Home office: da tendência à nova realidade

O que antes era visto com algumas reticências pelas empresas, meramente uma tendência de mercado, agora passou a ser algo necessário em todo o mundo

 
JAQUES BUSHATSKY

A pandemia mudou diversos aspectos da vida “normal” nesses dois anos em que a Covid-19 está presente no cotidiano de não apenas brasileiros, como dos trabalhadores e empresas dos mais diferentes setores, em todo o mundo.

Com o distanciamento social e as diversas regras que foram criadas para manter as pessoas seguras, o home office, que até então era uma tendência, até mesmo visto com algumas reticências, “surgiu” como uma forma de não deixar que os negócios ficassem estagnados e as empresas continuassem a produzir em quantidade e qualidade minimamente parecidas com o que acontecia presencialmente.

Essa prática, para algumas profissões, era realidade, mas para outras acabou sendo uma adaptação severa, especialmente do ponto de vista legal. Afinal quais atividades poderiam ser exercidas dentro das casas e apartamentos, quais os impactos disso no estresse e na saúde mental das pessoas, entre outros fatores? Sendo um tema tão importante, conversamos com o advogado e administrador de empresas Jaques Bushatsky, que também foi procurador do Estado de São Paulo.

Primeiramente, o especialista esclareceu como está amparado o trabalhador e o que o c digo civil e as leis trabalhistas falam sobre o home office: “O aspecto trabalhista está muito bem regulado e protegido, e as disposições da CLT já mereceram farta jurisprudência. Penso que o tema esteja bem solucionado. Essa boa atuação da Justiça do Trabalho sobre leis bem-feitas e modernas permitem o trabalho a distância, em casa, sem percalços legais. Já o aspecto civil tem merecido estudos e, basicamente, o problema que alguns apontam é que, no condomínio residencial, trabalhar afrontaria a natureza do condomínio, daí ser proibido. Mesmo respeitando quem opine assim, eu penso de modo diferente, creio que é possível, sim, trabalhar na unidade do condomínio residencial, guardada a atenção a alguns parâmetros lógicos e legais”, completou.

Outro ponto de extrema importância é a distinção do que pode e o que não pode ser feito enquanto se pratica o trabalho remoto, e o assunto é ainda mais delicado quando o meio condominial entra em pauta. Num ambiente com diversas famílias e profissionais com trabalhos diferentes, não é impossível que uma atividade fora da curva seja a profissão de um dos moradores, e é necessário ter cuidado para não colocar em questão a paz dos vizinhos.

Essa perspectiva é fundamental, porque não é comum que um programador seja alvo de reclamações por barulhos e afins, mas um professor de dança que está gravando ou dando aulas ao vivo para seus alunos pode levantar algumas sobrancelhas. Jaques comentou sobre o tema.

“Trabalhar na residência não é novidade. Se estudarmos a História do Brasil, veremos que, por exemplo, no Século 17, era comum as casas que continham salões para negócios, instalações para algumas atividades produtivas. Óbvio que hoje em dia não pretenderemos ter moendas ou “panelões” para fazer sabão ou rapadura no apartamento, mas sim acolheremos atividades não poluidoras, sequer barulhentas ou que não impliquem em desmesurado tráfego. Vai daí, exceto se houver clara autorização na convenção, não se admitirá em apartamento a instalação de academia devido ao tráfego gerado – embora eu não possa esquecer dos urros de alguns ginastas, desassossegadores; não se permitirá uma cozinha industrial, devido à emanação de odores e ao tráfego; não se admitirá um ‘call center’, devido ao excesso populacional gerado. Em resumo, essa é a fórmula: não se permitirá o que afrontar o sossego, a saúde, a segurança dos demais condôminos”.

Porém, esse é o ponto. A convenção condominial da maioria dos edifícios residenciais não contava com essa nova situação, e é por isso que alterações, por meio de assembleias, precisaram ser feitas para que não fossem criadas injustiças. “Desejando-se que tudo fique bem claro, será necessário convocar uma assembleia de condôminos, obedecidas as regras que estão previstas na convenção. Sugiro que na convocação dessa assembleia, além de se informar o objetivo da reunião, já se adiantem as regras básicas que serão definidas, tais como a vedação de atividade perigosa ou perturbadora, os horários que serão propostos eventualmente. Afinal, cada caso é um caso, e as reformas que serão necessárias no prédio para boa consecução das atividades”, explica.

Quando o assunto é a utilização das áreas comuns, ele também informa como o espaço pode ser utilizado por aqueles que precisam de um local para poderem trabalhar. “Será na área comum que tudo virá à tona, que as eventuais desavenças aparecerão com maior vigor. O salão deverá ser usado pelos que precisam de silêncio para trabalhar ou pela criançada, que tem todo o direito de brincar? Sobre as reuniões presenciais, creio que devido à presença de estranhos ao condomínio, talvez em grande número ou com grande alternância e frequência, seja razoável restringi-las. Aí está um problema que somente um poderá resolver corretamente: o condomínio, especificamente cada condomínio. Afinal, quem melhor do que os condôminos para dizerem o que é melhor para eles?”, pondera.

Agora que os efeitos da pandemia parecem estar de fato diminuindo, questionamos o administrador a respeito do que fica para o futuro e o que não será levado à frente, juntamente com algumas vantagens e desvantagens de se trabalhar remotamente. “O Estado já vinha desenvolvendo estudos e inovando legalmente para mesclar atividades residenciais com as profissionais, objetivando a diminuição do tráfego, o prestígio à mobilidade urbana, a melhor condição de vida da população. As pessoas, muitas gostaram de trabalhar em casa, na praia, em outro país. A evolução está aí! Isso tudo conjugado certamente propiciará o incentivo ao home office, talvez não integral, mas híbrido e sim, nos condomínios deveremos acolher esse uso, criar ou melhorar condições para a sua prática. As vantagens básicas ao trabalhador estarão na liberdade de horário, no conforto de evitar viagens, na economia, na possibilidade de fazer mais, inclusive coisas de seu interesse pessoal; as empregadoras ganham na satisfação que os trabalhadores têm com essas vantagens, na economia de meios e espaços. Já o outro lado da moeda preocupa: muitos apresentaram terrível diminuição de desempenho, não entenderam como se organizar e comunicar profissionalmente, e talvez falhas que vinham na sombra vieram à luz. Assim, empresas precisaram se organizar de novos modos para atribuírem e cobrarem tarefas a distância”, finaliza.

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