Terceirizar: sim ou não? Vantagens, riscos e precauções
Cada caso requer uma análise específica sobre sua viabilidade. O que nunca varia é o cuidado máximo na análise das empresas prestadoras de serviço antes da contratação
Fernando Miranda
Há uma série de serviços necessários em um condomínio, como administração, zeladoria, limpeza, conservação, manutenção e segurança. Aí vem o questionamento: contratar pessoas para fazer tudo isso ou terceirizar o serviço? Para ficar claro, é preciso entender que terceirizar é passar a responsabilidade de uma atividade, como limpeza, por exemplo, para uma empresa especializada. Nesse caso, o condomínio contrata uma prestadora de serviço. Quais são as vantagens e desvantagens de apostar numa terceirização? E os riscos? O que vale a pena terceirizar, e o que não, pois deve ficar sempre sob a responsabilidade do próprio condomínio? Quais cuidados e como escolher a empresa parceira, prestadora do serviço?
Administrador, graduando em Contabilidade e sócio fundador e gestor administrativo do Grupo Poder e Poder Imobiliária, Fernando Miranda conversou com a Revista dos Condomínios a respeito. “Apesar de muitas pessoas acreditarem que a redução de custos é a maior vantagem da terceirização, o fato é que há muitos outros benefícios e desafios a serem analisados antes de optar por essa modalidade. Além dos salários, encargos, benefícios, provisões, ou seja, o que é comum a ambos os casos, podemos citar três itens que fazem parte da formação de preço de uma empresa, mas não dos custos de um condomínio. São eles: os impostos pagos sobre as notas fiscais emitidas; a margem de contribuição ou operacional e o lucro”, inicia.
Mas, segundo nosso entrevistado, isso não significa que a contratação de uma empresa terceirizada obrigatoriamente será mais cara do que a contratação direta. “Uma situação que vemos com frequência é aquela na qual o síndico, com o aval dos demais condôminos, generosamente busca uma forma de gratificar seus funcionários, através do aumento dos salários a um patamar acima do preestabelecido pelo sindicato, ou simplesmente criando algum adicional de função. O resultado é uma folha de pagamento mais cara e que, por sua vez, acaba gerando um gasto maior com encargos, assim como a necessidade de um provisionamento mensal maior. A maior armadilha dessa situação é que, diferente de uma empresa, que pode vir a passar anos com o mesmo quadro de gestores, os condomínios costumam mudar de síndico com alguma frequência, E muitos deles não atuam profissionalmente em área ligada à gestão, o que faz com que tomadas de decisões, como a de fazer uso do capital reservado para uma rescisão futura de funcionário, sejam feitas para uma obra ou reparo emergencial, que acaba não sendo reposta através de taxas extras.”
Como consequência, explica Fernando, cria-se a situação de um condomínio sem caixa suficiente para proceder com a rescisão daquele colaborador que já está há muitos anos em atividade, que sabe da situação do mesmo e, tendo certeza de que não será mandado embora, não rende mais da maneira que deveria. “Quando você contrata uma empresa especializada, não estará nunca sozinho nas tomadas de decisões. A empresa precisa manter de forma transparente todas as questões relacionadas ao provisionamento e pagamento de férias, décimo terceiro salário, verbas rescisórias, encargos e benefícios, provando que estão devidamente em dia, através do envio de documentos e comprovantes mensalmente.”
Outra vantagem, aponta Fernando Miranda, é que o síndico não precisará usar parte do tempo para questões relacionadas à gestão dos funcionários e muito menos se preocupar com eventuais coberturas de faltas inesperadas ou com a contratação de mão de obra urgente para substituir colaboradores que tenham sido afastados por doenças, licenças, férias ou até mesmo um acidente de trabalho. As empresas do ramo contam com funcionários disponíveis para essas coberturas, o que torna o processo mais rápido.
“Um dos principais cuidados que o condomínio deve ter ao optar pela terceirização de serviços passa pela escolha de uma empresa séria, que honre com suas obrigações. Importante lembrar que a responsabilidade do condomínio frente às obrigações trabalhistas dos funcionários alocados em suas dependências é subsidiária em relação à empresa. Isso significa que, caso a empresa não honre com suas obrigações, pode ser o condomínio demandado também. Por isso, é sempre bom reforçar a necessidade de buscar empresas sólidas, que atestem seu tempo e experiência de mercado, sua idoneidade financeira e situação trabalhista, sempre através de declarações de clientes e certidões negativas”, alerta.
Ainda segundo nosso especialista, os tomadores de serviços de empresas terceirizadas devem ficar atentos também à regularidade fiscal das empresas alocadas no condomínio. Uma prática comum adotada por algumas empresas de terceirização é o não recolhimento do chamado INSS patronal, que corresponde a um montante de 20% sobre o valor total da folha de pagamento e de responsabilidade do empregador. Algumas empresas costumam alegar que não é obrigação dos optantes pelo Simples Nacional tal pagamento. Porém, o segmento de terceirização de mão de obra de asseio e conservação é tratado exatamente como exceção à regra, conforme previsto na Lei Complementar 123/2006, sendo obrigatório tal recolhimento. Assim, é importante ficar atento a empresas que oferecem preços muito abaixo dos valores praticados no mercado.
