Fachadas: uma questão de diálogo e bom senso

Muitas são as regras que devem ser observadas antes de fazer qualquer alteração estética. E, nos casos de conflitos, o diálogo é a melhor alternativa para desenrolar a questão

 
JOÃO PAULO ROSSI

Em praticamente todos os condomínios, o síndico, por meio de assembleia, define regras de padronização de intervenções e acabamentos, sobretudo de áreas externas das unidades, como sacadas e varandas. O que pode ou não ser alterado quando falamos de cortina de vidro, quadros, iluminação, plantas e ornamentações? E o uso de película do tipo insufilm em janelas? Até que ponto esses elementos representam ‘alteração de fachada’? Qual é a importância dessa padronização? Quais limites de opções e gosto individual devem ser respeitados? Brigas judiciais são comuns? Qual melhor forma de resolver eventuais conflitos? Em busca de resposta a essas perguntas, a Revista dos Condomínios foi atrás de especialistas no tema.

“A grande dificuldade de lidar com a questão apresentada é que ela é enormemente casuísta, ou seja, há um universo de possibilidades de acréscimos e modificações que podem ser feitos e, de outro lado, também são inúmeras as concepções arquitetônicas aplicadas aos edifícios, bem como seu estado de conservação. E, para piorar o quadro, os precedentes de modificação já operados. Dado tal contexto e num país continental como é o Brasil, é difícil traçar uma equação que atenda de modo preciso e seguro todas as situações de mudança. Tamanho é o casuísmo que, não raro, o processo judicial em que se discute o assunto se decide após a realização de perícia judicial”, pontua o advogado João Paulo Rossi Paschoal.

Mestre em Direito pela PUC/ SP e especialista em Direito Civil pela ESA-OAB, ele lembra que, em alguns condomínios, é quase impossível sustentar a tese da alteração da fachada, tamanha a degradação causada pela passagem do tempo e falta de manutenção. “Basta ir a qualquer centro de uma grande cidade brasileira, para se perceber tal exemplo. É de amplo conhecimento que o Código Civil impõe como um dos deveres do condômino (e dos ocupantes) a proibição de ‘alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas’ (art. 1.336, III). O espírito da lei contido no art. 1.336, III, do Código Civil estabelece a vedação de alteração isolada da fachada com fins de preservar as condições estéticas e arquitetônicas do conjunto, que é patrimônio comum dos condôminos”, afirma.

Segundo ele, outro aspecto que serve de argumento e explicação para a vedação legal é o fato de que a propriedade dos condôminos certamente será desvalorizada caso a coerência arquitetônica e estética seja quebrada. Sobre o assunto, o STJ já julgou que “a exigência de concordância da unanimidade dos condôminos só é necessária quando a obra pretendida pelo condomínio provoca alteração arquitetônica no edifício ou modifica substancialmente área de uso comum dos moradores”. Até mesmo a preservação do direito autoral do arquiteto que elaborou o projeto pode entrar em pauta com as alterações indevidas.

“O primeiro parâmetro para a resolução do problema de fechamento ou alteração de alguns dos componentes da sacada é utilizar o bom senso, que pode ser traduzido pela seguinte orientação: ‘o que se proíbe é a alteração nociva e capaz de deteriorar o perfil originário da fachada, e não propriamente inovações modernizadoras ou úteis aos moradores”. Um segundo critério é identificar a eventual alteração à luz de precedentes existentes no prédio. “Em outras palavras, se no edifício já existem algumas unidades que tenham procedido à idêntica mudança no passado, e que não foram repreendidas, então, não haverá mais como sustentar a proibição”.

Há ainda outros casos nos quais a padronização é justificada não somente por questões estéticas, mas, sobretudo, em razão do bem-estar, segurança e privacidade dos moradores. Um exemplo é a necessidade de padronização da instalação dos aparelhos de ar-condicionado, pois a carga elétrica instalada não suporta que todos façam suas escolhas e instalações aleatórias; o impedimento de objetos nos corredores, para garantir que as rotas de fuga de incêndio permaneçam livres e desimpedidas; e a instalação de redes de proteção ou película de insulfim na parte interna da janela, que tem sido amplamente tolerada por decisões judiciais.

