A importância do nome que dignifica

Num condomínio nada convencional da zona norte do Rio de Janeiro, com mais de 3000 moradores e cerca de 700 unidades habitacionais, foi se desenvolvendo uma massa condominial nada saudável, repleta de ilícitos penais e convívios duvidosos, onde nem sempre entrar no prédio era seguro, e muitas das vezes moradores fugitivos da cadeia eram ocupantes de unidades habitacionais. Foi nesse cenário terrível que me vi advogando neste lugar, onde aprendi em mais de 20 anos de convívio, que nem sempre o certo estava certo, e às vezes o errado era o certo, e estava tudo certo se não desse para mudar.

Foi numa tarde de verão carioca, que recebi uma ligação do síndico deste prédio, pedindo que eu fosse urgentemente ao condomínio para uma reunião administrativa. Cheguei esbaforida na sala dele, após uma audiência conturbada, e para minha surpresa ele não estava só, ali conheci “ROBERTINHO GIRAFALES”. Entrando na sala da administração, o síndico rapidamente se levantou, me apresentou ao senhor que lá estava e disse: “doutora, esse e “Robertinho Girafales”, voltou de férias recentemente, pois estava cumprindo alguns meses de reclusão em Bangu, e como não vinha ao prédio tinha tempo, foi surpreendido com as novas normas de administração por mim implantadas, e está um tanto quanto reflexivo, porque acha que isso vai atrapalhar seu comércio local”.

Na mesma hora, eu já surpreendi com as vestimentas do “Sr. Girafales”, que eram compostas de: coldre, ocupada por uma arma calibre 38, algumas facas pontiagudas, granadas de mão pequenas e um pó branco que o mesmo possuía no bigode. Tive a sensação expressa de que não dava mais para correr dali, e que a farmácia mais próxima não daria para comprar fraldas para mim, caso eu necessitasse, já que somente pela vestimenta do nobre “Girafales”, era possível que eu me tornasse um bebe de colo, e ali mesmo tivesse uma desinteria de medo.

Passando alguns segundos de minha primeira impressão, e disfarçando sobremaneira meu medo e cara de estarrecida, apertei a mão do Sr. Girafales, mas tremendo tanto que não conseguia dizer seu nome, e passei a reunião toda o chamando de “Sr. Girafinha”, o que era prontamente consertado pelo síndico e pelo próprio. A reunião prosseguia, e o nobre senhor convidado, contava-me que não estava gostando das novas câmeras internas de circuito de TV que estavam sendo usadas para fiscalizar os corredores, nem das normas de entrada e saída do prédio, e que isso tudo que foi implantado à revelia dele, poderia gerar muito mal resultado para o seu negócio de vendas de entorpecentes, já que ele havia retornado da prisão, e estava querendo ali voltar a vender suas coisinhas.

Eu que continuava tremendo sem parar, na tentativa de convencer o mesmo sobre a necessidade de nossa atuação no prédio, e visto que só conseguia chamar o mesmo de “Girafinha”, passei a palavra ao síndico para que ele de modo próprio, pudesse tentar explicar que dentro do prédio nós tínhamos responsabilidades de segurança e conservação, e que a atividade econômica por ele feita dentro da edificação, não teria mais lugar, mas que se houvesse um meio possível de equilibrar tal relação, era ele fazer suas vendas da porta para fora do prédio, onde o poder público é quem tem obrigação de fiscalizar, sendo certo que, dentro do prédio a administração era quem determinava o que deveria ser feito.

Após muitas falas e relutâncias, enfim “Sr. Girafales” entendeu nosso ponto de vista, e num arroubo de mediação disse: “Está bem senhor e senhora, vocês me convenceram. Não atuarei dentro do prédio, só da porta para fora, e não vou guardar mais nada aqui dentro, podem ficar tranquilos. Agora gostaria de deixar claro com a doutora, meu nome e “Robertinho Girafales” em homenagem ao professor da série mexicana Chaves, homem pomposo, bonito, inteligente e brabo, a senhora me chamando de “Girafinha” não dá não, isso me difama…eu peço que daqui para frente a senhora não me chame mais de “Girafinha”, isso pega muito mal para minha reputação!” Imediatamente me redimi perante o senhor, e ato contínuo peguei minha bolsinha e sumi rumo a Farmácia mais próxima, afinal estava diante de uma ameaça formal.
Como disse no título, o nome tem muita importância e dignifica o homem. (Alguns fatos e nomes foram trocados para dar sigilo as informações)

Gracilia Portela é advogada condominialista Sistêmica é presidente da Academia Brasileira de Justiça Filosófica Sistêmica (ABJFSIS)

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