Carlos Matheus Gutierrez
Uma opção que deve fazer sentido
Carlos Matheus Gutierrez é gerente jurídico e DPO da Crédito Real Imóveis e Condomínios S/A, advogado e especialista em Contratos, Responsabilidade Civil e Direito Imobiliário. “A recomendação sempre é avaliar a oportunidade e conveniência de terceirizar uma prestação de serviço. Se isso impactar em uma redução de custo, mas a prestação de serviço não se adequa, a oportunidade não foi bem aproveitada. Se isso propiciar um fôlego financeiro no condomínio, e a prestação de serviço for recebida de forma satisfatória, houve aproveitamento da oportunidade e foi conveniente”, conceitua.
Dentre as vantagens mais sensíveis dessa opção, estariam a liberação da responsabilidade de gestão de funcionários, sem preocupação com substituições, faltas ou ausências. Essa gestão ficaria sob responsabilidade da empresa prestadora de serviço, cabendo ao síndico, sim, a averiguação da qualidade da prestação de serviços ou outras condições que normalmente ficam previstas no contrato. “Isso também se estende às obrigações de pagamentos. A opção pela terceirização propicia que condomínio e empresa prestadora ajustem um valor, normalmente mensal, que formalizará o preço pago pelo serviço. Pelo valor acertado, pagamento de salários e benefícios aos colaboradores serão de responsabilidade do prestador de serviço, e não do condomínio.”
Para Carlos Matheus, os principais riscos estão relacionados à perda da qualidade dos serviços, gestão de recursos pela empresa contratada e reclamações trabalhistas. No primeiro item, nem sempre a relação de prestação de serviço supre as necessidades que o condomínio imagina, e será necessário reavaliar se é um problema relacionado aos serviços contratados ou se, de fato, o condomínio avaliou precipitadamente deixar de ter funcionário orgânico. Com isso, nasce o questionamento sobre rescisão antecipada de contratos de prestação de serviço, sejam elas motivadas ou sem motivo, com aplicação de multa rescisória. Para casos assim, o acordo com a empresa prestadora de serviço (distrato) é a melhor opção.
“Não são raras as vezes em que a empresa prestadora de serviço passa por dificuldades, e isso se reflete na relação com o condomínio. Funcionários insatisfeitos com a empresa, seja por atraso em pagamentos, seja por divergência de condutas, ingressam com ações trabalhistas e incluem o condomínio no polo passivo da demanda. Nessa hora, é prudente rever o contrato de prestação de serviço, identificar se houve algum tipo de obrigação do prestador em custear a defesa pelo condomínio, ressarcir despesa ou arcar com eventual condenação”, aconselha.
Barbara Motta da Costa Marques
Cuidados antes de contratar
Advogada, pós-graduada em Direito do Trabalho e pós-graduanda em Direito Condominial e Direito Imobiliário, Barbara Motta da Costa Marques é sócia diretora do escritório Costa Marques & Motta Advogados Associados. “Há muitos detalhes na contratação de uma prestadora de serviços que devem ser observados pelo condomínio, haja vista que uma má escolha pode acarretar, além de dores de cabeça para o síndico, sérios prejuízos financeiros com um passivo-trabalhista”, afirma.
Segundo nossa entrevistada, o primeiro ponto é o cuidado na seleção da empresa contratada. É imprescindível verificar a idoneidade e a capacidade financeira da prestadora de serviços. Portanto, antes de firmar um contrato de terceirização, se faz necessário verificar tanto o Caged como o contrato social da empresa, a fim de apurar se o capital social da terceirizada está compatível com o número de empregados, observando os parâmetros estipulados no artigo 4-B, da Lei 13.429/17, que altera dispositivos da Lei 6.019, de 1974. Caso descumprido o requisito acima, a terceirização será considerada ilícita e, em uma futura ação trabalhista, será declarado vínculo empregatício diretamente com o condomínio, que arcará com todos os encargos trabalhistas inadimplidos pela contratada, que responderá de forma solidária.
“Além desses cuidados, deverá constar expressamente no contrato de terceirização a especificação do serviço a ser prestado, sendo vedada ao condomínio a utilização dos trabalhadores em atividades distintas daquelas que foram objeto do contrato com a empresa prestadora de serviços. Com a Reforma Trabalhista e a nova redação da Lei 6019/74, a terceirização das atividades-fim passou a ser possível em todos os ramos de atividade do condomínio – como limpeza, conservação, manutenção, administração, portaria – desde que não haja subordinação e nem pessoalidade, devendo o síndico deixar todo e qualquer controle e gestão dos funcionários terceirizados para a empresa contratada.