“Infelizmente, brigas judiciais são comuns. Discussões sobre quais ocorrências caracterizam alteração da fachada são numerosas. É perceptível que boa parte da população brasileira ainda está aprendendo a viver em condomínio. Há um viés muito individualista por parte de condôminos, que nunca moraram em condomínios antes, e não estão habituados a pensar nos aspectos coletivos. Desrespeitos vários à regulação condominial ocorrem, muitas vezes, por completa ignorância do que é exigido. Se as regras não são conhecidas e respeitadas, surgirão conflitos, boa parte dos quais viram processos. Vale o alerta de que todos devem empenhar esforços em evitar as ações judiciais, que são certeza de demora, desgaste e ônus econômico. Mas, em muitos casos, essa será mesmo a última medida, quando frustradas as outras possibilidades”, lamenta.

Docente na UNINOVE e na FAAP, além de membro das Comissões Especiais de Direito Imobiliário e de Advocacia Condominial da OAB/SP, João Paulo Rossi aconselha os síndicos. “A primeira dica é: só interfira em casos reais de desrespeito a padronizações necessárias e justificadas, impostas pela lei ou decididas pela comunidade. O síndico já tem uma grande carga de atribuições, razão pela qual deve evitar envolver-se em questões insignificantes. Sugiro, também, que realize campanhas periódicas, informando e explicando o que será tolerado e ressaltando o que é proibido, com a razão da vedação. A atuação pedagógica e preventiva terá repercussões favoráveis. E, mesmo nos casos que exijam sua participação, ele deve buscar a solução consensual, levar o morador que fez a modificação a retroceder pela via do diálogo, com aposta na conscientização e conciliação”, conclui.

SERGIO ITAGIBA

Estética e desvalorização

Sergio Itagiba é outro advogado craque no mercado condominial. “A jurisprudência vem entendendo que, se uma determinada alteração que foge ao padrão arquitetônico não ofender a harmonia estética da fachada como um todo, não existirá violação à lei. Mas lembro que o respeito à padronização é importante por dois motivos. O primeiro é a preservação da harmonia estética do projeto. Um edifício sem padrão, além de aspecto ruim, reflete negativamente na valorização das unidades. O segundo é a ordem urbanística. Se todos apresentarem-se com fachadas diferentes, isso interfere em um cenário macro. Entre arquitetos com os quais tive a oportunidade de conversar, me parece que é certo que um centro urbano descuidado e feio é mais suscetível a problemas como a violência. Nesse sentido, vale muito a pena estudar a Teoria das Janelas Quebradas”, indica.

Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFRJ e especialista em Direito Imobiliário pela PUC-Rio, ele lembra da máxima de que “gosto não se discute”. Mas ressalta que, quando o ponto em questão são as fachadas, discute-se, sim. É difícil saber precisar os limites, pois cada caso é um caso. Porém, o ideal é recorrer à administração para que o condômino verifique o que é permitido e o que é tolerado. Um caso claro de abuso já reiterado pela jurisprudência é a colocação de persianas, cortinas de pano e blecautes atrás das cortinas de vidro. Essa postura tem sido vista como uma forma de integrar mais a varanda à unidade, mas o problema é que isso ‘desintegra’ a varanda do conjunto exterior onde está inserida. A simples instalação de uma cortina de vidro não torna a varanda um cômodo interno.

É comum que muitos condôminos se sintam no direito de impor alterações gritantes em fachadas internas. Mas elas são tão sujeitas à padronização quanto as demais. Conheço um caso em que um condômino demoliu toda a parede da fachada de um prisma interno para fazer uma janela. É um claro caso de abuso que, infelizmente, muitas vezes é tolerado sob a justificativa de ser uma ‘área interna’. Em casos de trocas de esquadrias de alumínio por outras mais novas em igual modelo, é comum que se perceba uma alteração de tonalidade que, na verdade, decorre daquela esquadria não ter sido ainda exposta ao clima como as demais. Assim, não cabe qualquer ação contra o condômino, que não pode ser penalizado simplesmente por ter uma esquadria mais nova idêntica às demais”.

