Condômino antissocial: Como lidar sem se estressar e, ao mesmo tempo, encontrar uma solução para o condomínio?

Para uma questão como essa, que pode se tornar complexa por diversos motivos, fomos procurar o advogado André Junqueira, do escritório Coelho, Junqueira e Roque Advogados. Atendendo a aproximadamente 10% dos condomínios do Estado do Rio de Janeiro o especialista afirma que recebem “milhares de casos todo ano de moradores antissociais. E fomos um dos poucos escritórios que obteve êxito em expulsar condôminos judicialmente” – lembra.

1 – Revista dos Condomínios: Quais são os procedimentos legais que um condomínio pode seguir para lidar com um condômino antissocial?

André Junqueira – É o uso fundamentado, repetido e breve de reações administrativas (advertências, multas e/ou assembleias) e judiciais (ações cíveis e/ ou criminais) contra atos antissociais praticados por ocupantes ou condôminos.

2 – RDC: Existem prazos específicos ou etapas a serem seguidas durante esse processo?

André Junqueira – O prazo máximo para medidas a serem tomadas é de 5 anos (conforme entendimento majoritário), mas esses são casos que não convém aguardar para tomar medidas, seja porque o comportamento do indivíduo é insuportável ou porque ao demorar se dá a impressão de que a conduta do antissocial é suportável. As etapas devem seguir uma “escada” crescente de gradação: advertência, multa, assembleia e ação judicial. Mas, em caráter de exceção, dependendo da gravidade do comportamento do antissocial, algumas dessas etapas podem ser puladas, como foi o caso de 2 ações que tivemos que mover no Rio de Janeiro, onde havia receio concreto de que o síndico  e os vizinhos poderiam ser agredidos em uma assembleia ou se ousassem advertir os moradores nocivos.

3 – RDC: Como o condomínio define e identifica comportamentos considerados antissociais?

André Junqueira – Costumo dizer que, se você tem dúvida de que o comportamento do indivíduo é ou não antissocial, é porque ele não é tão grave assim e pode ser contido via advertências, multas e ações comuns. Sustento que qualquer descumpridor de dever é antissocial, mas som ente aquele cujo comportamento é insuportável pode talvez ser expulso.

4 – RDC: Existem casos em que a interpretação desses comportamentos pode variar? E como o condomínio lida com essa subjetividade?

André Junqueira – O primeiro passo é coletar provas com orientação de um advogado. Em seguida, é ter um parecer desse mesmo advogado quanto ao valor das provas. A intensidade do incômodo realmente subjetiva, mas a avaliação da prova por um advogado pode obter os contornos objetivos que se precisa para se tomar a decisão de adotar medidas e facilitará o juiz no julgamento da causa.

5 – RDC: Quais são as práticas recomendadas ao notificar e advertir um condômino antissocial?

André Junqueira – O primeiro passo é consultar um advogado e o ideal é que qualquer advertência seja emitida pelo escritório de advocacia com autorização do síndico. Essa simples medida pode evitar que o síndico ou a administração seja alvo de represália do antissocial. A notificação deve ser bem redigida, expondo todos os detalhes da irregularidade cometida pelo ocupante/ condômino, fundamentação jurídica plena e concessão de direito de defesa ao infrator. A prova do recebimento dessa notificação também é essencial.

6 – RDC: Como garantir que o processo seja justo e transparente para todas as partes envolvidas?

André Junqueira – Novamente, a intervenção de advogado que não é síndico, conselheiro, morador ou proprietário é essencial. Todo o processo deve ser jurídico, seguindo técnicas e não paixões e antipatias internas. É muito importante avaliar e, se necessário, atualizar a convenção em tudo que afeta os deveres dos condôminos, multas aplicáveis e o direito de defesa de quem é alvo de penalidades.

