O desafio de profissionalizar o conselho fiscal dos condomínios

Com a modernização do setor, presença de contador e outras mudanças são urgentes, mas amadores e lei criam entraves

 
Sérgio Paulo e Francisco Nazareth

A profissionalização do Conselho Fiscal dos Condomínios torna-se cada vez mais necessária no mercado condominial à medida que aumenta a modernização do setor. Com o maior tamanho dos condomínios, cresce a urgência para a profissionalização de pessoas, funções e atividades. Notadamente, a função de síndico, a mais importante nesse cenário, caminha em ritmo acelerado. Há, aproximadamente, 80 por cento de síndicos orgânicos e 20 por cento de profissionais, e, diante deles, uma série de desafios.

Os conselhos fiscais são compostos, em sua maioria, por amadores. A lei determina que as prestações de contas e balancetes sejam aprovadas nas assembleias, mas em muitos casos essa é uma decisão política. Portanto, a assembleia necessita de pareceres técnicos, e não de leigos. A lei dá uma brecha ao não exigir um conselho fiscal técnico, e, nesse contexto, há vários questionamentos.

Haveria oportunidade nova para contadores, viabilidade de mudar a lei, obrigando parte do conselho a ser profissional, com dois membros efetivos orgânicos, condôminos e um membro profissional? A lei poderia permitir a presença da eleição de um conselho fiscal profissional como um contraponto a um síndico profissional, pois os leigos não têm como confrontar possíveis desvios dos síndicos profissionais?

Tudo começa, no entanto, pelas questões envolvendo a função de síndico. Membro da Comissão de Contabilidade Condominial do CRC-RJ, Sérgio Paulo vê como necessária a profissionalização. “A administração dos condomínios não pode ser mais amadora. O principal fator é a necessidade de transparência da gestão, principalmente na prestação de contas aos condôminos. O síndico profissional, até por almejar novos condomínios em sua carteira, deverá estar sempre atualizado e em busca de novos conhecimentos, com isso levando os condomínios à busca pela adesão às boas práticas da gestão. Isso consiste na implantação de controles dos processos e na transparência das informações, devendo também ter grande capacidade de liderança, pois lidará constantemente com equipes multidisciplinares”, afirmou Sérgio Paulo.

Por sua vez, Francisco Nazareth, síndico, advogado condominialista, contador condominialista e empresário de Contabilidade Condominial, vê na essência da profissionalização do síndico o conhecimento multidisciplinar na área, obrigatoriamente na resolução de conflitos, o que pode ser feito, segundo ele, também por síndicos orgânicos. “Ele lida a todo momento com pessoas e seus problemas oriundos da relação humana, conhecimento básico de engenharia, pois é responsável pela manutenção da edificação. Conhecimento de normas trabalhistas, com seus direitos e deveres, conhecimento de Direito Condominial, pois deverá tomar decisões que envolvem o patrimônio de terceiros. Nessa profissionalização, não vejo distinção entre o síndico orgânico e o síndico profissional”, disse Nazareth.

Júlio Rocha

Dificuldades financeiras e também políticas

E a profissionalização dos conselhos fiscais dos condomínios, compostos, em grande parte, por amadores? O professor Júlio Rocha, membro da Comissão de Contabilidade Condominial do Conselho de Contabilidade do Rio de Janeiro, aponta dificuldades financeiras e políticas para a evolução. “No meu entender, são empecilhos para a profissionalização dessa atividade: primeiro, a questão do custo para contratação de um conselho profissional. Segundo, o fato de os condôminos acreditarem que entre eles existam pessoas com formações e experiências que os capacitem para exercer essa função. E o terceiro motivo, que deve ser levado em consideração, seria o político, uma vez que existem condôminos que não abrem mão de serem protagonistas da ação e sempre serão contra.”

