Vagas especiais na garagem: questão de bom senso e civilidade

Há farta legislação definindo regras para a destinação de vagas especiais para idosos e pessoas com deficiência em estacionamentos comerciais e residenciais

 
ROSE FERREIRA

Vagas para idosos e deficientes em condomínios: quem tem direito? Será que o condomínio é obrigado a reservar e demarcar vagas especiais de acessibilidade para todos os que solicitarem e comprovarem legalmente esse direito? Como deve ser feita essa comprovação? São muitos os questionamentos de moradores idosos e deficientes quanto a seus direitos. Qual deve ser o padrão de uma vaga, para ser considerada de fato especial? E as gestantes, também deveriam ter direito a uma vaga especial, ao menos temporária? No caso dos condomínios que têm vagas para visitantes, como fica isso?

“Cada vez mais, síndicos de diferentes regiões do Brasil me fazem essa mesma pergunta: o condomínio é obrigado a reservar vagas nas garagens para as pessoas idosas? É um questionamento que demonstra, de forma inequívoca, que o tema ‘envelhecimento’ finalmente entrou na pauta dos condomínios, mas nem sempre esse debate se inicia pautado nas melhores intenções… Antes de responder se o condomínio é obrigado ou não a realizar a reserva de vagas para as pessoas idosas, precisamos melhor entender o ‘estado da arte’”, inicia Rose Ferreira, advogada especialista em Direito da pessoa idosa e acessibilidade em condomínios, sócia fundadora da empresa RD Longevidade e idealizadora do curso “Condomínio amigo do idoso”.

No Brasil, lembra nossa entrevistada, a parcela de pessoas com 60 anos ou mais representa 14,7% da população e já ultrapassa a casa dos 32 milhões de indivíduos. E, segundo as projeções do IBGE, a população idosa continuará crescendo e, em 2060, as pessoas com 60 anos ou mais representarão 25,5% da população brasileira, chegando a 58,2 milhões de indivíduos.

“Eu sei que muitos profissionais do setor condominial e imobiliário podem pensar: ok, mas o que o condomínio residencial tem a ver com o envelhecimento populacional? Não apenas os condomínios residenciais, mas a sociedade como um todo precisa dedicar maior atenção ao acelerado crescimento da população idosa do nosso país. Ao contrário do que muitas pessoas pensam, o envelhecimento populacional é um tema de extrema relevância para absolutamente todos os setores da sociedade e precisa ser trabalhado com um grau extra de sensibilidade, especialmente nos condomínios residenciais, que são os lares de milhares de pessoas idosas”, pontua Rose.

Quando gestores compreendem a singularidade do processo de envelhecimento, adquirem a capacidade de compreender que, em um mesmo condomínio, há pessoas idosas octogenárias gozando de plena capacidade física e mental, ao passo que haverá também pessoas sexagenárias, demandando cuidados para as mais triviais atividades do dia a dia. “Assim, debater sobre a obrigação ou não de se reservarem vagas de garagem para as pessoas idosas nos condomínios é uma dentre dezenas de outras questões que precisam ser mapeadas e planejadas para que o condomínio seja um espaço seguro e receptivo ao envelhecimento de seus condôminos”, defende a entrevistada.

Políticas públicas protegem idosos

No que tange às políticas públicas que visam a garantir os direitos das pessoas idosas, o Estatuto da Pessoa Idosa (Lei nº 10.741/03), a Lei da Acessibilidade (Lei nº 10.098/00) e o Estatuto da Pessoa com Deficiência, quando dispõe dos direitos das pessoas com mobilidade reduzida (Lei nº 13.146/15), abordam a questão da acessibilidade, que deve ser garantida aos idosos. As vagas preferenciais para pessoas idosas visam a garantir maior acessibilidade, diante da mobilidade reduzida. Ocorre que a vaga preferencial acaba entregando muito mais do que isso: possibilita maior comodidade, mais segurança, acesso mais rápido a rampas e/ou elevadores, cordialidade e, sobretudo, respeito.