7 – RDC: Então, se não estiver  estabelecido e de forma clara no estatuto o síndico não poderá impor multas como um recurso de advertência? Se o estatuto (ou convenção, que é seu sinônimo) não tiver uma previsão adequada da multa, sim, realmente, o síndico não pode aplicar a multa. Esse é um problema. Por isso que a gente recomenda, com frequência, da necessidade de se atualizar a convenção exatamente porque eu posso ter disposição de multa e, às vezes, não tenho disposição nenhuma, o que termina por impedir que o síndico possa aplicar multa. Ele, síndico, termina por ter que se socorrer na legislação. Mas a legislação só permite a aplicação de multas com quórum (voto) de 2/3 da totalidade dos condôminos, o que pode ser muito difícil. Talvez até inviável.

8 – RDC: O condomínio busca a mediação ou conciliação antes de considerar a exclusão do condômino antissocial?

André Junqueira – Uma resposta bonita seria dizer sim. Mas, em todos os casos que atuamos, todos os condôminos antissociais que demonstravam nocividade grave geravam perigo real para quem interagia com eles, de forma não tentarmos qualquer mediação prévia. Diante do quadro nítido movemos ação judicial direto. Afinal, quem teria coragem de sentar à mesa com um indivíduo que jogava spray de gengibre nos olhos dos porteiros ou o indivíduo que vivia com um cabo de vassoura ameaçando os vizinhos? Se essa conversa viesse a ocorrer que fosse na segurança do Judiciário. Por outro lado, em condutas mais leves, a tentativa de acordo entre as partes é sempre o caminho primeiro e principal.

9 – RDC: Como o condomínio deve documentar e comprovar os comportamentos antissociais do condômino?

André Junqueira – O ideal é gravação com áudio e vídeo, mas também servem declarações assinadas de testemunhas, atas notariais, atas de assembleia, laudos periciais e tudo mais o que for cabível. A combinação do máximo de provas produzidas é o que aumentará a chance de êxito da medida condominial, seja extrajudicial ou judicial.

10 – RDC: Em que momento a decisão de excluir um condômino antissocial deve ser tomada em assembleia?

André Junqueira – Quando não há risco à integridade física dos votantes e após esgotadas todas as tentativas administrativas com advertências e multas.

11 – RDC: Como garantir a participação democrática dos demais condôminos na decisão?

André Junqueira – Criando e mantendo um ambiente seguro e organizado na assembleia e gravando toda a reunião. Para tanto, a condução deve ser educada e ordeira. O ideal é a assembleia virtual, de forma a impedir agressões físicas pela distância e também impedir agressões verbais silenciando o microfone dos mais “animados” ou até  mesmo os excluindo da reunião. O ambiente virtual facilita o disciplinamento da assembleia quando necessário. Se for uma assembleia física, os cuidados devem ser os mesmos e mais ainda.

12 – RDC: Como o processo de exclusão de um condômino antissocial pode impactar a dinâmica e a segurança da comunidade condominial?

André Junqueira – Infelizmente, pode ser a única opção viável para que um condomínio alcance a paz. Mas a grande maioria dos comportamentos antissociais pode ser resolvida com uma notificação bem feita ou aplicação de multas.

13 – RDC: Existem estratégias para minimizar possíveis conflitos entre os moradores durante esse processo?

André Junqueira – O conselho pode parecer estranho, mas a melhor estratégia é evitar contato com os vizinhos. Deixe que o jurídico, sob comando do síndico e assembleia façam as intervenções quando necessário. Nunca se sabe qual a reação de um vizinho contrariado, mas em nossa experiência, pode ser bem grave.

