TUDO PRA DAR CONTA DA TAREFA DE PRESTAR CONTAS

PLANEJAMENTO, TRANSPARÊNCIA E AUDITORIAS SÃO REGRAS DE OURO PARA NÃO TER PROBLEMAS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS

Poucos temas são tão controversos quanto a prestação de contas, nos condomínios, que deve traduzir, com exatidão, a administração do síndico. Nesse aspecto, é preciso garantir a máxima transparência quando da apresentação de balancetes, dívidas e prestações, por exemplo. O caminho alertam os especialistas, é não descuidar da parte documental; tudo deve estar devidamente registrado, para viabilizar a futura comprovação. Importante destacar que, por lei, o síndico é obrigado a prestar contas uma vez por ano. No contexto do Código Civil vigente, essa prestação deve ser feita por meio de uma assembleia, a ser realizada conforme a convenção estabelecer. O síndico tem a obrigação de prestar contas.

“Como auditora condominial, recomendo sempre que comecemos pela base documental, seja executando, monitorando ou acompanhando a prestação de contas nos condomínios. Solicitar os documentos fiscais, como notas fiscais e os recibos preenchidos corretamente, pode até parecer algo desnecessário. Mas, se não solicitados, deixarão lacunas que poderão implicar não somente na falta de transparência na prestação de contas, mas, sobretudo, em problemas fiscais com a Receita Federal, a Receita Previdenciária e em relação ao envio das declarações fiscais”, avalia Michele Lordêlo, CEO do Grupo Lordêlo, com sede em Salvador, auditora, doutora em Educação, conselheira do Conselho Regional de Contabilidade do Estado da Bahia (CRC-BA) e autora do livro ‘Manual Tributário para Condomínios’.

Também palestrante e professora de Gestão Contábil-Financeira e Auditoria do MBA da Faculdade 2 de Julho, nossa entrevistada segue em sua análise. “Outro aspecto que requer cuidados são os contratos com os prestadores de serviços, onde a atuação da auditoria condominial se dá através da análise das atividades prestadas pelas empresas, das análises das modalidades tributárias (lucro presumido ou real) e até mesmo de empresas optantes pelo Simples Nacional e o Microempreendedor Individual que, quando não são analisadas adequadamente, ensejam em débitos tributários para os condomínios, com necessidade de responsabilizações”, sentencia.

Michele Lordêlo faz questão de frisar que gastos e investimentos devem ser especificados e demonstrados de formas distintas. “A previsão orçamentária anual tem ênfase nos gastos ordinários, ou seja, aqueles que podem ser considerados indispensáveis para a manutenção, conservação e desembolsos para o funcionamento administrativo do condomínio”. Contudo, toda edificação deve possuir também um plano de investimentos de curto prazo (retoques de pintura, por exemplo), médio prazo (para colocação de pastilhas da fachada do prédio) e longo prazo (como para a implantação de placas fotovoltaicas). É esta antecipação de plano de trabalho contábil-financeiro que possibilitará a adequação da cota condominial ordinária, evitando cotas extraordinárias que interferem, inclusive, na maior inadimplência. “Quanto menos planejamento financeiro e contábil, maior risca de descumprir a previsão e não ter uma adequação dos gastos, o que se reflete na cota condominial.”

Assim, a previsão orçamentária feita deve estar sempre associada às necessidades de cada edificação. Quando o coletivo compreende que cada desembolso deve ser aplicado para o bom funcionamento do empreendimento, para o bem-estar dos moradores e a desejável valorização do imóvel, a elaboração equivocada da previsão orçamentária como planilha vai sendo substituída pela elaboração de um plano que demanda discussões em conjunto, com análises de possibilidades. Feito isto, a aprovação da previsão orçamentária exige a juntada de documentos confiáveis, a conferência de saldos, o planejamento de contratações, sendo necessário acostar todos os documentos comprobatórios, devidamente identificados.

Além disso, a prestação de contas deve ocorrer de forma contínua e de conhecimento dos condôminos mensalmente. Tudo para que, justo na hora da assembleia de apresentação e votação para aprovação das contas, não existam novidades a serem reveladas. Nada de más surpresas, sustos ou sobressaltos que atrapalhem a administração condominial. “Como a auditoria preventiva mensal não é usada ainda pela maioria dos condomínios do Brasil, faz-se necessário que o mínimo de controle interno seja executado”, alerta Michele Lordêlo.

Quando não há transparência na prestação de contas, o surgimento de dúvidas e até de suspeitas de desvios é praticamente inevitável. “As desconfianças iniciam quando não há um processo claro de prestação e apresentação das contas do condomínio. E, me permita dizer, essa postura se afasta do entendimento do que seja uma boa gestão condominial. Se houver de fato prestação de contas, oriunda de planejamento, com todos os documentos comprobatórios, acredito que o condômino ficará sem ter argumentos para desconfiar. Por outro lado, quando o mínimo não é realizado pela contabilidade, administradora, síndico, gestor, auditor, é preciso reorganizar o processo, identificar as falhas, corrigi-las e refazer o fluxo de gestão da prestação de contas. Isso evita os conflitos”, pondera.

Se o síndico descumpre sua obrigação de prestar contas, os condôminos podem tomar três medidas. Primeiro, conversar com o mesmo e com a administradora do local para solicitar uma explicação e o agendamento da assembleia para que preste contas. Caso não funcione, qualquer condômino pode notificar o síndico e a administradora de forma extrajudicial para documentar esse pedido. E, se as medidas anteriores não surtirem efeito, a solução é buscar a assinatura de um quarto dos condôminos e convocar uma assembleia extraordinária, que poderá destituí-lo do cargo, se este for o desejo da maioria.

Caso seja identificada alguma irregularidade nos valores da arrecadação ou das despesas comprovadas, é recomendável que os condôminos contratem o serviço de uma auditoria condominial. E, dependendo do que for descoberto na análise das contas, os moradores podem entrar com um processo contra o síndico, civil e criminalmente. Michele Lordêlo chama a atenção para a importância desse profissional em outro momento vital para os condomínios: a substituição do síndico, não por qualquer irregularidade, e sim quando passa o bastão da administração para um substituto, que acaba de ser eleito.

“Nessa hora, a auditoria avalia se o síndico que está deixando a função cumpriu com suas responsabilidades com eficiência, realizando as ações da maneira que deveriam ser feitas, e evitando que as responsabilizações ocorram anos depois. Avalia se houve o cumprimento da legislação tributária/ trabalhista e identifica até mesmo, através de um recibo ou nota fiscal, problemas que apontam descumprimento de obrigação tributária, ou riscos de reclamações trabalhistas. A auditoria contábil condominial, além das constatações contábeis-financeiras, apresentará no Relatório de Auditoria verificações, na maioria das vezes, não esperadas na prestação de contas, em áreas como Saúde e Segurança do Trabalho, adequação de obras, seguros e tributos”, complementa.

Entre as irregularidades constatadas na auditoria está o superfaturamento de obras. Outra prática que mancha a reputação da classe é o desvio de dinheiro, quando o síndico utiliza valores arrecadados com as taxas condominiais para bancar gastos pessoais. Essas ações podem ser combatidas com a presença de um conselho fiscal forte e a realização de auditorias de maneira constante. Investimento que acaba revertido em maior saúde financeira para o condomínio, mais confiança para os condôminos e segurança para os síndicos.

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