Quanto à obrigatoriedade, o artigo 41 do Estatuto da Pessoa Idosa (Lei nº 10.741/03) estabelece que “é assegurada a reserva, para os idosos, nos termos da lei local, de 5% (cinco por cento) das vagas nos estacionamentos públicos e privados, as quais deverão ser posicionadas de forma a garantir a melhor comodidade ao idoso”. Ocorre que o referido artigo não gera obrigação aos condomínios residenciais, já que estes não se confundem com os espaços que oferecem estacionamento privado de uso coletivo. Para o projeto e construção de novos empreendimentos multifamiliares, a regra que se aplica é a que conta no artigo 8º do decreto nº .451/18, que regulamenta o artigo 58 da Lei 13.146/15:

“Serão reservados 2% das vagas de garagem ou estacionamento, vinculadas ao empreendimento, para uso comum, para veículos que transportem pessoa com deficiência com comprometimento de mobilidade, sem prejuízo do disposto no art. 47 da Lei 13.146, de 2015. As vagas a que se refere o caput deverão ser localizadas próximo às rotas acessíveis ou aos elevadores, atender aos requisitos estabelecidos nas normas técnicas de acessibilidade vigentes e ficar sob a administração do condomínio em área comum”, diz esse trecho da legislação.

Rose Ferreira diz que é preciso mais que isso. “Ainda que o referido não se aplique a condomínios antigos, urge que os profissionais da área busquem adquirir o mínimo de conhecimento sobre os direitos dos condôminos idosos, sobre acessibilidade 360º, sobre a prevenção à violência contra a pessoa idosa, sobre envelhecimento ativo e envelhecimento que demanda cuidados e tantos outros temas que, cada vez mais, estão se tornando obrigatórios para todos os ambientes que estejam minimamente comprometidos com a segurança, o bem-estar e a autonomia das pessoas idosas”, reivindica ela, que segue em sua análise.

“Por fim, volto à pergunta do início para concluir dizendo que uma administração condominial séria está diretamente comprometida com o bem-estar e a segurança de seus condôminos e, se a vaga preferencial é um meio através do qual se garantirá melhores condições de vida aos moradores idosos ou com deficiência, é recomendável que o síndico avalie a possibilidade de se garantir tal acessibilidade às pessoas idosas e demais moradores com mobilidade reduzida”, orienta Rose.

FELIPE FAUSTINO

E como deve ser feita a comprovação, por exemplo, na hora que uma pessoa com necessidade especial reivindicar uma vaga desse tipo no estacionamento do condomínio? A resposta é dada por Felipe Luiz Faustino, graduado em Direito pela Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, especialista em Direito Condominial, Direito do Trabalho, Ambiental e Legislação Geral de Proteção de Dados. “A comprovação deve ser feita através da apresentação da credencial emitida pelo órgão responsável da região. E essa vaga deve ser, preferencialmente, em caso de sorteio, ‘solta’, ou seja, não pode ser uma vaga que fique presa entre uma ou mais vagas. Além disso, deve ser próxima a elevadores, rampas, carrinhos de compras. Importante destacar que a vaga especial deve seguir os padrões da norma da ABNT NBR 9050.”

Membro da Comissão de Direito Condominial da OAB/SP, palestrante, professor em curso de formação de síndicos e sócio do Escritório Yuki, Faustino e Teles Sociedade de Advogados, o entrevistado fala ainda sobre os casos relativos a gestantes e visitantes. “Não há obrigatoriedade legal pelo fato de ser gestante. Todavia, caso a gestante seja uma portadora de necessidade especial, mesmo que temporária, devemos seguir a mesma linha da Lei nº 13.146/2015. No caso dos visitantes, o ideal é que o condomínio tenha uma vaga de embarque e desembarque para pessoas com deficiência. Todavia, a vaga de visitante para portadores de necessidades especiais também não é obrigatória.”

Felipe Faustino reforça que, no caso de pessoas idosas, há a previsão legal do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), em especial o artigo 41, que trata de estacionamentos públicos e privados de uso coletivo, como, por exemplo, em supermercados e shoppings. Nesse sentido, os condomínios comerciais e estacionamentos públicos se encaixam na situação, ou seja, devem ter, sim, vagas especiais disponibilizadas para idosos. Já no que tange aos condomínios residenciais, como adiantado por Rose Ferreira, não há essa obrigatoriedade, visto que são propriedades residenciais exclusivamente privadas. “O ideal é que caso a caso seja observado, inclusive, com base nas legislações estaduais e municipais em conjunto com a legislação informada, além, claro, do bom senso e empatia com o próximo”, conclui.

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Rose Ferreira

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Felipe Faustino

@yukiadvogados

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