Homofobia é crime também nos condomínios!

Casos devem ser combatidos e denunciados pelos síndicos, uma vez que configuram crime e podem expor moradores ao constrangimento, humilhação e até risco à integridade física

 
Marcela Volpato

Casos de homofobia em condomínios, com ofensas a moradores assumidamente gays ou representantes da comunidade LGBTQIA+, como travestis e transexuais. O que vítimas devem fazer diante de ofensas e agressões preconceituosas? E mais: qual deve ser a postura dos síndicos nesses episódios? Tentar a pacificação do conflito? Obrigatoriamente proceder com uma denúncia? Marcela Volpato é uma síndica transexual profissional da cidade de São Paulo. Começou na função após ajudar em problemas no prédio onde morava. Atualmente, é síndica de vários condomínios. Ela conversou com a REVISTA DOS CONDOMÍNIOS.

“Para começar, vou contar uma experiência com homofobia que tive em um condomínio. Um colaborador nosso foi basicamente desrespeitado, achincalhado e quase agredido por uma moradora. Eu, na verdade, tenho uma política de tolerância zero para qualquer tipo de violência – seja ela contra pessoa de qualquer orientação sexual, ou mesmo animais. Nesse caso, o condômino foi multado – a unidade, não a pessoa. Havia confirmação visual por vídeos e testemunhas das agressões. Mas o marido da mulher que quase bateu no colaborador disse que não ia pagar essa multa e mandou um e-mail para a administradora. Foi identificado que o homem usava apenas o pronome masculino ‘esse tal síndico’ ao se referir a mim. Sempre me tratava pelo pronome masculino.”

O desdobramento do caso em questão não poderia ser mais pedagógico e desconcertante para o casal de moradores agressores. A administradora logo respondeu ao e-mail, lembrando que, de acordo com a Lei nº 7.716/89, era crime a discriminação por conta de raça, cor, sexo ou orientação sexual. E afirmando que, se a postura continuasse, eles seriam multados e até mesmo processados. O e-mail recomendava, inclusive, que o condômino passasse a utilizar o pronome feminino ao se referir a Marcela. Pouco tempo depois, a família se mudou do condomínio. 

Mas nem sempre o preconceito dá as caras assim, de forma tão explícita. “As pessoas são sempre muito discretas, elas sabem que podem ser punidas”, diz Marcela, que conta um caso ocorrido em Joinville (SC), no qual moradores colocaram um bilhete embaixo da porta de outros condôminos. No bilhete, pediam que o casal homoafetivo não andasse mais de mãos dadas pelo condomínio. “Nesse caso, o síndico local agiu de forma correta e divulgou um comunicado esclarecendo que o ‘Condomínio é de todos’, com direitos iguais. Importante ter essa postura”, comemora ela, que desenvolve um trabalho de ‘Disque-Denúncia’ nos condomínios em que atua, para comunicação de qualquer tipo de violência. “O síndico é obrigado a observar e a se manifestar caso cheguem ao seu conhecimento casos de agressão. Já denunciei, juntamente com outra moradora, um caso de violência doméstica contra uma moradora.”

Em novembro último, veio à tona mais um episódio polêmico envolvendo a atriz Cássia Kis, que recentemente deu declarações homofóbicas. A artista foi expulsa do grupo de WhatsApp de moradores do condomínio onde tem uma casa, o Ecovila Clareando, localizado entre os municípios de Piracaia e Joanópolis, no interior de São Paulo. Houve uma votação, e a decisão foi tomada por maioria por conta de declarações homofóbicas da veterana. Mas isso pode ser feito? Há amparo legal? Quais tipos de penalidades podem ser impostas aos condôminos?

“Essa postura não é recente. A atriz já havia falado as mesmas coisas nos anos 1990, no programa do Faustão. Na época, tentaram passar a imagem dela se retratando com uma aproximação com a falecida atriz Rogéria, no Video Show. Assim, não foi surpresa pra mim esse posicionamento… As pessoas não têm que gostar, mas elas precisam, sim, respeitar o modo de vida das demais. Caso se qualifique como ‘caso extremo’ de repetidas agressões, o condômino antissocial pode, sim, ser convidado a se retirar não apenas de grupos de comunicação, como do próprio condomínio”, explica.

“O preconceito homofóbico ou transfóbico, no meu caso, pode surgir quando menos se espera. Por ser síndica profissional, sei bem que podem existir preconceituosos. Afinal, são 15 condomínios que eu administro, com uma colega, que me deu essa oportunidade de atuação. Portanto, é grande a chance de me deparar com resistências. É preciso estar preparada para lidar com a intolerância”, afirma, lembrando que a primeira síndica transexual de quem se tem notícia, no país. foi Jane di Castro, no Rio de Janeiro. Atriz e cantora, com temporadas e teatros e participações em telenovelas, ela faleceu em 2020.