Um condômino entrou em discussão com o porteiro da noite e espirrou spray de gengibre nos olhos desse funcionário. Isso ocorreu por duas vezes em duas discussões. Os dois episódios foram capturados e gravados na câmera interna dedicada a filmar a portaria. Esse conteúdo foi objeto de Registro de Ocorrência, na delegacia. Mais tarde, reclamação trabalhista contra o condomínio. E, aí, o condomínio moveu uma ação em face dessa ação, pedindo a exclusão desse indivíduo nocivo. Tamanho era o receio que os vizinhos tinham dele que moveram uma ação criminal e não tiveram a coragem de ir para uma assembleia. Então, nós fizemos um abaixo-assinado, sem ciência do condômino antissocial, que obteve quase 100% de aderência dos condôminos – excluindo apenas dessa conta o próprio excluído e um morador que estava ausente da cidade – para a exclusão desse indivíduo. Por conta desse temor, sequer foi cobrada multa ou se registrou qualquer advertência contra ele. Com esse documento em mãos foi possível entrar direto com uma medida judicial.

Ao mesmo tempo, alguns condôminos já tinham entrado com uma ação judicial contra ele porque o indivíduo andava nas áreas comuns com uma máscara de halloween (do personagem Michael Myers, filme desse mesmo nome, protagonizado originalmente pelo ator Nick Castle) e fechava com supercola a fechadura de algumas unidades. Situações que também foram captadas pela câmera. Esses fatos
foram objeto de uma investigação criminal que, em conjunto com a ação civil movida pelo condomínio, conseguiu, talvez pela primeira vez no Brasil, ter uma decisão de interação parcial da unidade. Ou seja, o antissocial não foi excluído do condomínio. Ele foi excluído do convívio com as pessoas nas áreas comuns. Ele era proibido de interagir com qualquer membro da área administrativa, com qualquer funcionário; ele era proibido de participar de qualquer assembleia. O máximo que ele podia fazer era passar rapidamente pela entrada e ir para a unidade dele e sair. Só isso.

O pedido feito à justiça era para ele ser excluído do condomínio, mesmo que temporariamente. Mas a sentença foi por tempo indeterminado. A medida terminou por funcionar. O indivíduo parou de cometer crimes. O desfecho jurídico foi total, mas no aspecto humano, não. A verdade é que o comportamento dele era nocivo, sem sombra de dúvidas, mas ele acabou por retirar a própria vida. Acabou por se enforcar dentro do próprio apartamento. Ele, sem ajuda adequada por parte da própria família ou de um médico, porque era claro que possuía algum tipo de distúrbio psicológico, é difícil compreender a fundo a questão, mas a realidade é que acabou se suicidando. Aí, a ação foi extinta por perda do objeto. E, desse modo, não teve sentença de mérito. Essa decisão é importante para o Direito Brasileiro e para o Direito Condominial, porque são precedentes positivos para a vida em comunidade.

No anteprojeto de alteração da legislação condominial estruturada pelo advogado André Junqueira cujo tema, hoje, é discutido em comissão criada no Senado Federal, principalmente do Superior Tribunal de Justiça, é de incluir no Código Civil alguma disposição de exclusão de condômino antissocial. Isso para deixar claro e mais tranquilo o juiz que vá utilizar desse tipo de medida. Em suma, para dar um respaldo, uma maior segurança jurídica para os juízes que julgam as causas e, naturalmente, tornar possível utilizar esse fundamento.

 

André Junqueira - Professor, advogado com mais de 17 anos de experiência e autor do livro “Condomínios – Direitos & Deveres”. É pós- -graduado em Direito Civil e Empresarial pela Universidade Veiga de Almeida. Possui MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getulio Vargas; certificado em Negotiation and Leadership pela Universidade de Harvard. É professor convidado do SECOVIRio, ABADI, Gábor RH e da Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB/RJ. Na ABADI tem a função de consultor jurídico. É membro das Comissões de Direito Urbanístico e Imobiliário, Condominial e de Turismo da OAB/RJ e da ABAMI, onde também foi diretor jurídico. Membro da Comissão de Condomínios do IBRADIM e da Comissão de Direito Imobiliário do IAB. É sócio titular da Coelho, Junqueira & Roque Advogados, atuante em todo Brasil e que representa cerca de 10% dos condomínios do Rio de Janeiro.

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