A lei determina que se aprovem nas assembleias as prestações de contas e balancetes. Mas em muitos casos essa acaba sendo uma decisão política. Portanto, a assembleia precisa de pareceres técnicos, não leigos. A própria lei falha ao permitir que o conselho fiscal não seja técnico. Diante desse cenário, o próprio síndico pode ser prejudicado, assim como o condomínio. É aí que Francisco Nazareth vê como essencial a presença de um contador profissional.

“Os condomínios, apesar de serem considerados sem personalidade jurídica, já têm grandes responsabilidades inerentes a uma empresa. Como empregador, perante as prefeituras na retenção de ISS perante a Receita Federal com retenção de impostos federais municipais. Portanto, a prestação de contas deve ter necessariamente a presença de um profissional habilitado, nesse caso, um contador. A própria legislação é muito falha nesse sentido, visto que a aprovação final fica a cargo da assembleia geral de condôminos. Eles, muitas das vezes, aprovam somente levando em consideração a parte política, ou mesmo seguindo um parecer técnico de um conselho fiscal composto de condôminos sem nenhum preparo ou habilitação para tal função. O que resulta em trazer danos irreparáveis para todo o condomínio”, disse Francisco Nazareth.

Alteração no Código Civil facilitaria mudanças

Júlio Rocha considera essencial alteração na lei que obrigaria parte do conselho a ser profissional, com dois membros orgânicos e um profissional. A lei permitiria também a eleição de um conselho fiscal para fazer contraponto com o síndico profissional, já que, como leigos, não tem como confrontar eventuais desvios desses síndicos profissionais. “Precisa ter uma alteração no Código Civil para os condomínios terem um conselho fiscal profissional que poderá ser composto por profissionais de Contabilidade, advogados, administradores e outros profissionais capacitados para a função e poder orientar os síndicos profissionais quando for necessário”, afirmou Júlio Rocha.

Sérgio Paulo ressalta também a importância de um conselho fiscal profissionalizado como certeza razoável de transparência das prestações de contas e de minimizar riscos à administração financeira e fiscal. Perguntado sobre os riscos e penalidades de um síndico orgânico ao tomar decisões e aprovações sob respaldo de conselhos amadores, sujeitos a erros e falhas, mesmo não intencionais, e sim por falta de conhecimento técnico, alertou:

“O síndico, ao assumir seu mandato, assume as responsabilidades civis e criminais pelos atos da sua gestão. Ainda que sejam atos aprovados pelo conselho, com todas as controvérsias que recaem sobre o assunto, trata-se de aprovação parcial, pois tão somente indica posição e opinião para o julgamento que a assembleia fará na votação da aprovação ou não das contas.”

Muito se fala sobre a viabilidade de mudança na lei, obrigando que parte do conselho seja profissional, com, por exemplo, dois membros efetivos orgânicos e um membro profissional. É desejo também que a lei permitisse a eleição de um conselho fiscal profissional para fazer contraponto ao síndico profissional, até porque leigos não têm como confrontar eventuais desvios desses síndicos profissionais. Francisco Nazareth avaliou o panorama e foi taxativo: “O melhor dos mundos não seria dar a possibilidade, e sim obrigar a ter pelo menos um conselheiro profissional entre os três componentes. Hoje, o Código Civil Brasileiro não cita ao menos essa obrigação, ficando a critério da convenção a sua normatização, sendo prevista apenas na Lei especial 4.591/64. Contudo, sabemos que aprovar isso em lei fica muito difícil, pois alguns juristas entendem que não deve haver interveniência do Estado nos condomínios de forma coercitiva.”

Ele enfatiza também como essencial a presença de um contador nos condomínios. “Vejo que a presença do profissional de Contabilidade nos condomínios faz-se necessária e primordial para proteção do patrimônio de terceiros, que em muitas vezes tem como gestor um leigo. E fica a cargo do contador responsável orientação, cumprir as normas contábeis vigentes, sendo necessária a normatização de procedimentos contábeis específicos para os condomínios. O que, na verdade, é uma necessidade urgente para o setor que mais cresce no mundo. Pois empresas fecham, e condomínios abrem”, conclui.

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