Williane Guimarães

Ainda há dúvidas quanto à LGPD nos condomínios

Há mais questões a serem levadas em conta. “No próximo ano, o desafio que nos aguarda será gigante. Não sabemos o que esperar para 2023, e qualquer estudioso que arriscar uma previsão provavelmente vai cometer algum equívoco. Analisando os fatos e levando em consideração a recuperação econômica crescente em velocidade de cruzeiro do atual governo, mesmo após uma pandemia devastadora, e diante de um cenário internacional incerto, mais os conflitos entre os poderes da República, o próximo presidente terá que usar esses ventos a favor para navegar com prudência para alcançar o crescimento prometido de forma vaga e superficial em sua campanha”, aponta Alessandro Di Giuseppe, advogado especializado em Direito Condominial e empresarial. com pós em Processo Penal, em Processo Civil e Direito Civil.

Diretor de Ensino na ASDESC (Associação de Síndicos do Estado de SC), vice-presidente da Secovi (Florianópolis/Tubarão) e membro da Comissão de Direito Condominial de Santa Catarina, Alessandro se fixa numa questão que dominou os debates neste ano. Ele lembra que, após quatro anos da publicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), ainda surgem diversas dúvidas acerca da sua aplicabilidade em condomínios. “É importante trazer a informação de que ainda não se sabe como a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) irá calcular e aplicar as sanções administrativas por violação da norma. Fato é que, inegavelmente, uma enorme quantidade de dados sensíveis e pessoais são tratados diariamente nesses ambientes, seja dos condôminos, de visitantes ou de prestadores de serviços. Se vazados, podem gerar grandes transtornos, prejuízos financeiros, danos à imagem e reputação”, alerta. 

Os condomínios tratam inúmeros dados pessoais de moradores, visitantes, prestadores e colaboradores. Informações que podem ser número do RG ou CPF, impressão digital, assinatura, imagens do circuito de segurança, informações sobre os veículos… A Lei nº 13.709/18 veio para estabelecer regras e limites sobre os processos de coleta, armazenamento, utilização e compartilhamento de dados pessoais. Contudo, isso pode variar de acordo com o tamanho do condomínio, a natureza dos dados coletados e até mesmo a tecnologia utilizada para isso. Por esse motivo, mesmo não sendo obrigatório manter um DPO (encarregado de dados), é interessante ter uma consultoria especializada em LGPD. 

Uma grande preocupação que existe é quanto à regulamentação da aplicação das multas, que podem chegar até R$ 50 milhões. E mais: se haverá efeito retroativo dessa aplicação e como será a classificação de risco. O que será risco leve, médio ou grave? Como será a punição por quem não tratar ou vazar esses dados? Será levada em conta a reputação do ofendido?  Teremos a aplicação semelhante ao caráter pedagógico do dano moral? Um dos principais motivos para a valoração da condenação de indenização é o caráter pedagógico que se busca, ou seja, para que a pessoa não volte a cometer o erro do passado, evitando assim problemas no futuro, novas ações judiciais e possíveis condenações.

“Estamos em um momento de incertezas, mas é fato que os condomínios devem se adequar à LGPD. Apesar de a Lei não trazer essa obrigatoriedade expressamente, a Resolução nº 02 CD/ANPD, publicada em 2022, complementou a norma e regulamentou essa questão. Vale ressaltar que, ainda que não tenham personalidade jurídica, condomínios têm direitos e deveres. Sendo assim, eles são classificados como entes despersonalizados. E a Resolução de 2022 determinou que essa categoria seja tratada como um agente de tratamento de pequeno porte. Dessa forma, a LGPD em condomínios passou a ser cobrada, mesmo que de forma simplificada”, explica Alessandro Di Giuseppe, que segue em sua avaliação. 

“A lei nos orienta como a proteção desses dados pessoais deve ser feita pelos controladores e operadores, considerados como agentes de tratamento, os quais possuem responsabilidades em razão do exercício da atividade de tratamento de dados pessoais. Importante mencionar que a ANPD publicou a Resolução 2 em 27 de janeiro de 2022, aprovando o regulamento de aplicação da LGPD para agentes de tratamento de pequeno porte, onde, em seu artigo 2º, inciso I2, considera os entes privados despersonalizados como beneficiários deste regulamento. Os condomínios são considerados entes privados despersonalizados, e, portanto, não há mais dúvida de que a LGPD a eles se aplica, sendo imprescindível que estejam agora em conformidade com a lei.”

Outra informação relevante é que recentemente houve a transformação da ANPD em uma autarquia (Medida Provisória nº 1.124/22), sendo que esse acontecimento pode trazer impacto positivo para a atuação do órgão, que logo terá braços mais longos para implementar a política e os critérios de fiscalização em âmbito nacional. “Portanto, certos de que estamos num momento de incertezas políticas e econômicas, o síndico, como representante legal de um condomínio e sendo o responsável civil e criminalmente pela função que exerce, é o responsável pela implementação e manutenção do programa de privacidade e proteção de dados pessoais, devendo adotar as medidas necessárias para a adequação do condomínio à LGPD, sendo que ressaltamos a importância de contratar uma consultoria especializada, pois existem muitos procedimentos a serem realizados. E, no final, todos queremos estar seguros, sabendo que nossos dados pessoais e sensíveis são tratados, armazenados e respeitados conforme prevê a legislação”, conclui.

 

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