Itagiba diz que pode até parecer tolice, mas que a melhor forma de se resolver um conflito, em primeiro lugar, é não o criando. A prevenção na delicada matéria de alteração de fachada passa necessariamente pela contratação de um arquiteto e urbanista, que poderá sempre auxiliar o condômino com a questão da padronização e das interferências que, dentro de sua concepção profissional, não trarão ofensa à harmonia estética da edificação. Se não foi possível evitar o problema, o ideal é que as partes tentem métodos alternativos de solução de conflitos, como conciliação ou mediação. Mas para isso, é necessário que as administrações condominiais se ponham em condições de ouvir e estejam dispostas a consultar profissionais técnicos especializados, como arquitetos e engenheiros.

“Infelizmente, é comum vermos síndicos que se sentem ameaçados em sua autoridade e acabam por se impor de forma bastante truculenta, inclusive se negando a simplesmente dialogar. Isso, além de fechar as portas para uma convivência pacífica, gera processos desnecessários para os condomínios. Se persistir o conflito, uma perícia judicial de arquitetura irá atestar se a intervenção importa em modificação da fachada. A instauração de um processo judicial também não exclui a possibilidade de composição do conflito. Basta as partes estarem dispostas”, pondera Sérgio Itagiba, numa aposta à solução por meio do diálogo e bom senso, em fina sintonia com a tese defendida por João Paulo Rossi.

Pontos mais polêmicos

CORTINA DE VIDRO
Muito embora minha opinião particular seja a de que qualquer cortina de vidro importe em alteração da fachada, a jurisprudência tem entendido, sobretudo no estado do Rio de Janeiro, que a sua instalação, desde que incolor, não importa em alteração de fachada. No TJRJ existe a Súmula 384, de observância obrigatória pelos juízes, que determina que “a instalação de cortina de vidro, ou sistema retrátil de fechamento sem perfis de alumínio, ou semelhante, em material incolor e transparente, executada por profissional devidamente registrado no CREA ou no CAU, não configura obra a depender de licenciamento urbanístico, desde que não implique em transformação da varanda em um novo cômodo habitável da unidade”.

QUADROS EM VARANDAS
Como mencionado, cada caso é um caso. Porém, muitos condomínios, principalmente os novos, têm entendido que as varandas têm ganhado uma ressignificação cada vez maior nos projetos mais novos. Muitas têm churrasqueiras ou já são áreas gourmet desde o projeto. Em razão disso, até mesmo para melhor integrar o espaço ao apartamento, muitas administrações condominiais têm costumado tolerar quadros menores que não destoem muito da cor e tonalidade da fachada como um todo. Contudo, como não existe uma fórmula certa, o ideal é sempre contatar um arquiteto, sabendo que, mesmo assim, poderá ser notificado.

ILUMINAÇÃO
Como as luminárias costumam ser mais visíveis, o ideal é sempre se ater aos padrões, tanto de lugar da instalação, quando do modelo da luminária, definidos pelo condomínio.

PLANTAS
Como as plantas comumente estão situadas em vasos móveis, a permanência delas nas varandas e sacadas, desde que com parcimônia, é pacificamente tolerada e amplamente aceita. Aqui, é bom ver a legislação de posturas do seu município, porque muitos proíbem vasos de plantas nos parapeitos, por exemplo. Pode haver também administrações condominiais que se preocupem com grande número de plantas na varanda, ou com vasos que sejam pendurados em suportes afixados nas paredes. Se você lembrou do vaso de samambaia preso àquele suporte de ferro parecido com um “A”, saiba que pensei nesse aí mesmo…

INSULFILM NAS JANELAS
A questão do insulfilm é mais clara. Como importará na alteração de tonalidade dos vidros, e como os vidros são parte integrante das esquadrias, que por sua vez, compõem a fachada, o ideal é seguir o padrão aprovado pela assembleia. Se não houver aprovação, o condômino que queira evitar maiores problemas deve procurar a administração condominial para buscar uma aprovação assemblear específica.

GRADES
Muito se justifica que as grades são um elemento de segurança. Porém, isso não deve autorizar que cada condômino instale uma grade a seu modo. Deve haver padronização e, independente disso, há alternativas menos ofensivas à harmonia estética, como as telas de proteção.

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