Uma vida marcada por lutas e muitas vitórias

Depois de superar grandes dificuldades, Ana Paula tornou-se síndica e hoje ensina aos gestores condominiais como fazer um bom trabalho

 

Ninguém chega em lugar algum se não der o primeiro passo. Essa também é uma verdade que a nossa entrevistada Ana Paula Vieira viveu. Quando dizemos “também é”, é porque nos referimos a uma vida repleta de desafios e vitórias conquistadas por uma mulher negra, que aprendeu muito e hoje ensina a quem precisa.

E tudo começou como num conto de fadas. Mulher negra, mãe solteira de três filhos e moradora de Duque de Caxias (RJ). Em 2000, por conta de uma enchente no Rio Calombé, Ana Paula ficou uma semana ilhada dentro de casa com seus filhos e sem poder ir ao trabalho. Foi neste momento que surgiu a ideia de se inscrever no programa “Minha Casa, Minha Vida”, do Governo Federal. A partir de então, uma inesperada e inimaginável mudança aconteceria em sua vida profissional, além da diferença que seria morar em um condomínio.

Em 2017, ela contemplada com um apartamento financiado pela Caixa e começou a correria com entrega de documentos, reuniões para solicitar o relógio de energia, gás encanado, assinar o contrato com o banco, escolher o apartamento e receber as chaves.

Pronto! Sua entrada na sindicatura começava ali! Para a entrega das chaves, era preciso um síndico provisório e as opções não agradavam. Ana Paula se candidatou sem a confiança de que iria vencer, porém queria quebrar a ansiedade e o medo de ver seu condomínio novinho em folha já começar bagunçado.

Por incrível que pareça, mesmo sem ninguém se conhecer, ela ganhou o pleito, muito por conta de sua experiência em campanhas políticas desde os 18 anos.

Naquele momento começava uma nova realidade e vários tombos. “O condomínio foi entregue com a assinatura de um morador leigo na área de vistoria técnica e sem o suporte de uma administradora. Quando as primeiras famílias chegaram, os defeitos da construção já eram aparentes e ficamos sendo manipulados pela construtora que só aceitava reclamações por e-mail ou pelo 4004, sendo que não tínhamos internet, computadores e créditos para ligações. Assim, tentei uma negociação amigável, usando o telefone do trabalho, mas como não consegui um retorno rápido, fui direto ao setor de Ouvidoria da Caixa e exigi uma visita técnica de um engenheiro para documentar todos os vícios construtivos e obrigar a construtora a corrigir os defeitos antes do prazo de garantia”, diz Ana Paula.

Devido a uma época de seca, não havia água por dois meses. “Tivemos que processar a Cedae como PF, já que a Administradora que ganhou a licitação para fazer um ano de adaptação do nosso empreendimento, não conseguiu fazer o nosso CNPJ para abertura de conta jurídica e usamos conta pool mesmo com uma baixa taxa condominial de R$ 130,00”, lembra.

Cenário começa a mudar

O projeto para tirar as famílias de lugares de fragilidade (favelas, comunidades, aluguel, mães solteiras chefes de família, moradores de rua etc.) virou um pesadelo quando todos perceberam que uma gestão condominial não estava ao alcance. Foi quando Ana Paula começou a buscar informações e opções para educar e fazer ações para melhorar o convívio entre os condôminos.

De acordo com ela, para ter uma portaria 24 horas, foi preciso contratar funcionários sem CLT e salário abaixo da categoria, mesmo oferecendo a opção do MEI e autonomia, mas muitos não tinham nem documentos. Havia apenas um ASG para limpar todo o condomínio de 15 blocos e cinco andares. Um funcionário que trabalhava dois dias da semana monitorava as bombas e torres, já que a parte elétrica tinha problemas, e uma subsíndica e um conselho ajudavam a manter o condomínio em constante evolução.

O que Ana Paula fez para saber o que iria funcionar ou não? Os animais de estimação soltos no condomínio, a coleta das fezes com sacolas plásticas, a separação do lixo reciclável, respeito com o vizinho em relação ao barulho e aumentar a adimplência faziam parte do trabalho estratégico dela e de sua equipe, aproveitando a proximidade com eles para testar o que iria dar certo ou não. E esses testes foram importantes para melhorar sua gestão condominial.

“Todos os condomínios são iguais, sejam eles de alto ou baixo padrão. Por causa da pandemia, a sociedade da sindicatura começou a perceber que os síndicos precisam saber lidar com pessoas para ter sucesso na reeleição”, explica.

O que um síndico precisa ter?

Para Ana Paula Vieira é essencial que o síndico saiba de Administração para saber gerenciar os colaboradores, os valores e necessidades do condomínio. Também é preciso entender de RH para contratar talentos. Também é preciso ser empreendedor para entender dos condôminos que estão empreendendo ou fazendo home office para administrar as reclamações sobre barulhos. E ainda saber sobre suprimentos para orçar dentro de valores e não se preocupar apenas com preços baixos, saber analisar os contratos, a corretagem de imóveis, afinal o síndico é responsável pelo bem maior dos condôminos: “ao valorizarmos os seus bens, diminuímos a inadimplência”, pondera.

“Enquanto muitos educam os adultos com multas, eu descobri uma estratégia de brincar com as crianças e colocá-las como meus fiscais de comportamento no condomínio, afinal nenhum pai gosta de ser chamado atenção pelos filhos e isso gerou resultados positivos. Resolvi o problema de ausência de porteiros na portaria, algo que era causado porque eles acompanhavam os idosos aos seus apartamentos com sacolas pesadas, utilizando os adolescentes que, às vezes na roda de conversa se achavam inúteis, mas hoje fazem pequenos favores: carregam sacolas, dão recados, ajudam os adultos na tecnologia”, aponta.

Nessa história de vida, muita luta e vitórias não faltam exemplos sobre como um síndico pode ser importante para a sua comunidade.

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