Idoso e garagem

Aforma de utilização da “área para abrigo de veículo ” é aquela ordinariamente prevista na convenção de condomínio, regimento interno e decisões das assembleias, que, obviamente, são hierarquicamente inferiores às leis . Assim não fosse, seria o condomínio considerado um país apartado, com leis próprias, ou, o como fala o garboso advogado sergipano Alexandre Sobral, uma espécie de embaixada, cujos agentes diplomáticos gozam de imunidades não podendo serem presos ou processados no Brasil . Terra de Marlboro, como falamos aqui no RJ.

No cenário jurídico moderno não se admitem mais direitos absolutos, e toda vez que estivermos diante de conflitos de interesses a melhor interpretação é aquela que tenta conciliar as contradições e criar uma situação que atenda as partes envolvidas (também chamado de diálogo das fontes ). Evidente, que nem sempre é possível essa harmonia, situação na qual um direito deve prevalecer sobre outro.

Nessa ótica, devemos interpretar o Estatuto do Idoso (L. 10.741/03) que consideram as pessoas com sessenta anos ou mais, credoras de proteção especial do Poder Público, da sociedade, da comunidade (leia-se condomínio) e da família (art. 3º L. 10.741/03). Esses direitos são inerentes a sua condição peculiar de processo de envelhecimento, tornando-os vulneráveis e carecedores de uma tutela especial. Sempre é bom refrescar a memória que o princípio da igualdade pressupõe tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.

Segundo art. 41 da referida lei, devem ser reservadas, nos termos da lei local , cinco por cento das vagas de estacionamento públicos e privados para as pessoas idosas, as quais deverão ser posicionadas de forma a garantir a melhor comodidade.
No cenário condominial isso significa que a garagem utilizada pelo idoso (seja ele condômino, locatário, comodatário etc.) deve estar posicionada de forma a garantir maior facilidade de locomoção – próximo ao elevador de sua unidade, perto de rampa de acesso, ou outros benefícios.
O Estatuto ainda cria uma prioridade especial para as pessoas maiores de oitenta anos, atendendo-se suas necessidades preferencialmente em relação às demais pessoas idosas (art. 3º, §2º, L.10.741/03).

Portanto, naqueles prédios em que a garagem é de livre utilização, a lei atua garantindo à pessoa idosa a possiblidade de servir-se das vagas que permitam uma melhor mobilidade, cabendo ao condomínio garantir essa aplicabilidade, sob pena de responsabilidade (art. 5º L. 10.741/03). Em caso de sorteios, esse critério deve ser dividido em dois: (i) vagas de melhor acessibilidade sorteadas exclusivamente a serem sorteadas aos idosos (privilegiando, outrossim, aqueles acima de 80 anos) e (ii) as demais, para os outros.

Importante ressaltar dois pontos onde a lei não atua: (i) não cria direito de utilizar a vaga onde a pessoa idosa não tem; (ii) não modifica em nada as vagas onde a utilização já é definida na aquisição da propriedade e tem sua demarcação na convenção de condomínio e/ou na matrícula do imóvel.

Antes de nos despedir, vale lembrar que os romanos já diziam que o condomínio é a mãe de todas as rixas , portanto, você, síndico, não se sinta um desgraçado por defrontar tantas batalhas; entenda que sua função é exercida em um campo minado, onde em cada metro esconde um direito (ou vaidade) de alguém e o gestor deve estar preparado para lidar diariamente com isso, sempre com profissionalismo, apoiado em equipe especializada, ciente da importância de sua atuação e de sua responsabilidade.

Luis Arechavala, advogado. Sócio fundador da Arechavala Advogados. Membro da Comissão de direito urbanístico e imobiliário da OAB/RJ e da Comissão de direito condominial da OAB/RJ. Diretor acadêmico da Associação Nacional Da Advocacia Condominial (ANACON). Árbitro da Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada (CAMES). Autor dos livros “Condomínio Edilício e suas instituições” e Alienação de imóveis – Manual de Compra e venda, Permuta e Doação”, Editora Lumen Juris.

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