfim, a análise do caso concreto levará as medidas a serem adotadas, contando com profissionais capacitativos na área do direito, engenharia e arquitetura.”

Há quem vislumbre o momento como o ideal para a criação de condomínios mais verdes e sustentáveis. Da mesma forma, a recuperação ou criação de áreas verdes e melhoria da mobilidade. Ajustes nos gaba
ritos das alturas dos prédios facilitariam a exposição da luz solar e da circulação dos ventos. Rubens Elias vê com bons olhos essas possibilidades.

“Evidentemente, todas as adaptações capazes de atender aos critérios de sustentabilidade, não apenas no âmbito do uso racional dos recursos naturais, mas também no âmbito social, como acessibilidade, se mostram oportunas, contribuindo para o bem-estar e também para a valorização do patrimônio. Os programas municipais de requalificação (retrofit) têm contemplado incentivos para viabilizar melhor aproveitamento dos espaços, com redução de restrições e até mesmo incentivos fiscais de IPTU e ISS. É excelente oportunidade de buscar aproveitar a edificação da melhor forma possível.”

Com isso, torna-se também um desafio a convivência de forma harmônica do antigo preservado e recuperado, com o moderno e atualizado, e cidades como Barcelona e Lisboa são bons exemplos de transformações dessa ordem. Rubens Elias é um dos entusiastas de projetos voltados à valorização dos centros urbanas das grandes cidades, especialmente porque, segundo ele, permitem conjugar seus valores históricos e culturais ao bom turismo.

“A conjugação de residências e comércio nessas áreas contribui sobremaneira para a preservação das regiões centrais, convivendo com as áreas históricas, que podem ser ricamente preservadas, com a fruição da sociedade. Não são poucos os exemplos de prédios e monumentos históricos preservados e usufruídos pela população, incentivando inclusive o turismo local e, consequentemente, o comércio e serviços como restaurantes, passeios, ônibus de turismo etc.”

Rubens Elias vê também com otimismo a boa aceitação da população das metrópoles a esse novo projeto, o que seria importante para a revitalização do Centro como área residencial. O advogado, com mais de 25 anos de experiência em área imobiliária, lembra que há muito já existem iniciativas nesse sentido, especialmente em edificações de padrão econômico.

“Prédios comerciais não ocupados também poderão ser aproveitados com a aquisição das unidades para sua conversão em habitações, permitindo a venda de unidades a serem reformadas ou mesmo a locação, estimulando a atividade empresarial imobiliária. Além disso, em condomínios comerciais que visem a alterar a destinação para residencial ou mista, já se vislumbram tendências e procura por habitações na região central, em decorrência da abundância dos serviços públicos existentes, por exemplo. Compete ao município definir, em legislação a ser aprovada pela Câmara Municipal, quais incentivos poderão ser contemplados.