Síndica orgânica, sim, especialista em Condomínio Minha Casa, Minha Vida

Ana Paula Vieira

Afigura do síndico morador, o síndico orgânico, “é a função que, a maioria dos síndicos profissionais, iniciou suas carreiras mas, muita gente, tem vergonha de lembrar esse fato que, para mim, é um motivo de orgulho” – começa assim, a entrevista de Ana Paula Vieira, síndica especialista em Condomínio Minha Casa, Minha Vida para o repórter da Revista dos Condomínios. Muita assertiva e positiva nas suas posições, Ana afirma que a comunidade condominial tem um preconceito com o síndico orgânico, mas a grande maioria deve a essa função inicial toda a sua história. Seguindo essa lógica, ela afirma, então, ser preciso destacar as vantagens e desvantagens de ser um síndico orgânico.

Síndico orgânico: Sou síndico e morador
Quando se é morador, e síndico, você tem um relacionamento com seu vizinho e, ao mesmo tempo, com o seu condômino. Sendo você uma mulher, devido ao machismo, é um complicador, afirma Ana Vieira. Como mulher, ela afirma que os problemas de seus vizinhos se tornam os seus problemas. “É uma relação que podemos considerar como materna” – compara. E é por esse valor depositado no relacionamento com seus vizinho que, por vezes, “você pode se decepcionar com a gestão, porque você quer ajudar a pessoa e acaba se prejudicando e é preciso evitar essas situações por meio da busca por informação, da formação, do conhecimento e também tenha casos de sucesso, como o meu”.

Síndico orgânico, sim, mas com conhecimento
Ana Vieira começou como síndica orgânica e hoje é referência na Zona Oeste para muitas síndicas que a veem como um exemplo a ser seguido pelos resultados alcançados, “uma vez tendo buscado e adquirido conhecimento para dar conta dos desafios de ser síndico” – afiança ela. Devido ao machismo, Ana conta que esse fato pode ser um complicador, “mas depois que você toma conta e dá conta das rotinas e processos envolvidos, as resistências, por se ser mulher, elas vão sumindo”. A questão do racismo é uma “ironia, pois o nosso povo que é uma mistura tão grande de raças e cores, não era para a gente ter esse preconceito enraizado, mas ele existe, mas a gente se apresenta e enfrenta com muito profissionalismo e altivez” – ensina.

Preconceito: Por ser mulher e preta
O desrespeito, contudo, muitas vezes é presenciado, “e acreditam que ele se dá porque somos mulheres, mas esse não é o caso. Mas porque, muitas vezes, as pessoas deixam o desrespeito reinar?” – pergunta Ana, e ela mesmo responde: “Porque as pessoas não conhecem os seus direitos”. É muito comum, segundo ela, que ao chegar para gerenciar um novo condomínio as pessoas façam uma lista enorme dos deveres, mas o que essas  mesmas pessoas têm que saber é que o síndico também tem seus direitos, seja como cidadão ou devido a própria função de síndico, mesmo” – lembra.
Ela afirma que não permite que as pessoas a maltratem por ser mulher ou preta, “aí algumas pessoas dizem: Mas, Ana, você é negra, você é mulher, as pessoas têm preconceito. E eu respondo: O problema é delas. Elas vão ter que viver e conviver com o preconceito delas sozinhos, dentro de si. Além de conhecer meus direitos, eu não ligo.
Eu sou uma mulher negra e tenho muito orgulho de quem sou” – afirma. Muitas experiências passadas ao longo dos anos ensinou a enxergar que “boa parte das pessoas que tentam desfazer o meu trabalho, na verdade, gostariam de ser e estar no meu lugar, o que diz muito sobre elas mesmas. Então, eu não me importo, não deixo essa gente me diminuir” – conclui.

Condomínio: Educação e cultura locais
A questão da educação e do relacionamento é, para Ana, algo fundamental, que deve ter seu valor afirmado a todo o momento. O que não se confunde “com os títulos de doutor, de mestre, e outros, que as pessoas conquistam e usam ou se confundem para tratar o outro com desprezo, porque acredita que é melhor que o outro, o que é um engano, e acaba por ser um entrave no relacionamento. Então, o que poderia facilitar o relacionamento, se torna um empecilho” – argumenta e completa: “e essa nova geração não tem uma cultura de respeito aos mais velhos. Isso a gente não está mais tendo, o que é uma perda para a nossa cultura”.
Nos condomínios que entra Ana afirma que todos, adultos e jovens, têm que ter “educação cultural e é isso que eu passo, na minha gestão. Digo que eles têm deveres, mas que também têm direitos. Quando você chega para um condômino e diz que ele têm direitos e diz quais são esses direitos, eles já começam a te enxergar de outra maneira. É uma via de mão dupla em que todos, morando no mesmo condomínio, estão ali para garantir uma boa convivência, um bom relacionamento” – garante.

Condomínio: A transição de casa para condomínio
Muitos dos moradores têm dificuldade de entender a transição de morar em uma casa para um condomínio de apartamentos. Quando “morava em casa o morador podia ouvir música com som alto; podia ter três cachorros latindo o tempo todo; quando em casa, as crianças podiam ficar soltas, livres, no quintal; no condomínio, não pode. Vamos falar da questão das crianças. O condomínio do tipo Minha Casa, Minha Vida, tem um padrão de 300 unidades. Como é que você vai saber a índole de todas essas pessoas? É necessário que os pais tenham cuidado, ensinem as crianças a se protegerem e deem limites para as crianças” – avisa Ana, pela experiência.