Não pode, portanto, o condomínio exigir que seja sempre o mesmo prestador, ficando a critério da contratada enviar qualquer um de seus funcionários. Também é da contratada a responsabilidade por aplicar advertências, punições, bem como controlar a jornada de trabalho. E, por último e não menos importante, cabe ao síndico fiscalizar se todas as verbas trabalhistas dos terceirizados estão sendo pagas em dia, devendo condicionar o pagamento mensal da contratada à apresentação dos comprovantes de pagamento dos encargos trabalhistas dos meses anteriores, podendo, ainda, exigir que conste do contrato uma cláusula que contenha tal condição, haja vista que o condomínio responde subsidiariamente, em caso de inadimplência da tomadora.
“Para finalizar, podemos relacionar algumas vantagens com a terceirização: Mais tempo e maior atenção no cuidado da administração com relação às questões do condomínio; melhoria e otimização nos serviços de atendimento aos condôminos; e menor custo nas despesas do condomínio com contratações. Porém, para evitar desvantagens temos de tomar cuidado para não haver dependência do condomínio com relação à contratada e não perder o controle pelos gestores. Registre-se que o cumprimento dos requisitos da lei no ato da contratação é de suma importância para o futuro econômico e financeiro do condomínio”, conclui Barbara Motta.
Ramon Perez Luiz
Responsabilidade subsidiária
“Desde 2017, com a Reforma Trabalhista, houve importantes alterações na Lei 6.019/74, na qual a terceirização tem se tornado um referencial na contratação de serviços nos mais diversos setores da nossa economia, e vem sempre associada à busca de redução de custos, agilidade e flexibilidade, sendo uma opção e forma de descentralizar certas obrigações e, com isso, também escapar de uma condenação na esfera trabalhista”, descreve Ramon Perez Luiz, advogado e professor, mestre em Filosofia e Teoria da Justiça (Unisinos), além de especialista em Direito Imobiliário, membro da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB/RS e diretor da Associação Nacional da Advocacia Condominial (Anacon).
Nosso entrevistado lembra que a terceirização, na definição de Alexandre Agra Belmonte, encontra a seguinte redação: “Terceirização é a intermediação por pessoa física ou pessoa jurídica contratada pelo final tomador de serviços para desenvolver uma parte secundária da atividade empresarial. O trabalhador não mantém laços trabalhistas com o tomador final e sim com a entidade interveniente, pelo que não se configura relação de emprego entre o tomador final e o trabalhador.”
“Quando trazemos a discussão para o âmbito de um condomínio, o universo se transporta para o espaço geográfico limitado com muros e cercas, mas acompanhado dos mesmos dilemas e preocupações que se encontram no mundo corporativo: quais os riscos e desvantagens em uma terceirização? A pergunta é pertinente e merece uma análise mais aprofundada, afinal um condomínio roga por serviços de manutenção diários, como limpeza, jardinagem, portaria, zeladoria e segurança. E ao terceirizar, o síndico diminui a sua atuação em supervisionar a rotina diária de empregados, contratações, treinamentos e substituições em caso de faltas, controle de concessão de férias, folhas de pagamento.”
Para Ramon, em um primeiro momento, só se avistam vantagens. “Mas iremos fazer alguns apontamentos que nos fazem questionar se, ao optar pela terceirização, um condomínio está fazendo a melhor escolha. E a nossa indagação nos remete a 1993, quando o Tribunal Superior do Trabalho editou a súmula 331, que até hoje é usada nos casos que tratam da terceirização: dela consta que ‘o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que tenham participado da relação processual e constem também do título executivo judicial’.”
O especialista indica que aí está o alicerce central do debate sobre a questão. A responsabilidade. Que pode recair sobre o condomínio edilício se o síndico não tomar as devidas cautelas no momento de contratar. A terceirização surgiu para especializar os serviços empresariais, possibilitando maior qualidade aliado com redução de custos, mas, se mal fiscalizada, pode acarretar mais prejuízos do que economia. “De que forma? Em uma reclamatória trabalhista, de forma subsidiária. Diferentemente da responsabilidade solidária, na responsabilidade subsidiária a obrigação não é compartilhada entre dois ou mais devedores. Há apenas um devedor principal. Contudo, na hipótese do não cumprimento da obrigação por parte deste, a empresa tomadora dos serviços – leia-se, o condomínio – responderá subsidiariamente pela obrigação, mas somente ao período correspondente à prestação de serviços.”
Dessa forma, o síndico, se for zeloso com o condomínio, deverá promover uma ‘investigação’ maior sobre a empresa que está contratando, pesquisar sua reputação perante o mercado; verificar se a mesma responde a demandas judiciais; exigir certidões negativas; verificar se os impostos, tributos e demais obrigações fiscais, tributárias, previdenciárias e trabalhistas estão em dia, dentre tantos outros cuidados. “A terceirização vale muito a pena, mas o síndico deve ser um vigia permanente e assegurar-se de que a empresa contratada está em dia com suas obrigações legais. Assim, trabalhará pelo melhor interesse do condomínio e evitando o risco de uma dor de cabeça futura.”
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