Condomínio: Programa Minha Casa, Minha Vida
De acordo com Ana Vieira o programa é muito bom, “só que ele é muito mal implantado, porque pegam um morador, fazem dele um síndico e ele não sabe como proceder, porque ele não tem conhecimento dos limites de cada condômino, porque ele também vem, assim como as demais pessoas, de uma experiência de casa e, portanto, não sabe como é morar em condomínio” – ressalta. O resultado disso, “se não contornado com conhecimento e calcado em um bom relacionamento com os moradores, é uma grande desordem” – garante.

Programa Minha Casa, Minha Vida: Erro de implantação
A administradora que ganha a licitação muitas vezes vem de outro estado. Foi assim que aconteceu com Ana: “peguei uma administradora do Sul do país, para poder me auxiliar. Lá, eles davam papel para distribuir e informar as pessoas. Sabe o que as pessoas faziam com o papel durante a assembleia? Eles faziam aviãozinho e davam na mão das crianças. E eu ficava com vergonha, porque via que o trabalho da administradora estava sendo desrespeitado. As pessoas não viam valor nas peças informativas, porque a cultura é diferente. Essas pessoas não tiveram a condição de estudar e se acostumar a ver valor nos livros, naquilo que está escrito. E ainda tem as diferentes formas pelas quais as pessoas aprendem. Têm pessoas que elas aprendem por ouvir. Têm outras que aprendem pelo fazer. E você tem que identificar a cultura do local” – explica.

Problemas: Quando a origem é cultural
Essa cultura é muito diferente da Zona Oeste, na Barra da Tijuca, por exemplo. A renda per capita da Barra oferece aos moradores do bairro a oportunidade e o conhecimento de morar em condomínio. Aqui eles têm outros tipos de comportamentos negativos. Lá na Zona Norte, nos condomínios de baixa renda as pessoas fazem coisas erradas porque elas estão acostumadas. Elas nunca tiveram um esgoto. Sempre foi a céu aberto. Elas estão acostumadas a jogar lixo pela janela. É necessário educar elas como se fossem crianças engatinhando. Com isso, o trabalho da implantação é bem maior. Um desafio, mesmo  assevera.

Cultura: Um tratado de implantação especial
Diferentemente de um condomínio da Zona Oeste ou Sul, em um condomínio clube, o da Zona Norte é completamente diferente. Em um condomínio tão grande – normalmente com 300 unidades – com pessoas tão diversas, “tenho que ter reuniões semanais, senão diárias com os seguranças, funcionários da limpeza, os porteiros, todos. As demandas, as questões, os desafios são grandes. Eu tenho que ouvi-los, porque senão, vou chegar dentro desse condomínio e eles vão ter o mesmo comportamento que tiveram na gestão anterior”. Algumas vezes ela ouve de um síndico que determinado segurança é impossível de se trabalhar, mas se “você parar para fazer uma reunião e conversar com todos eles, ouvir as pessoas, começa a entender as demandas, as dúvidas e as questões pessoais de cada um e, aí, inicia um processo de solução das reais dificuldades de cada um” – ensina Ana.

Quando o síndico joga junto
O importante, no final das contas, garante Ana, “é você chamar a equipe para trabalhar com você, todos juntos, para garantir o alcance dos objetivos”. O trabalho do síndico, segundo ela, é o contato, o relacionamento com as pessoas. Então, “se você não gosta de pessoas, você não consegue ser síndico, você não consegue ser um bom gestor. Porque você tem que conhecer as pessoas e você lida com elas o tempo todo. Até aquele condômino que as pessoas chamam de antissocial, aquela pessoa teve um motivo para ser daquele modo. Às vezes, pode ser uma reação a algum fato ocorrido, do qual você não tem conhecimento” – diz

Condomínio: O síndico e a transparência
Pela experiência, Ana afirma que algumas vezes o comportamento antissocial é fruto de uma má experiência com o síndico anterior que, possivelmente, não era transparente, não apresentava as contas de forma clara e simples ou, simplesmente, não apresentava, nunca fez uma apresentação das contas. Nunca teve uma comunicação aberta com os condôminos. Com isso, o pessoal vai odiar o síndico externo. Se já teve uma experiência ruim, essa reação se agrava. Mudar esse panorama, essa ambiente de desconfiança se torna um desafio. “Aí, você não consegue entrar para fazer um trabalho diferente” – conta.

Síndico externo: Se der uma oportunidade, pode ser a solução
No caso de Ana, quando acontece a oportunidade de entrar, ela garante que não deixa a oportunidade passar e fazer um trabalho diferenciado. “Não é porque o síndico é externo que ele não se importa. Muitas vezes, o síndico orgânico é muito legal, está ali todo tempo, mas está fazendo coisas erradas” – propõe. Muitos dos problemas são resolvidos com a postura do novo síndico, quando externo, durante as reuniões com os funcionários. Mas é também, no dia a dia, que você encontra os problemas e, neles, muitas vezes, as próprias soluções. “Muito do que se coloca como problema, como já disse, tem sua origem na cultura” – garante.

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